#Sensacionalismo: Tragédia na Escola de Suzano evidencia o desespero do jornalismo na TV

março 13, 2019


Será que vale tudo pela audiência? Essa é a pergunta que se faz necessária quando vemos os telejornais jogarem para o alto a ética e o bom senso por conta de números de audiência. Na última quarta-feira (13/03), dois jovens – um de 17 e outro de 25 anos, fortemente armados, entraram pelo portão central da Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, no interior de São Paulo, e promoveram uma chacina. 

Eles são apontados pela Polícia de serem os responsáveis por matar dez pessoas, entre estudantes e funcionários. Em seguida, um dos autores matou o companheiro de crime e se suicidou, assim que os policiais adentraram no local.

A tragédia tomou conta dos noticiários televisivos logo pela manhã. E isso foi o estopim para que o telespectador pudesse acompanhar atitudes bastantes questionáveis da imprensa televisiva.

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A primeira delas foi da repórter Márcia Dantas, do “Primeiro Impacto”, do SBT. Visivelmente ofegante, ela corria atrás das pessoas em busca de um depoimento até que um dos familiares das vítimas grita de forma desesperada que não quer falar. Uma das cenas mais constrangedoras do telejornalismo brasileiro. Confira:

Já na parte da tarde foi a vez do repórter Marcelo Moreira, da Band, que perseguiu na rua Tatiana Taucci, mãe de um dos atiradores da escola de Suzano, exigindo que ela desse entrevista a ele, em um tom desaforado e cheio de juízo de valor, o que não corresponde com a conduta de ética que um jornalista deve ter ao abordar uma fonte, ainda mais em uma situação de fragilidade como essa. 

Moreira ainda chegou a fazer o seguinte questionamento à mulher que passava pelo choque do filho ser um dos possíveis autores desse crime bárbaro: "É importante você falar para defender a honra da sua família!". Que honra? Que situação mais desnecessária, gente! Assista:

O jornalista João Filho, do site The Intercept Brasil, fez uma matéria bastante interessante analisando como os noticiários policialescos/sensacionalistas da TV aberta brasileira foram responsáveis por disseminar a cultura do ódio, no qual o apresentador sempre faz juízo de valor e opiniões de senso comum – muitas vezes sem nenhum critério ou pesquisa prévia. 

“O Brasil já se acostumou a acompanhar violência explícita na TV. Quase todas as emissoras têm em sua grade de programação um jornal policial vespertino que traz diariamente as novidades do mundo cão. Há quase três décadas, empresas privadas se utilizam de concessões públicas para fomentar uma cultura de ódio, vingança e violência. Chavões como ‘bandido bom é bandido morto’ e ‘direitos humanos para humanos direitos’ vem sendo exaustivamente repetidos pelos apresentadores desses programas. Ali a violência policial é reverenciada, suspeitos são tratados como culpados e os direitos humanos servem apenas para proteger bandido. Pobres, negros e gays têm seus estereótipos negativos reforçados todos os dias. Qualquer semelhança com o bolsonarismo não é mera coincidência”, diz um trecho da matéria. Para ver o texto completo, clique aqui.
Crédito: Agência EBC / Reprodução. 
Para fechar com chave de ouro (só que não!) a série de mancadas televisivas, a TV Globo também deu a sua derrapada e resolveu adotar a palavra “assassino”, no texto dos seus telejornais, sobretudo no Jornal Hoje e no Jornal Nacional, para se referir aos autores da tragédia na escola em Suzano. 

Como um deles é adolescente e as investigações policiais ainda não foram concluídas, acaba que a palavra “assassino” é um juízo de valor, pois não cabe ao jornalismo condenar ninguém, mas sim reportar os fatos. O uso desta palavra dividiu os profissionais de comunicação entre aqueles que foram contra e os que apoiaram. 

Uma das explicações para o uso desse termo se deu por uma questão de posicionamento editorial, uma vez que os autores cometeram uma chacina e se suicidaram. Já os profissionais que foram contra argumentaram que, o emprego do termo “assassino”, condena os familiares dos autores do crime e, por isso, pode os colocar em risco, incitando que as pessoas possam se voltar contra eles.

Além disso, é importante lembrar que o JORNALISMO possui uma função SOCIAL dentro da COMUNICAÇÃO. Nesse sentido, a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI) recomenda algumas expressões – como por exemplo, "adolescente em conflito com a lei" ou "adolescente autor de ato infracional" ou "adolescente responsabilizado" no lugar de “punido” ou “preso”; como uma das formas da imprensa não violar o Estatuto da Criança e do Adolescente, muito menos questões ligadas aos Direitos Humanos
Crédito: Agência EBC / Reprodução. 
Só que para a mídia televisiva, essas questões são ignoradas todos os dias sem qualquer constrangimento, sobretudo nos telejornais policiais. Tudo isso é feito em nome de um sensacionalismo que é capaz de gerar números de audiência, fazendo com que o jornalismo despreze questões ligadas à cidadania e ao respeito à vida humana. Um crime não deve justificar o outro, senão entraremos em barbárie em nome de uma justiça medieval.

É por essas e outras que a TV está perdendo relevância, por subestimar a capacidade de inteligência do público e por mascarar o interesse real nas questões populares para que o interesse comercial sempre se sobressaia, esvaziando o papel informativo e cidadão do jornalismo. Em suma, o sensacionalismo só evidencia a crise de identidade do telejornalismo brasileiro que ainda não se tocou de que as suas bizarrices afastam cada vez o público para outras plataformas, sobretudo para o mundo digital. Lamentável!






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