#Resistência: Quilombos urbanos em BH usam as mídias digitais à serviço das suas tradições culturais

dezembro 19, 2022


Quilombo é o nome dado aos espaços e as comunidades criadas por populações que se formaram a partir de situações de resistência territorial, social e cultural no Brasil. 

Neste sentido, duas comunidades quilombolas, Souza e Manzo N’gunzo Kaiango, ambas localizadas na região metropolitana de Belo Horizonte (MG), têm usado cada vez mais as plataformas digitais à serviço as tradições culturais e da educação

Canais para expor posicionamentos, transmitir o saber da comunidade, além de dar voz e revelar a autenticidade de cada território. No Kilombo Manzo, a utilização das mídias digitais se intensificou durante a pandemia da COVID-19

Com as escolas e creches fechadas, os celulares começaram a ser utilizados com bastante frequência entre os jovens. Nesta mesma época surgiu a ideia de fazer um podcast com a produção de conteúdo voltada para o próprio quilombo. Tudo foi feito de forma intuitiva. 

Após gravarem alguns episódios, sentiram a necessidade de produzir vídeos. E, assim, outro projeto surgiu, o EduKa Kilombo, com as produções postadas no youtube e voltadas para a educação das crianças a partir do conhecimento ancestral que vem sendo repassado de modo oral, desde o primeiro preto escravizado que chegou ao Brasil.

Exemplo na pandemia

As redes sociais também foram utilizadas pelo Manzo como forma de difundir métodos de prevenção da COVID-19, principalmente para as pessoas que vivem coletivamente. 

A mestre dos saberes tradicionais, Makota Cássia Kidoialê conta que o quilombo percebeu, durante a pandemia, que a grande mídia dialogava com outro público. “A gente sentia muito essa ausência de um diálogo mais próximo, que direcionasse para o nosso modo de vida. De uma vida coletiva”.

Makota destaca o fato da imprensa só lembrar dos territórios e dos povos tradicionais em datas específicas. “Durante a pandemia a gente ouvia falar dos quilombos, mas sempre no lugar da questão da ausência do estado", diz ela. "Mas como esses quilombos estavam se organizando durante essa ausência do estado, não foi falado na mídia para que outros quilombos também pudessem se organizar a partir do que estava dando certo”.

No Manzo, ninguém contraiu a COVID-19. E o grupo considerou que hábitos corriqueiros, como chegar nos territórios e trocar a vestimenta, passar pelos banhos, fizeram a diferença. "A gente achou que era importante criar alguns materiais, alguma comunicação, lives e podcasts, que falassem um pouco de como se preservar do vírus para pessoas que viviam de forma como a nossa, muito juntas, unidas”, explica Makota.

Papo de Kilombo

No Kilombo Souza, o ambiente digital, além de permitir o fortalecimento da identidade quilombola, foi essencial para evitar que as famílias perdessem suas casas. “Pelas redes sociais, conseguimos apoio para continuar em nosso território do risco de despejo que tivemos, além de divulgar nossas atividades, festas e também alcançar muita gente”, observa Gláucia Cristine, moradora da comunidade.

Veja também:

A história do quilombo, bem como seu cotidiano, as dificuldades e as tradições são contadas no podcast Papo de Kilombo, que traz entrevistas com as matriarcas e com moradores dos territórios. 

O podcast é produzido pelos mais jovens e surgiu como uma ação dentro do projeto Caminho das Matriarcas, onde os participantes fizeram um curso para se qualificarem.

Visibilidade digital 

As plataformas digitais do Manzo querem ser canais que dialogam e buscam suprir essa falta de visibilidade sobre os territórios e o modo de ser dos quilombolas. 

“A proposta é a gente levar com mais autonomia e com mais autenticidade o nosso modo de organização. Porque o que a gente percebe é que muitas pessoas pouco sabem sobre as comunidades quilombolas e a especificidade de cada uma. Então, a rede virtual nos permite isso”, destaca Makota.

Ela complementa. “A gente gosta muito de se expressar, porque é um espaço também que tem uma política própria e a gente gosta de apresentar isso para a sociedade compreender um pouco mais o que é o território tradicional e o que é um povo de matriz africana.”

Há nas postagens das redes sociais sempre uma preocupação de apresentar da melhor maneira a identidade do território. “A gente entende as pautas e os assuntos sempre passam pela matriarca. Dentro disso, vamos formulando o texto e fazendo as coisas de acordo com aquilo que a gente acredita que seja a identidade da casa", explica um dos administradores das redes sociais do Manzo, Ícaro Gabriel.

A apropriação da cultura digital pela comunidade quilombola vem alterando de forma significativa o seu protagonismo dentro das macros relações de poder da sociedade como um todo, na visão do sociólogo Ricardo Falcão. “As redes sociais diminuíram ‘as invisibilidades’ das comunidades quilombolas e seus membros, como também permitiu o fortalecimento e a ampliação de suas práticas políticas”, analisa Falcão.


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Observação: Texto produzido pela jornalista Carol Diamante para o site iJNET.





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