#Crítica: BH precisa de muitas coisas, entre elas um prefeito corajoso para acabar com os alagamentos

janeiro 05, 2020

Crédito: Lucas Franco / G1 MG / Reprodução.  

Por Sílvia Amâncio


Todo ano é a mesma coisa. Entra janeiro e sai janeiro, as chuvas inundam as principais vias de Belo Horizonte (MG), desaloja centenas, mata dezenas e o Poder Público no promete obras de contenção e infraestrutura, além de uma sorte de gambiarras são realizadas para conter o problema, que na maioria das vezes só esvaziam os cofres da administração pública.

Na última sexta-feira (03/01), mais uma vez, o grande volume de água das chuvas devastaram a avenida Vilarinho e seu entorno, trazendo transtornos, prejuízos e caos para quem mora na região e precisa se deslocar. 

Muitos desses alagamentos se deve ao fato que o Poder Público, historicamente, construiu ruas e avenidas em cima de ribeirões, córregos e rios na cidade. Como mudar isso? Belo Horizonte precisa de um prefeito (prefeita de preferência) com coragem.

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Tal cenário nos remete aos ensinamentos de @RaquelRolnik, arquiteta e urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), que em seu livro “Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças”, aborda a financeirização das cidades e seu impacto sobre os direitos à terra e à moradia dos mais pobres e vulneráveis.

Com foco na habitação dos grandes centros urbanos, podemos tirar de lição desse livro como as relações entre o solo e o capital financeiro servem para limitar o acesso das pessoas ao espaço público.

Um exemplo de quebra dessa relação permissiva do público a favor de interesse privados vem da Coreia do Sul. No início dos anos 2000, Lee Myung-bak, para se eleger como prefeito de Seul, prometeu em sua campanha que iria despoluir o Rio Cheonggyecheon. Esse longo curso d'água urbano corta a capital sul-coreana. Como base comparação com Belo Horizonte, vamos dar como exemplo o nosso Rio Arrudas deles.
Crédito: Getty Imagens / Reprodução. 

Durante a campanha eleitoral, a narrativa era de que Lee estava louco, que era impossível despoluir o rio, canalizá-lo de forma sustentável. Imagina, um político que propõe tirar os carros da rua (que passavam por baixo e por cima daquele curso de água fétido)? Imagina transformar as margens do rio em um boulevard onde as pessoas iriam caminhar, ter lazer, ou seja, iriam desfrutar daquele espaço público?

Lee virou prefeito e conseguiu colocar o seu plano em prática. Ele enfrentou a Câmara dos Vereadores com seu projeto de revitalização, bateu de frente com a oposição eleitoral e, ainda, teve que lidar com os piores inimigos de um grande centro urbano: os empresários que lucram com a poluição, com a violência, com o transporte público de má qualidade e todos os setores comerciais que por motivos irracionais foram contra o projeto de revitalização do Rio Cheonggyecheon.

Literalmente, Lee levou o projeto como o desafio de sua vida (claro pensando em alçar voos mais longos e frutíferos na política, não sejamos ingênuos). Ele chegou a ser jurado de morte, mas não desistiu e chamou a população para entender, apoiar e fazer parte do projeto de revitalização. No vídeo a seguir, veja como o rio ficou:


Após alguns anos, muitos profissionais envolvidos, muito dinheiro público envolvido, eis que a revitalização do Rio Cheonggyecheon se tornou o maior parque horizontal urbano do planeta. E o Lee? Esse aí virou presidente do país pela fama que teve. E olha que ele, antes de entrar para a política, era executivo da Hyundai e é de um partido de linha conservadora.

Mais uma vez recorrendo à professora Raquel Rolnik, não temos o que comemorar em relação ao atual prefeito nem com os que virão, pois, falta no Brasil política para o desenvolvimento urbano. O que existe são apenas políticas focadas nos setores imobiliário e financeiro.

Duvido muito que no pleito de 2020 teremos algum candidato corajoso, visionário e que entenda que o público precisa ser utilizado pelas pessoas, de realmente pensar em um projeto de revitalização dos cursos d'água da capital mineira para acabar com os alagamentos. Viver na cidade também significa ter acesso a ela, a seus espaços, transitar pelos territórios, com ou sem chuvas.

Em Belo Horizonte, há muito tempo, os prefeitos e governadores fizeram a péssima opção de cobrir com galerias subterrâneas os cursos d’água espalhados por toda a cidade. Escolheram dar espaços às avenidas sanitárias ao invés de prezar pelo equilíbrio entre o moderno e sustentável. Pagamos um alto preço a cada ano quando as chuvas de verão caem e tocam o solo asfaltado maquiando os cursos d’águas que foram brutalmente desviados e canalizados.




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