#Reportagem: Círio de Nazaré mostra a força democrática da maior festa religiosa do Brasil

outubro 21, 2024



Por Luh Pantoja*


O Círio de Nazaré, que está em sua 232ª edição, é sem dúvida alguma, o maior evento religioso do Brasil e uma das maiores celebrações de fé do mundo. Iniciado no século XVIII, com a descoberta da imagem de Nossa Senhora de Nazaré pelo caboclo Plácido José de Souza, em 1700, o Círio evoluiu de uma manifestação local para um espetáculo de devoção popular que une milhões de pessoas, transformando Belém do Pará em um verdadeiro palco de fé e emoção.

O crescimento do evento é notável! Em 2024, o Círio recebeu cerca de 2 milhões de pessoas de diversas partes do Brasil e do mundo, consolidando-se como o maior evento religioso do país, segundo dados do Governo do Pará. 

Mas o que o torna tão especial é a sua capacidade de unir a população em torno de uma devoção profunda e de expressões múltiplas de fé. O percurso da imagem de Nossa Senhora de Nazaré - que sai da Catedral Metropolitana de Belém e percorre 3,6 km até a Basílica Santuário - é carregado de muito simbolismo e fervor.

O evento é composto por 14 romarias oficiais, que refletem a diversidade e o alcance dessa manifestação religiosa. Entre as mais emblemáticas estão o Círio Fluvial, onde a imagem de Nossa Senhora de Nazaré percorre as águas da Baía do Guajará em uma procissão que esse ano contou com cerca de 400 embarcações; a Moto Romaria, que leva milhares de motociclistas pelas ruas da cidade; e a Trasladação, uma romaria noturna de grande importância, antecedendo a grande procissão - o Círio - do domingo. 

São essas manifestações que tornam o evento uma celebração viva, dinâmica, e que reflete a pluralidade da devoção popular: o Traslado dos Carros, a Romaria da Polícia Militar, o Traslado para Ananindeua e Marituba, a Romaria Rodoviária, a Moto Romaria, a Ciclo Romaria, a Romaria da Juventude, a Romaria das Crianças, a Romaria dos Corredores, a Romaria da Acessibilidade, a Procissão da Festa, a Romaria Fluvial, a Trasladação, e o próprio Círio de Nossa Senhora de Nazaré.

A procissão principal, que conduz a imagem da santa do centro histórico de Belém até a Basílica Santuário, percorre seu trajeto com a padroeira sendo acompanhada todo o caminho por milhares de romeiros, muitos descalços ou carregando símbolos que representam o pagamento de uma promessa ou agradecimento, como partes do corpo humano ou animais de estimação moldados em gesso, réplicas de casa, livros ou outros itens que denotem a graça alcançada.

Devoção é plural e inclusiva 

Em meio à toda a grandiosidade do Círio, outros eventos paralelos ajudam a celebrar essa atmosfera única que toma conta de Belém. A Festa da Chiquita, que acontece após a Trasladação, e foi idealizada pelo cantor Elói Iglesias, está em sua 47ª edição e é um espaço de inclusão e diversidade, celebrando a diversidade da cultura paraense

Este ano, a festa comemorou 20 anos de reconhecimento como patrimônio imaterial cultural do país e contou com a participação de artistas como Gaby Amarantos, Aíla, Leona Vingativa e Fafá de Belém. 

Segundo Iglesias, em entrevista ao DOL - Diário Online, “A festa é uma caixinha de surpresas até para nós, porque chegam pessoas de forma inesperada para celebrar este momento com a gente, e isso acontece conforme o movimento de pessoas na cidade."

Força e sacrifício

Os romeiros são o coração pulsante dessa demonstração de fé. Muitos pagam promessas em condições de sacrifício extremo, como caminhar descalços ou de joelhos pelas ruas quentes de Belém, movidos por uma fé inexplicável e poderosa. A cada passo, há uma história de superação, gratidão e entrega, criando uma atmosfera de emoção palpável. 

Um dos exemplos da força da fé que o Círio inspira é o de Célia Leitão, dona de casa, uma romeira de Santa Maria do Pará, interior do estado, que caminhou por dois dias e meio para Belém, a pé, em busca de um milagre para sua mãe de 78 anos, que luta contra um câncer no palato. “Eu busco essa fé em Nossa Senhora por ela, entregando meu sacrifício e minhas dores”, afirma Célia, enquanto descansa no chão, diante da Basílica, em um gesto de devoção.

Durante todo o percurso, são centenas de histórias como essa, de sacrifício e esperança. As cenas das chegadas dos romeiros na cidade são marcadas pela generosidade dos voluntários que distribuem água, também ao longo de todas as romarias, um gesto simples, mas poderoso, de solidariedade, e que se tornam um suporte fundamental para os que seguem em suas longas jornadas de fé.

Outro ponto de destaque que o Círio abarca para si é o encontro das religiões, pois não é incomum encontrar pelas ruas de Belém pessoas evangélicas ou de outras religiões distribuindo água, oferecendo massagens nos pés, frutas, e até mesmo pouso com camas e ar condicionado aos romeiros. “O nosso caminhar, às vezes, converge com alguém, fazendo com que esse alguém sinta o desejo de viver esse amor de Nossa Senhora”, destaca Célia.

Fé: um poder inexplicável

O Círio, devido sua magnitude, se torna impossível de acompanhar todas as programações que espalham vida pela cidade. Desde a terça-feira que antecede o evento, Belém se transforma. As casas são enfeitadas, as ruas se preparam, e o espírito da fé paira no ar. 

Como dizem em Belém, “O Círio é o Natal do paraense”, e essa atmosfera mágica se espalha automaticamente por todos que ali estão. Estar em Belém durante o Círio é presenciar o inexplicável. As pessoas parecem entrar em um estado de transe, movidas por uma força maior que as impulsiona a superar o cansaço e as limitações físicas. 

É praticamente impossível não ser tomado pela fé como uma onda invisível que transforma a cidade e seus habitantes. Nas ruas, o silêncio reverente contrasta com a energia vibrante dos romeiros, que cumprem suas promessas com uma devoção inabalável. 

O Círio é mais do que uma festa religiosa - é um momento de renovação, de reencontro com a fé e, acima de tudo, de renovar a esperança.


-> Gostaria de deixar registrado minha enorme gratidão ao paraense, Thiago Almeida, que se dedicou ao máximo no apoio logístico, de transporte e contextualização social sobre o Círio. Esse apoio generoso foi fundamental para a elaboração dessa cobertura.




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*Perfil:
 Luh Pantoja é jornalista cultural atuante na cena musical e cultural desde 2012, permeia a carreira também pela fotografia, audiovisual e produções culturais em Minas Gerais.





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