#ReportagemEspecial: Indenização às pessoas com hanseníase ainda falha ao promover inclusão social

maio 31, 2019

Manchas claras que inibem a sensibilidade da pele é um dos sintomas da Hanseníase. Crédito: Organização Mundial de Saúde (OMS) / Reprodução. 

Por Sílvia Amâncio e Wander Veroni 


Uma mistura de preconceito e ignorância. Este foi o cenário propício para que a hanseníase se transformasse em um problema não só de saúde pública no Brasil, como também social, intimamente ligado aos direitos humanos. Se a doença que é conhecida por suas chagas que deformam a parte física e motora, as suas marcas conseguiram ser ainda mais profundas em quem teve a vida impactada de alguma forma por leprosários ou colônias.

Se pararmos para pensar, até antes de 1986 havia uma lei federal que forçava o isolamento dos hansenianos em leprosários. E isso acabou desfazendo laços afetivos e familiares, além de contribuir para que o preconceito com as pessoas que possuíam a doença aumentasse cada vez mais.

Em Minas Gerais, a Colônia Santa Isabel, localizada na cidade Betim, foi um desses mais de 40 leprosários existentes no Brasil, cujo local chegou a abrigar 3,5 mil pessoas. Mas, em dezembro de 2018, houve uma centelha de esperança para que essa situação que rendeu um estigma ruim para as pessoas com hanseníase durante anos se alterasse. 

Foi quando o Governo de Minas Gerais assinou um decreto que regulamenta a Lei nº 23.137/18, que autoriza o Estado a conceder indenização aos filhos de pessoas com hanseníase que, no passado, foram separados compulsoriamente de seus pais. 

Com isso, Minas Gerais foi o primeiro Estado do país a reconhecer essa dívida histórica e criar caminhos para não só indenizar essas pessoas, como também mostrar a sociedade que, atualmente, a hanseníase tem tratamento gratuito oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e que ninguém precisa ficar mais isolado da sociedade.

Mas, nem tudo são flores. Após 12 anos da Lei Federal n° 11.520/2007 que prevê indenizações para as pessoas com hanseníase que foram isoladas em colônias, o governo brasileiro falhou em reparar os danos físicos e emocionais causados pela segregação obrigatória. 

De acordo com o coordenador Estadual do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), Eni Carajá Filho, a legislação limita o recebimento da reparação a aqueles que já recebem via Lei Federal 11.520/2007, mas tem filhos que, além da separação, foram para as colônias e lá contraíram a doença e a legislação ainda excluiu os que recebem acima de 4 salários mínimos. 
Eni Carajá Filho é coordenador Estadual do Morhan. Crédito: Site do Morhan / Reprodução. 

“A lei Estadual mineira não é aquele texto que os filhos e filhas separados reivindicavam. Ela foi negociada em gabinetes, sem a efetiva ação dos interessados, muitos deles se sentiram excluídos e até mesmo traídos, pois está apontada uma seletividade quando definiu que haverá uma apuração do tamanho da negligência para definir o montante a pagar", explica Carajá. Procurado pela nossa reportagem, o Governo de Minas Gerais não informou dados sobre os processos de indenização, apenas a composição  da comissão que vai avaliar os processos, formada por diversas secretarias de governo e por apenas dois movimentos sociais (Mohran e Somos Todos Colônia).

Reparação

Para tentar diminuir essa desigualdade, foi criada uma Comissão Interministerial de Avaliação Pensão que tem o objetivo de analisar os Requerimentos de Pensão Especial das pessoas atingidas pela hanseníase que foram internadas e isoladas compulsoriamente em hospitais-colônia até 31 de dezembro de 1986, conforme a Lei nº 11.520/2007. Buscando apoiar verdadeiramente os filhos de Minas Gerais (descritos na lei como segregados), o Morhan foi contemplado para compor essa Comissão. 

"Existe um grupo de autoafirmação desses filhos e filhas que querem ser os protagonistas direto dessas negociações e visam rediscutir o teor do texto legal, nesse quesito. O Morhan apoia integralmente, pois o que sair de Minas Gerais será referência ao Projeto de lei nacional que tramita na Câmara dos Deputados, assegurando aparar as gorduras e excessos contidos na lei e no decreto que atendeu mais o interesse de corporações profissionais e parlamentares, mas que colocou para escanteio a efetiva ação desses filhos e filhas", avalia Carajá.

Apesar da data espelhada para reconhecer esse dolo é 31 de dezembro de 1986, esse período foi o que aconteceu o Decreto federal nº 6.168 de 2007 e dispõe que o pedido de concessão da pensão deverá ser endereçado diretamente ao Secretário Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, a qualquer tempo, a quem cabe decidir sobre o pedido. 

Segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a Comissão recebeu até outubro de 2018, aproximadamente, 12.997 (doze mil, novecentos e noventa e sete) requerimentos. Do total, 9.011 (nove mil e onze) foram deferidos, ou seja, apenas cerca de 70% nas requisições junto a Comissão Interministerial de Avaliação foram acatadas e muitas pessoas não conseguiram entrar com recursos. 

O valor do salário R$ 1.497,00 (1,5 salário mínimo) pensão indenizatória. Os dados do Ministério não se aprofundam em relação ao sexo, raça, gênero e localização geográfica dos beneficiários. 

Biografia

No artigo "A Via Sacra da Hanseníase de Veganin", publicado pela Revista Brasileira de Enfermagem, as pesquisadoras da Pontifícia Universitária Católica, campus Betim (PUC-Betim), Nadja Cristiane Lappann Boti e Kiane Aparecida Aquino, relataram por meio de resgaste histórico documental e oral, a biografia de Luiz Carlos de Souza, também conhecido como Veganin, que viveu na Colônia Santa Isabel, depois de ter sido acometido pela hanseníase. 
Alguns dos quadros que compõe a "Via Sacra" de Veganin. Crédito: Blog do Morhan / Reprodução. 

Na pesquisa, já é possível perceber o quanto o estigma do preconceito era forte entre as pessoas com hanseníase. "Esta Colônia apresenta histórias de vidas que tiveram a estigmatização como marca social, entre elas encontramos a biografia de Luiz Carlos Souza acometido pela hanseníase. Foi morador, por décadas, dos pavilhões e casas da Colônia, onde se tornou conhecido como Luiz Veganin. (...) Na Colônia [ele] trabalhou na enfermagem, marcenaria e pintura. Pintou no estilo da Pop Art os quadros da Via Sacra onde mostra a Paixão de Cristo com originalidade e crítica social. Nos quadros apresenta sua resiliência frente à hanseníase e ao tratamento. Faleceu na Colônia Santa Fé (MG) em 1997". Para ler o texto completo, clique aqui.

Você sabia?

O Brasil é o segundo país do mundo mais atingido pela hanseníase, registrando cerca de 26 mil casos em 2017. Apesar de ter tratamento gratuito oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a doença ainda tem números que impressionam. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil identificou 25,2 mil casos da patologia em 2016, número que representava 11,6% do total global de novas ocorrências.

No início do século XX, quando a doença era tratada pelo Poder Público de forma estigmatizada, inúmeras violações aos direitos humanos foram cometidas por instituições hospitalares durante o isolamento de doentes, desde a década de 1920, em todos os cantos do país. Desde 1986, com o processo de reestruturação dos hospitais colônias no Brasil, e logo em 1990 com a efetivação do SUS, os espaços de confinamento deram lugar aos hospitais especializados.

Mas somente com a lei de 2007 foi criada a Comissão Interministerial de Avaliação, ligada diretamente à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. De acordo com a coordenação estadual do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) avalia-se que no início da mobilização para que o estado brasileiro reparasse, tenhamos cerca de 15 mil pessoas atingidas de alguma forma pela hanseníase. Ou seja, uma situação que se prolonga por anos e ainda não tem uma resposta definitiva.




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