#ConsciênciaNegra: Em entrevista, Jeferson Tenório, vencedor do Prêmio Jabuti, fala sobre racismo no Brasil

novembro 22, 2022


Quase todos os dias, os noticiários dão conta de casos de racismo nos quatro cantos do País. Isso não quer dizer que as práticas antirracistas não estejam surtindo efeito. "O Brasil sempre foi racista e sempre teve muita violência, talvez até mais do que hoje. O que está acontecendo é que está sendo filmado, denunciado. Então a gente tem essa sensação de que aumentou", explica o escritor e professor Jeferson Tenório, autor do livro "O Avesso da Pele", vencedor do Prêmio Jabuti em 2021. Para comprá-lo, clique aqui.

O livro conta a história de Pedro, um jovem negro que depois de ter o pai, um professor de literatura, assassinado em uma abordagem policial, refaz os caminhos paternos para resgatar o passado da família. É um texto angustiante e forte, mas extremamente necessário para um país em que estas situações, infelizmente, ainda ocorrem. “É um livro que vai traçando essa radiografia, digamos assim, das questões raciais, educacionais e afetivas da população negra”, define Jeferson. 

Em entrevista à Miriam Gimenes, para o site da @AgendaBonifácio – uma plataforma online de programação cultural e conteúdos inéditos ligados ao Bicentenário da Independência do Brasil, criada em maio de 2022 pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo e gerida pela Organização Social Amigos da Arte; Jeferson Tenório fala sobre racismo estrutural, Lei de Cotas e o momento atual da literatura negra no mercado editorial. Confira a seguir uma parte desta entrevista:

1) São dez anos da Lei de Cotas no país e vi uma postagem sua dizendo que conseguiu se formar por causa dessa iniciativa. Qual a importância deste tipo de política pública?

A Lei de Cotas começou a ser implementada no Brasil no início do ano 2000, acho que na Universidade da Bahia, que foi a primeira. Depois ela foi ganhando outras universidades e, em 2008, veio para Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Eu já era aluno, mas de outro curso, de bacharelado. Precisava fazer o vestibular novamente e foi então que em meados de 2007 começou uma movimentação muito grande para que as cotas fossem oficializadas e então em 2008 fiz o vestibular novamente, já pelo sistema de cotas. E em 2010 acabei me formando. 

Foram dez anos de graduação pela dificuldade que eu tinha de permanecer na universidade e esse momento de 2008 era importantíssimo porque ou pararia de estudar, porque tinha de trabalhar, ou mudava de curso. Essa entrada no curso de Licenciatura de Letras foi imprescindível para que me tornasse professor, depois escritor. Na minha vida fez uma diferença enorme e o impacto político de me assumir como cotista e dizer o quanto isso foi importante para mim.

2) Houve críticas a essa lei. Queria que me explicasse qual a importância que ela tem para população negra?

A gente tem de ver o sistema de cotas como um direito, uma reparação histórica. Sabemos que a escravidão no Brasil durou séculos, e que a população negra, essa pós-abolição, não teve nenhum tipo de ajuda, subsídio ou amparo pelo estado. A população negra demorou muito tempo para conseguir ter uma educação formal. Os negros não frequentavam escolas até a década de 1940, então o estado tem uma dívida muito grande com a população negra. 

Recentemente estive numa universidade nos Estados Unidos, na cidade de Nashville (Tennessee), e lá visitei uma universidade criada em 1873, para negros, onze anos depois do fim da escravidão aqui nos Estados Unidos (Tenório é professor-visitante da Brown University e está morando na cidade de Providence, no estado de Rhode Island). Isso já mostra uma diferença nesta preocupação de você já tentar reparar de algum modo, seja pela educação ou políticas públicas. 

É preciso compreender que o sistema de cotas é um direito que a população tem e precisa ser ampliada. Temos dez anos de cotas, muito pouco tempo, e na lei sugere que haja uma avaliação, depois de dez anos, mas não no sentido de terminar – por mais que haja discursos a favor disso. O que a gente tem de fazer é ajustar, tentar deixar mais próximo das pessoas que de fato necessitam e ampliar este programa para que mais pessoas negras e de comunidades periféricas entrem na universidade. 

3) O seu livro, "O Avesso da Pele", te rendeu o Prêmio Jabuti. Para quem não leu, qual a principal mensagem do livro que o personagem traz algo de você?

O livro narra a história do Henrique, um professor de literatura negro de escolas públicas no Sul do país, e após uma abordagem policial ele acaba morrendo, é assassinado pela polícia. Uma realidade que, infelizmente, ainda faz parte do nosso cotidiano. E quem vai narrar a história é o filho dele, Pedro, um rapaz de 22 anos, estudante de arquitetura. 

Ele conta a história deste pai desde a infância até a vida adulta, falando sobre as relações afetivas dele, de como se tornou professor, e as situações de racismo que esse pai vai passando. É um livro que vai traçando essa radiografia, digamos assim, das questões raciais, educacionais e afetivas da população negra.

4) E o personagem traz sua vivência, tem algo de você?

Sempre traz. Não tem como escrever longe da nossa vivência seja qual for o livro. De fantasia, de realismo, sempre vai trazer algo do autor. Algumas coisas mais evidentes, outras nem tanto, então tem muito da minha experiência neste personagem. Sou professor também, trabalhei em escolas públicas no Rio Grande do Sul. 

Sofri muitas abordagens policiais também, mas há outras coisas muito diferentes de mim, até o modo que construí o personagem. Tem muita coisa da minha vivência, mas transformada em literatura, ficção. É engraçado que às vezes recebo pêsames da morte do meu pai, só que ele está vivo, é uma pessoa branca e não tem nada a ver com o Henrique, o personagem. Tem alguns empréstimos biográficos, mas é ficção mesmo. 

5) Você acha que as redes sociais facilitam esse discurso de ódio, preconceituoso e racista?

É igual a tudo na vida. A gente pode usar o celular para coisas ruins ou boas. Me lembro de alguns anos atrás, meados dos anos 2000, quando os celulares começaram a ficar mais populares, a briga que nós, professores, tínhamos em sala de aula contra o aparelho. Tinha gente que queria banir. E, no fim, percebemos que era uma luta sem sentido e que era preciso levá-lo para dentro da sala de aula. 

A gente percebeu que a questão não era o aparelho, o veículo, mas uma questão ética em relação ao uso do aparelho. A gente deve investir muito mais numa questão ética, de alteridade, de discussão no sentido de ir contra ao discurso de ódio, porque as redes sociais não vão deixar de existir. Acho que temos de investir justamente nesse comportamento ético e entender que a dor do outro não pode ser indiferente a gente e que o discurso de ódio também se volta contra nós. É ilusão achar que se fizer esse tipo de discurso não vai acontecer nada com você. Essas coisas sempre acabam voltando. 


» Para ler a entrevista completa, clique aqui.




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