#ReportagemEspecial: Idosos voltam às salas de aula e marcam presença no Ensino Superior

julho 05, 2019

Maior parte dos idosos matriculados no ensino superior está em faculdades privadas, segundo o INEPCrédito: iStock / Reprodução. 

Por Sílvia Amâncio e Wander Veroni 


Curtir a aposentadoria? Diminuir o ritmo? Nada disso. Uma parcela significativa de pessoas acima dos 60 anos resolveu voltar à sala de aula para a tão sonhada conclusão do ensino superior. Muitas delas, pela primeira vez, encaram o desafio dos estudos e, com isso, passam a dividir o tempo entre a família, o lazer, alguma atividade profissional para complementação de renda e o compromisso de adquirir novos conhecimentos ao lado de colegas bem mais jovens.

De acordo com dados de 2017 da Sinopse Estatística da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), o Brasil possui 27.255 idosos matriculados em cursos de graduação presenciais e/ou a distância, com idade superior ou igual a 60 anos. Destes 5.487 (20,13%) são de instituições públicas, enquanto 21.768 (79,87%) são alunos oriundos da educação privada, dados importantes para o mercado de educação superior privado.  

Apesar do INEP não fornecer estes dados com recorte de gênero e raça, o doutor em Demografia e especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), Rodrigo Caetano Arantes, aponta que a as universidade têm que estar preparadas para receber esse contingente de idosos, pois eles necessitam de pedagogias diferenciadas, devido a algumas condições de saúde acompanham o envelhecimento, como a dificuldade visual, auditiva, questões de acessibilidade, dentre outras. 

"As universidades têm que direcionar metodologias de ensino próprias para os idosos, como por exemplo, letras maiores em apresentações visuais em sala de aula e ter em mente que pode haver uma necessidade de se repetir mais de uma vez determinado conteúdo para a aprendizagem", ressalta Rodrigo.

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Com a população idosa cada vez mais ativa, é natural que isso se reflita também no ensino superior, como explica o professor Marco Lobo, coordenador do Programa da Maturidade do Centro Universitário Estácio de Sá em Belo Horizonte. 

"É de grande importância a abertura de espaço nas instituições de ensino para pessoas da terceira idade com o intuito de resgatar, além do aprendizado, as relações interpessoais. Hoje no Brasil as pessoas estão envelhecendo com melhor qualidade de vida e esses programas são muito bem-vindos", comenta Marco Lobo.

Essa nova realidade reflete diretamente nos bancos das instituições de ensino superior, como é o caso da aposentada Ceci Soares dos Santos, de 64 anos, mãe de três filhos. Quando era mais nova não teve tempo de estudar na juventude e só depois dos 50 anos concluiu seus estudos por meio do supletivo. Agora, ela encara o desafio dos bancos universitários e está cursando o quinto período do curso de Direito da Faculdade Batista. 

“Quando eu trabalhava como cuidadora de idosos, a senhora que eu assistia me disse que eu era inteligente e que deveria entrar para a faculdade. Passei no vestibular para o curso de Ciências Contábeis, sempre fui muito boa em matemática, mas péssima em história e geografia. A turma não fechou e fui convidada para migrar para o curso de Direito”, diz. 

Ceci lembra que a primeira vez que entrou na sala de aula se sentiu perdida, mas teve muita sorte de fazer parte de uma turma amistosa. “Me esforço ao máximo, sabe. Faço o que consigo e não tenho cerimônia em pedir ajuda para meus colegas. Fiz esse compromisso comigo de ir até o final e quero ser vista como um incentivo para os outros, pois nunca é tarde para estudar e ir além [do ensino médio]. Depois da faculdade, acredito que socializo mais, ouço e observo muito mais”, admite. Sobre o futuro após a formatura, ela diz que não quer defender ninguém, mas se especializar em sociologia e psicologia.“Quero continuar a ser útil”, anima-se.

O senhor José de Assis Coelho, de 63 anos, é uma prova de que não existe empecilho de idade quando se quer estudar. Ele, que trabalha como auxiliar administrativo, está cursando Serviço Social, no Centro Universitário UNA, em Belo Horizonte (MG). Após todos os seus filhos se formarem ele pensou: “agora é minha vez”

José explica que por ter sido comerciante durante 30 anos em um bairro periférico de Betim – cidade localizada na Região Metropolitana de Belo Horizonte, ele se sentiu motivado a entrar em um curso em que pudesse fazer a diferença na comunidade onde vive.
No centro, Seu José de Assis Coelho, de 63 anos, junto com as colegas da faculdade de Serviço Social na UNA. Crédito: Arquivo Pessoal. 

"Sempre observei que as pessoas mais vulneráveis, mais necessitadas e quanto mais desestruturadas, menos atenção recebia do poder público. Isso sempre me inquietou. Sei que para fazer caridade não preciso ser graduado, mas para ajudar as pessoas a garantir seus direitos enquanto cidadãos, eu preciso de conhecimento e é isto que me levou a escolher o curso de serviço social", revela.

José conta ainda que a diferença de idade com os colegas em sala de aula não é um empecilho, pelo contrário: ele sente acolhido e feliz por conseguir trocar conhecimento com os outros alunos e professores.

"O ambiente acadêmico é maravilhoso, pois eu tiro proveito da juventude dos colegas e, junto com a minha experiência de vida, construímos um bom ambiente, onde todos saímos ganhando. Claro, as pressões do mundo acadêmico são desafiadoras, porém muito gratificante. Embora tenha passado dos 60, tenho conseguido ter um bom desempenho junto com outros colegas. Então, posso dizer que a minha idade não interfere no meu aprendizado", comemora.

Incentivo 

Seja em instituições públicas ou privadas, quem planeja cursar o ensino superior pode contar com projetos de inserção da terceira idade na faculdade, como na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) que oferece bolsa de ensino de 50% para pessoas que sejam aprovadas em processos seletivos da Universidade (Vestibular por provas ou pela nota do Enem, transferência externa ou obtenção de novo título). Dados fornecidos pela PUC Minas mostram o aumento dos alunos com mais de 60 anos no quadro discente da instituição de ensino: 
Credito: Quadro fornecido pela Assessoria de Comunicação da PUC Minas. / Reprodução.

Já dados fornecidos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em junho de 2019, mostra que a instituição conta com mais homens brancos acima de 60 anos em seus cursos de graduação e mais mulheres brancas acima de 60 anos em cursos de especialização. Veja o quadro: 
Crédito: Quadro fornecido pela Assessoria de Comunicação da UFMG. / Reprodução.

Inclusão

Para aqueles que não querem se aventurar direto em um curso com mais de dois anos de duração, as faculdades (públicas e privadas) oferecem projetos de inclusão voltados para a população idosa

Na UFMG, desde 1993, o projeto Universidade Aberta para Terceira Idade - Projeto Maioridade, possibilita o acesso dos em cursos como caminho para um envelhecimento saudável e com qualidade de vida, além de estimular novas formas de inserção social e o aprendizado de conhecimentos fundamentais relacionados ao bem-estar físico e psicoemocional.

De acordo com a página na internet do projeto que é coordenado pela terapeuta ocupacional e professora Marcella Guimarães Assis, "a universidade brasileira tem um papel fundamental no acelerado processo de envelhecimento populacional no Brasil, no sentido de preparar os indivíduos que estão envelhecendo para viverem com autonomia, independência e qualidade".

Já a Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) possui dois projetos de extensão permanente voltados especificamente aos idosos. Em Belo Horizonte, o Centro de Desenvolvimento de Recursos Humanos para a Educação (Cendrhe), desenvolve o projeto Pleno Viver, que oferta cursos livres em diversas áreas, da informática à dança. 

No âmbito do ensino superior privado, o Programa da Maturidade do Centro Universitário Estácio de Belo Horizonte também é conhecido por ser referência em todo Brasil e conta com professores altamente capacitados para atender a população idosa. 

Criado há 15 anos, o programa é oferecido para pessoas a partir de 50 anos de idade e possui 200 alunos matriculados em diversas disciplinas, entre elas  Psicologia, Oficina da Memória, Comunicação não violenta, Coral, Danças, Pintura, Fotografia, Informática, Espanhol, Inglês, Pilates, Culinária. Além dos 200 alunos da Projeto Maturidade, são mais 55 alunos matriculados na Estácio BH com mais de 60 anos.

Segundo os responsáveis pelo Programa, o aluno opta por seis disciplinas por semestre oferecidas nas segundas, quartas e sextas-feira no horário de 14h às 17h40. Além disso, o programa também oferece atividades extraclasse como festas e viagens, com o intuito de ampliar os estudos e os relacionamentos interpessoais.
Estima-se que nos próximos anos o número de idosos no Brasil será maior do que o de jovens. Será que isso vai se refletir nas salas de aula das faculdades? Crédito: iStock / Reprodução. 
Ainda na PUC Minas, o projeto Conviver para Re-viver: integrando conhecimentos na melhor idade, que planeja ações de promoção da saúde, prevenção de agravos e atenção à saúde da pessoa idosa no curso de Fisioterapia e o PUC Mais Idade: educação permanente para a pessoa idosa, do curso de Serviços Sociais, que utiliza a pesquisa, o ensino e a extensão, para estimular o desenvolvimento de uma velhice com qualidade de vida, na contribuição da diminuição do isolamento social, da otimização de relacionamentos interpessoais e abertura a novas aprendizagens.

Envelhecer

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) idoso é a pessoa acima de 60 anos. Em 2017, o censo do IBGE apontou que o Brasil possuía cerca de 28 milhões de idosos: ou seja, 13,5% do total da população. Em dez anos, chegará a 38,5 milhões (17,4% do total de habitantes). 

Ainda, a projeção do IBGE é que a população brasileira atinja 232,5 milhões de habitantes em 2042, sendo 57 milhões de idosos (24,5%). Ou seja, deixamos de ser um país jovem para ser um país que, em breve, terá uma população maior de idosos, o que irá impactar a nossa sociedade, não só no mercado de trabalho, mas sobretudo no ensino superior.

E com a população envelhecendo de forma cada vez mais ativa, o Brasil passa a ter que se reorganizar para propor políticas de inclusão que consigam absorver esses idosos, é o que pondera o Rodrigo Caetano Arantes. "Enquanto países mais desenvolvidos socioeconomicamente falando (França, Suécia, dentre outros) levaram 100 anos para que suas populações atingissem um quantitativo de 7 a 14% de idosos, no Brasil esse processo ocorreu em apenas 30 anos, segundo informações das Nações Unidas", explica. 

Ainda, segundo Rodrigo, "não houve tempo suficiente para o Brasil se preparar nas políticas públicas para uma população mais envelhecida. Ou seja, estamos envelhecendo em contextos de pobreza. Assim, urge que os legisladores de políticas públicas tenham um olhar para essa questão demográfica, do maior número de idosos na população".

O demógrafo destaca mais um importante ponto do envelhecimento da população: a feminização da velhice, pelo fato de mulheres viverem, em média, sete anos a mais que homens, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)Clique aqui para jogar um QUIZ e aprender mais sobre esse conceito.




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