Rachel Sheherazade, jornalismo opinativo e a responsabilidade da liberdade de expressão

fevereiro 06, 2014

Foto: SBT / Divulgação.


Não se falou outra coisa nas redes sociais durante todo o dia: a polêmica opinião da jornalista e âncora do SBT Brasil, Rachel Sheherazade. Nesta semana, Rachel comentou sobre o fato de um adolescente infrator, no Rio de Janeiro, ter sido espancado e preso nu em poste, após os moradores se revoltarem com os constantes roubos que o menor promovia naquela região.

Em seu editorial no SBT Brasil, a jornalista usou do senso comum – e porque não dizer da sua visão de mundo, para promover o debate em torno do ocorrido no Rio. Mesmo sem querer (ou não), ela acabou incitando a violência e desrespeitando o estatuto dos Direitos da Criança e do Adolescente.

"Num país que ostenta incríveis 26 assassinatos a cada 100 mil habitantes, arquiva mais de 80% de inquéritos de homicídio e sofre de violência endêmica, a atitude dos vingadores é até compreensível. O Estado é omisso. A polícia, desmoralizada. A Justiça é falha. O que resta ao cidadão de bem, que, ainda por cima, foi desarmado?", dia a âncora.

Ao final do editorial, Rachel Sheherazade encerra com uma provocação: “E aos defensores dos Direitos Humanos, que se apiedaram do marginalzinho no poste, lanço uma campanha: Façam um favor ao Brasil. Adote um bandido!"Abaixo, assista o vídeo:


Com pontos de vista polêmicos, Rachel Sheherazade foi contratada por Silvio Santos por conta da repercussão dos seus editoriais. O homem do baú não dá ponto sem nó. As opiniões dela dividem a internet. Do mesmo jeito que tem gente que concorda, tem gente que desaprova. Faz parte do jogo democrático que isso ocorra.

E para uma emissora de TV aberta que está em constante desafio de manter a atenção do público que migrou para outras plataformas midiáticas, a jornalista consegue provocar um buzz gigante nas redes sociais, instigando as pessoas comentarem sobre o jornal da emissora de Silvio Santos não só no momento em que é exibido, mas durante todo o dia. Isso é genial, do ponto de vista do marketing!

O fato é que no calor de quem é contra ou a favor, o jornalismo opinativo foi colocado em cheque, principalmente na TV – terreno que inclusive é pouco explorado no nosso país. Neste modelo de jornalismo opinativo, o âncora dá a sua opinião e se expõe sem medo, sem rodeios. Aqui no Brasil, os exemplos mais marcantes são Boris Casoy, Ricardo Boechat e, recentemente, a Rachel Sheherazade.

Silvio Santos é um dos poucos empresários de comunicação que, por não ter o “rabo preso” com grupos políticos ou empresariais, pode se dar o luxo de ter o seu principal noticiário um âncora capaz de fazer editoriais sobre aquilo que lhe vier a cabeça. Do ponto de vista profissional, onde o telejornalismo vem de um modelo “engessado” e “robótico”, é um alívio. Mas, o jornalismo opinativo precisa ser responsável, antes de qualquer coisa.

De todo esse debate – e, até mesmo a explicação que Rachel se viu obrigada a fazer diante da posição do público e das entidades ligadas ao jornalismo, é importante lembrarmos de uma coisa: temos todo direito de não concordar com a opinião dela. Aliás, a opinião é dela. Não concordar com o que Rachel diz é uma coisa. Querer censurá-la é outra. Abaixo, assista o vídeo em que ela explica a sua opinião sobre o caso do adolescente infrator preso em um poste no Rio de Janeiro:


Eu mesmo não concordo com esse editorial sobre este episódio do adolescente infrator. Acho sim que a Rachel possa ter se excedido ao colocar uma opinião de senso comum sobre “fazer justiça com as próprias mãos”, ainda mais quando estamos falando de um adolescente que comete um ato infracional e, do outro lado, uma população desamparada por segurança e justiça.

Mas, mesmo não concordando, não me vejo no direito de querer que um colega jornalista se cale. Opinião não pode ser vista como crime. É opinião. Cada um tem a sua. E, no caso de uma opinião equivocada, o direito (e a humildade) de se retratar ou reconhecer que o caminho escolhido não foi o melhor.

Nós mudamos de opinião. Temos direito de mudar ou permanecer. Faz parte do processo de aprendizado e de entendimento do mundo. Fora isso, o controle remoto – e no nosso caso da internet o clique, é o melhor filtro que podemos fazer. Não gostou: muda de canal, não acessa.
Foto: SBT / Divulgação.

É muito perigosa a censura. E concordo que também é muito perigoso usar um (espaço) editorial para imprimir uma opinião de senso comum. Mas Rachel é adulta, uma profissional que está fazendo o que faz porque é amparada por uma equipe e por uma direção de jornalismo que permite que ela faça e exiba este tipo de coisa. 

Além disso, há exemplos atuais de jornalistas/âncoras de programas policiais em algumas emissoras de TV e de rádio que usam do senso comum e do juízo de valor todos os dias, de forma a incitar o ódio e o preconceito. Muitos deles, se tornaram famosos por contar dessas opiniões extremistas. Apontar o dedo só para ela é covardia.

Inclusive, creio que pelo fato da Rachel ser nordestina e evangélica, ela sofra um patrulhamento incisivo na internet, pra não dizer violento. Meses atrás, um professor universitário afirmou que ela deveria ser violentada. A própria já disse em entrevistas que é vítima de ameaças por falar o que pensa. E há quem diga que a censura no Brasil acabou....rs

Reafirmo: não concordo com a opinião da Rachel, mas no espaço democrático ela tem o direito de fazê-lo e de nós, como público, debater e/ou não concordar. Liberdade de expressão é também responsabilidade. Responsabilidade de quem produz e de quem consume/assiste. Poucos comunicadores tem coragem de assumir o que pensa, com as dores e amores que isso significa. Todo mundo tem opinião e telhado de vidro.






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Jornalista

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4 comentários

  1. No Brasil a liberdade de expressão é só no papel, enquanto for dito o que a maioria aceita está tudo bem, é só contrariar e está tudo perdido.

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    1. Oi Catarino! Obrigado pelo comentário. Creio que está faltando mais tolerância com o comentário alheio e com opiniões diferentes. Querendo ou não, o que a Rachel disse é uma reprodução do juízo de valor e do senso comum que tanto ouvimos por aí. Particularmente, não concordo. Mas ela tem o direito de se expressar e de se retratar como ocorreu. Um forte abraço.

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  2. Oi, Catarino, sabe eu também sou a favor da liberdade de expressão, acredito que ela é parte de uma sociedade que se quer democrática, divergir faz parte e é muito saudável, todavia há que se considerar as responsabilidades que advém de tanta liberdade. Não posso aprovar que uma jornalista que trabalha em um veículo de comunicação de massa faça um comentário que remete a apologia ao crime e ou vingança "justiça" com as próprias mãos. Vivemos num estado de direito e ainda que as instituições não funcionem a contento elas precisam ser repeitadas. Existe uma polícia, uma justiça, um governo, se não está funcionando usemos dessa mesma democracia que nos confere direitos e deveres para fazer as coisas mudarem, o contrário é anarquia.

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    1. Oi Sil! Obrigado pelo comentário. A questão é justamente essa que você bem pontuou: a responsabilidade do comentário, e não o comentário no jornalismo. Vejo como perigoso um comentário se basear no senso comum e no juízo de valor que, no caso da Rachel, incentivou a violência. Um forte abraço.

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