#CaféLiterário: O terror psicológico do livro “Carrie, a Estranha”
novembro 28, 2013
Bem-vindo ao Café
Literário, a sua dose semanal de literatura! Nesta temporada, a seção está
sob os cuidados do escritor em formação, apaixonado por literatura e autor do
blog Escriba Encapuzado,
Tiago K. Pereira*, novo colunista do blog @cafecnoticias.
Semanalmente, você irá conferir por aqui novidades do mundo literário,
entrevistas, resenhas e, até mesmo, sorteio de livros. Acompanhe:
Saudações, querido leitor. O Café Literário desta
semana traz a resenha de um clássico do terror. Estreia do aclamado escritor
Stephen King, Carrie, a Estranha aborda
as terríveis consequências do bullying
e, assim, permanece atual quase 40 anos após seu lançamento.
Listado como um
dos 100 mais censurados nas escolas norte-americanas entre os anos de 1990 e
2000, o livro ganhou uma nova adaptação para os cinemas que estreia no Brasil no
próximo dia 06 de dezembro.
Mestre do Suspense e do Terror
Fascinado
por quadrinhos de terror e suspense desde a infância, Stephen Edwin King deu
seus primeiros passos como escritor ao vender historietas para os colegas de
escola. Desencorajado por professores, ele nunca abriu mão do desejo de escrever.
Formou-se em Inglês na Universidade do Maine, onde escreveu para o jornal do
campus, e casou-se com a colega de letras Tabitha Spruce.
King superou
muitas provações em sua vida. Antes de se tornar um dos escritores mais prolíficos do
mundo, morou em um trailer, sustentando a família com o salário de professor e com
a venda de contos, a mairoia para revistas masculinas. Escreveu 3 romances, mas
foi apenas com o quarto – justamente Carrie,
a Estranha – que iniciou sua carreira de sucesso.
Em 1980,
livrou-se do alcoolismo que, três anos antes, o inspirara a criar Jack
Torrance, o íconico protagonista de O
Iluminado, seu terceiro livro publicado. Em 1999, com a carreira já
consolidada, foi atropelado por uma perua – o acidente foi reproduzido no
piloto de Kingdom Hospital, série de
TV de sua autoria lançada em 2004. Recuperado, o escritor comprou o veículo e o
destruiu.
King assina mais
de 50 romances – sete sob o pseudônimo “Richard Bachman” –, mais de uma dezena
de coletâneas de contos, obras de não-ficção, roteiros para cinema e TV,
quadrinhos e até uma peça de teatro. Mas sua obra prima, segundo os fãs, é A Torre Negra, série de oito livros com
elementos de ficção científica, fantasia e terror que levou mais de 30 anos
para ser concluída.
Um dos
pioneiros a se arriscar no formato digital, o escritor lançou, em 2000, Andando na Bala, conto vendido exclusivamente
pela Internet – mais tarde, o conto foi publicado na coletânea Tudo é eventual. De tão elogiada, a
iniciativa resultou num segundo projeto – um romance em série intitulado The Plant – que, infelizmente, se mostrou
um fracasso e acabou abandonado.
Hollywood tem
uma queda pelos textos de King; há inúmerosos filmes inspirados em suas obras,
como Carrie, a Estranha (1976), O Iluminado (1980), Conta Comigo (1986), Louca Obsessão (1990), Um Sonho de Liberdade (1994), À Espera de um Milagre (1999), O Nevoeiro (2007), 1408 (2007). Na TV, a adaptação mais recente é Under the Dome, série baseada no livro Sob a Redoma, lançado em 2009.
King não é uma
unanimidade, mesmo entre seus fãs: há quem afirme que o autor tem ótimas
ideias, mas oferece péssimos finais. Não há dúvida, porém, de que ele é um dos
maiores escritores vivos do nosso tempo. Recentemente King lançou Doctor Sleep (inédito no Brasil), a
aguardada continuação de O Iluminado
e já está trabalhando em dois novos livros para 2014. Veja o trailer da nova
adaptação de Carrie, a Estranha, que
estreia no Brasil dia 6 de dezembro:
Resenha: Carrie, a Estranha
Carrie é uma
adolescente tímida que não consegue se relacionar com as pessoas. Filha de uma
religiosa fanática e repressora, ela desconhece os prazeres da juventude e vê o
pecado em cada aspecto de sua vida. Desprezada e ignorada por anos, Carrie carrega
uma amargura e um ódio desmedidos dentro de si. Mas ela também traz o poder de
mover objetos com o pensamento. Quando a sombra que oprime seu coração explodir,
quem poderá escapar à sua fúria?
Carrie, a Estranha nasceu como um
conto. Desafiado a escrever sobre mulheres, King produziu três páginas, mas considerou
a história boba e a jogou fora. Sua esposa recolheu os originais da lixeira e, depois
de lê-los, incentivou-o a continuar. Pouco convencido, mas sem ideias melhores,
ele concluiu tudo em 2 semanas.
Sucesso de
vendas, o livro lançou King ao estrelato. Anos depois o escritor confessou que não
tinha grandes expecativas à época do lançamento: “quem iriar querer ler sobre
uma garotinha com problemas de menstruação?”. Quase 40 anos depois Carrie, a Estranha permanece atual em
sua temática (bullying) e é
considerado um clássico do terror psicológico.
O livro tem uma
estrutura epistolar: a narrativa em 3ª pessoa é entremeada por uma coletânea de
reportagens, excertos de livros, documentos e depoimentos que objetiva dar veracidade
a uma história fictícia. Os detalhes acrescentados desta forma enriquecem a
obra. Por outro lado, o ritmo de leitura é prejudicado e o foco recai sobre os
fatos, não sobre os personagens.
King faz uso de
outro artificio que incomoda: os pensamentos dos personagens são revelados em
vários momentos entre parenteses. Talvez se restrito à mente da protagonista, aludindo de
forma enigmática ao seu dom paranormal, tal recurso tivesse funcionado
melhor.
Hoje o
enredo, infelizmente, é previsível, afinal, o bullying já foi abordado de inúmeras
maneiras em livros e filmes nos últimos 40 anos – e, é claro, a história de
Carrie está entranhada na cultura pop. Ainda assim, a leitura é uma grata
experiência, principalmente por entregar uma conclusão bem mais impactante do que
aquela vista no filme homônimo de 1976.
O destino da
protagonista é assumido desde o início da narrativa: King deixa clara que a
intenção não é contar o quê aconteceu, mas como e por quê. Justamente por isso
há quem questione que o livro falhe como uma obra de suspense ou mesmo de terror
(quão assustador pode ser uma menina mestruada que move coisas com a mente?).
O sobrenatural
está presente na história, é claro, mas não é nele que reside o pavor: este está
na vida repleta de tristeza e ódio da protagonista; no fanatismo religioso; nas
consequencias das atitudes em relação ao próximo. Mas é mesmo a relação entre Carrie
e sua mãe que o caracteriza melhor.
Margaret White é
de longe a personagem mais complexa e enigmática, despertando aversão, piedade
e curiosidade. King também expõe com maestria a ironia que permeia toda a vida
da protagonista: para Carrie, o que é divino é fonte de culpa, frustração,
tristeza, ódio; já o que sua mãe afirmava ser pagão a fascina e apazigua. A
certa altura da narrativa, Carrie passa a questionar-se o que lhe é realmente
sagrado.
Por boa parte
do livro é impossível não se compadecer da jovem. Então King nos conduz ao
ápice da narrativa, quando o frenesi destrutivo de Carrie lança dúvidas na
mente do leitor: suas ações são justificaveis, excedem-se ou apenas revelam a psicopatia
que sempre esteve presente dentro dela?
Ao término da
leitura, o que resta são sentimentos conflituosos, um misto de pena,
indignação, impotência. King entrega uma conclusão lugubre, que provoca reflexões
sobre as consequencias do descaso e da omissão. Carrie, a Estranha não é uma obra-prima, mas é um bom livro, que toca
o leitor e que permanece atual mesmo tantos após seu lançamento.
*Perfil: Tiago K. Pereira é escritor de coração e servidor público por necessidade. Aficionado por letras, livros e curiosidades do mundo nerd, Tiago busca realizar seu sonho de se tornar um escritor profissional. Entre rascunhos de histórias e telas de programação, ele se aproxima do mundo da literatura escrevendo no Escriba Encapuzado e para a seção Café Literário do blog Café com Notícias.
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