Café Folia 2013 – Onde está o Negro no Carnaval baiano?

fevereiro 14, 2013

Foto: Site iBahia / Reprodução.



Se olharmos na História do Brasil, coube aos negros da Bahia e, posteriormente, do Rio de Janeiro de serem os percursores da criação do samba de roda. E isso se deu no período pós-abolição da escravatura e se firmou no início do século XX. Durante muitos anos – e há quem diga que até hoje, o samba era um ritmo musical marginalizado, que só se ouvia nos morros e nos cortiços, de gente menos abastada.

Se pararmos para pensar, é o que acontece, atualmente, com o funk carioca, o rap, o hip hop, etc. Ou seja, a favela sempre foi uma forte produtora cultural, fazendo críticas severas à sociedade ou, simplesmente, brincando com o cotidiano, com as alegrias e dessabores de se viver à margem de uma estrutura social que caminha a passos muito lentos por integração e justiça.

Como qualquer ritmo, o samba sofreu várias influências e ganhou não só filhos, mas como netos e bisnetos. Do samba, ganhamos o maxixe, o samba rock, o samba de gafieira, a bossa nova, o pagode, o axé, o afroxé, e tantos outros que agora não me recordo. A música é mutante, assim como a sociedade. Mas foi no samba que o Carnaval se fortaleceu como festa popular de grande expressão cultural e econômica no nosso país.
A cantora Ivete Sangalo em cima do trio elétrico no carnaval
deste ano. Foto: Antônio Reis / Portal Terra / Reprodução.

E foi neste #Carnaval2013 que os jornais Folha de S. Paulo e A Tarde trouxeram um importante debate a ser colocado em discussão: onde está o Negro no Carnaval baiano? Em entrevista ao jornal paulistano, o Mestre em direito público pela Universidade de Brasília (UnB) e presidente do Olodum, João Jorge Rodrigues, 57 anos, condenou a postura do carnaval baiano de dar mais destaque às atrações internacionais – como o cantor coreano Psy, do que aos artistas locais. João Jorge também constatou algo que nunca tinha ganhado holofote na imprensa: se o axé é um ritmo negro, porque as principais cantoras baianas são brancas?

Incoerência? Racismo disfarçado? Questão de oportunidade e talento de cada artista e não necessariamente da cor? Numa terra em que a maioria da população é Negra, é de se estranhar que as suas principais cantoras – do ponto de vista de visibilidade e retorno comercial, sejam brancas, como no caso de Daniela Mercury, Ivete Sangalo e Claudia Leite. E as artistas negras, aonde estão? De momento, só me lembro de Margareth Menezes. E as outras?

A entrevista do presidente do Olodum teve grande repercussão durante o Carnaval, apesar das cantoras em questão terem se negado a comentar o assunto em público. Coube ao cantor e ex-ministro da Cultura Gilberto Gil tentar apaziguar os ânimos, na própria Folha de S. Paulo. "Não é a Ivete. Ela, de certa forma, se subalterna [a isso] como eu, como outros [a demanda econômica e cultural por uma cantora neste padrão]. (...) Acho que deviam passar dois blocos afros, mas depois um bloco de trio [de artistas comerciais]. Não acho que deva ser um espaço reservado, porque os outros circuitos não são", declarou.
O cineasta norte-americano Spike Lee visita Salvador, na Bahia, para gravar
um documentário sobre o Brasil. Foto: Alô, Alô Bahia / Reprodução.

Do ponto de vista político, o cineasta norte-americano Spike Lee – que está em visita ao Brasil para gravar um documentário, também fez o mesmo questionamento, em matéria do Jornal A Tarde, ao vereador soteropolitano Sílvio Humberto (PSB), que cumpre o primeiro mandato na Câmara e é militante do movimento negro. "[O Spike Lee me perguntou] Por que Salvador, cidade de população predominantemente negra, nunca teve um prefeito, governador ou senadores negros? (...) Ele achou absurdo o fato da diversidade racial do Brasil não se refletir também nas estruturas de poder. Isso mostra um racismo estrutural na sociedade brasileira", contou o vereador.

Mais do que uma questão social, o fato de Salvador – que é uma cidade de grande parte da população Negra, se ver pouco representada na cultura e na política local, mostra que ainda há uma grande lacuna a ser preenchida em busca da igualdade social e étnica. Se o samba no Rio de Janeiro conseguiu se fortalecer como expressão cultural e econômica, cujo espetáculo chama a atenção de todo mundo e mostra o envolvimento de vários setores, porque na Bahia os artistas locais e os grupos afros são marginalizados do circuito comercial de Trios Elétricos do Carnaval de Salvador? Tem algo que não bate. É hora de rever esta conta.



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Jornalista

MAIS CAFÉ, POR FAVOR!

2 comentários

  1. Wander, uma propaganda do bloco Nana - do Chiclete com Banana - exibida na TV após o carnaval é bastante sintomática. Uma peça publicitária com imagens do camarote e do bloco da banda de Bell Marques mostra apenas pessoas brancas, aquelas chamadas "gente bonita". Vi a propaganda umas três vezes e tentei encontrar alguma pessoa de cor negra naquelas imagens. Bem rapidamente vi apenas uma.

    O João Jorge está certo. Os blocos afro no carnaval baiano geralmente são "espremidos" para o fim da fila, na madrugada, quando não há tanta visibilidade para as TVs. Na verdade o carnaval de Salvador é um grande negócio dominado por essa "turminha da axé music" que não larga o osso de jeito de nenhum. A festa ficou muito restrita aos turistas e a quem pode pagar por um abadá ou camarote - em blocos mais famosos, como o do Chiclete com Banana, o abadá para um único dia de festa custou R$ 840,00.

    Mas a grande discussão aqui é sobre o Afródromo, idealizado por Carlinhos Brown. No carnaval de 2014 teremos mudanças no carnaval, pelo jeito. E sempre com polêmicas: o Afródromo que Carlinhos Brown planeja seria uma área onde os blocos afro desfilariam - um outro "circuito", digamos; no entanto há quem diga que isso vai segregar mais ainda estes blocos e que uma boa solução seria intercalar os blocos afro com os chamados "blocos principais" nos circuitos com maior visibilidade - ou, no caso, NO circuito Barra/Ondina.

    A discussão aqui tá pegando fogo...rsrs Dá uma olhada no estão dizendo e em alguns comentários:

    http://www.ibahia.com/detalhe/noticia/em-coletiva-prefeito-fala-sobre-afrodromo-e-mudancas-no-circuito-osmar/?cHash=ae2304cbe0422b95ef9b038013b9f25a

    Abraço!

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  2. Boa pergunta caro jornalista. Eu não me atreveria a dar uma resposta. Mas, não vou deixar de dar o meu pitaco, cheios de talvez e, com certeza, mais longo do que deveria ser.. Fico com o vereador soteropolitano que você cita no seu texto, que diz que o racismo é estrutural na sociedade brasileira, o que é terrível de se imaginar em uma sociedade tão miscigenada quanto a nossa. Mais ainda, fico também com o Gil, na Folha. O Carnaval já não nos pertence. Pertence ao poderio econômico internacionalizado. A nós nos resta aplaudir e ver o bloco passar (e neste "nós" incluo também os brancos que não estão no camarote Vip, junto com a Megan Fox). Hoje, o máximo que se pode fazer no Carnaval institucionalizado é comprar um abadá ou uma fantasia ou ficar na pipoca ou na arquibancada, uma vez que a manifestação carnavalesca, como a democracia, nestas circunstâncias, já não emana do povo. Veja a Vila Isabel, sob o patrocínio da Basf. Assim, talvez essa distinção de biotipos não atinja somente os negros, mais puros na cor. Talvez haja um padrão de beleza, imposto por uma indústria que não conseguimos assimilar em toda a sua dimensão. Creio que este padrão internacional influencia toda a produção cultural, no mundo inteiro. Observe que os negros que mereceram maior destaque na mídia durante o Carnaval vieram de fora do país. Spike Lee e Will Smith talvez tenham aparecido mais que o Neguinho da Beija Flor e o Martinho da Vila só deu as caras, mesmo, no Sem Censura (não posso falar muito sobre isso, porque quase não vi TV no Carnaval). O brasileiro adora estender tapete vermelho pra gringo. Não seria isso um sinal de que o estar subalterno, como disse o camarada do Olodum, é uma característica brasileira que diz "tudo o que é da gringa é bom"?

    E o padrão de beleza ditado é o padrão internacional.

    Enquanto isso a indústria, como sempre, faz o seu papel. Desculpe-me a má palavra, mas não acho outra: a indústria está cagando pra tradições culturais ou origens de um povo. Quer é vender maciçamente e isso só se consegue com a padronização (como McDonalds). É Psy que está bombando? Ponha Psy no trio elétrico.

    Enfim, me desculpe se me alonguei demais.

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