#MostraTiradentes: Abertura traz manifesto em defesa da cultura e homenagem a Grace Passô
janeiro 21, 2019Crédito: Leo Lara / Universo Produção / Reprodução. |
A abertura da 22ª Mostra de Cinema de Tiradentes foi de emoção na homenagem à atriz e dramaturga Grace Passô e pela valorização e defesa da cultura como alimento da alma e setor estratégico da economia brasileira.
A noite foi marcada por um novo passo na carreira de @GracePassô, que estreou como diretora de cinema em “Vaga Carne”. O filme, dirigido por ela em parceria com Ricardo Alves Jr, é a transcriação audiovisual do premiado espetáculo solo da artista. O trabalho foi produzido pela Universo Produção e mostrou à plateia a intensidade do corpo, da voz e das palavras de Grace.
A pré-estreia mundial foi antecedida por uma performance multiartística comandada por Grazi Medrado e Chico de Paula. A apresentação repercutiu a temática central do evento deste ano, “Corpos Adiante”, por meio de música, dança e performances, numa espécie de “narrativa dramatúrgica” que traçou paralelo com a atual situação política e social do Brasil, valorizando a presença da diversidade na arte e no cotidiano do país.
Homenagem
Também foram exibidos trechos de entrevistas da artista mineira. O público pôde acompanhar o pensamento de Grace transitar entre os anos de 2005 e 2018, sempre a reforçar a expressividade como sua maneira mais genuína de se comunicar e transfigurar seus estímulos. Definida como “corpo poliglota, de múltiplos tempos, artes, espaços, de todos os palcos”, em leitura apresentada pela atriz Gláucia Vandeveld, a homenageada foi chamada para receber o Troféu Barroco.
Acompanhada da mãe, Valdete Lino Paes Souza, Grace Passô recebeu aplausos de pé das centenas de pessoas no Cine-Tenda. Emocionada, exaltou que aquela homenagem se estendia àqueles que, de alguma forma, se sentiam representados por ela ou por seu trabalho. “Nunca recebi uma homenagem dessa dimensão. Do fundo do coração, espero que muitas e muitos de vocês estejam se sentindo também homenageados com a minha presença aqui”, disse.
Crédito: Leo Lara / Universo Produção / Reprodução. |
Aos 38 anos, Grace vem sendo reconhecida como uma das grandes atrizes em atividade no Brasil. Escrevendo e atuando para teatro desde 2000, ela recentemente acrescentou o cinema entre seus talentos, participando de filmes de grande repercussão, como “Elon não Acredita na Morte” (Ricardo Alves Jr, 2016), “Praça Paris” (Lúcia Murat, 2017) e “Temporada” (André Novais Oliveira, 2018) – estes dois últimos lhe renderam diversos prêmios.
“A arte é um chão essencial da nossa formação e da nossa existência. Que delícia poder celebrar alguma coisa nesse momento em que a gente vive no Brasil”, afirmou ela. “Um corpo não pode ter limites, e a política serve para que a existência dos corpos possa acontecer”, completou.
O primeiro dia de debates da 22ª Mostra de Cinema de Tiradentes se fixou nas discussões em torno da temática central deste ano, “Corpos Adiante”, e na homenagem à atriz e dramaturga Grace Passô. O trabalho de Grace foi discutido em dois encontros no Cine-Teatro Sesi, primeiro sobre sua trajetória e as características de seu trabalho no teatro e no cinema; depois em torno de “Vaga Carne”, sua estreia como diretora de cinema (em parceria com Ricardo Alves Jr.).
As falas intercalaram o rigor do olhar dedicado à criadora Grace e a admiração ao que ela faz desde 2000, quando estreou nos palcos; e a descontração proporcionada pela própria pessoa Grace, irreverente e profunda em cada palavra que entoa. Na mesa “Presença de Grace Passô”, a pesquisadora Natália Batista relembrou entrevista feita com a atriz em 2007, quando ela ainda se iniciava como dramaturga do Grupo Espanca!.
Natália comparou essa conversa com as falas mais recentes de Grace, apontando a coerência de pensamento. “Parece tudo pensado para saber o valor desse corpo dela que está em cena”, disse Natália. “Fiquei impressionada de como muita coisa que ela apontava na época foi se desenvolvendo até aqui”.
Para Grace, essa coesão de pensamento e atitude na arte veio naturalmente ao longo de sua trajetória, mas começou a partir de premissas que hoje ela questiona. “Quando comecei, eu queria escrever teatro e me preocupava em construir textos para serem publicados. Isso só ficou no desejo, porque o caminho desses textos foi exatamente o contrário”, relembrou. Ao fundar o Grupo Espanca! (2004), e a partir da apresentação da primeira peça de sua autoria, “Por Elise” (2005), Grace passou a caminhar através do palco, em sucessivos trabalhos de grande repercussão que reconfiguraram sua própria visão.
Vaga Carne
Ao falar sobre “Vaga Carne”, Grace relembrou a amizade de anos com Ricardo Alves Jr. e a vontade de criarem, juntos, os diálogos possíveis entre cinema e teatro. A primeira experiência de ambos foi com a peça “Sarabanda” (2014), adaptada do último filme do sueco Ingmar Bergman. Se, neste caso, um filme virava uma peça, em “Vaga Carne” uma peça (e o texto de uma peça) virou filme – e nas duas criações, o que se vê são obras distintas, com singularidades que as mantêm ao mesmo tempo próximas e distantes.
Crédito: Jackson Romanelli / Universo Produção / Reprodução. |
“O Daniel Veronese (diretor argentino) diz que não existe realismo no teatro e que o tema de toda peça, em primeiro lugar, é sobre a presença, a relação, algo que estará sempre acima da ficção. O cinema é diferente: nele existem códigos já estabelecidos que nos colocam em determinados lugares”, comparou ela. “O teatro é uma arena, você está lá com o ator, com a atriz. O cinema depende de um maquinário, de algumas tecnologias, que servem para te colocar ali dentro”.
No caso de “Vaga Carne”, que abriu a Mostra de Cinema de Tiradentes, na noite de sexta-feira (18/01), um dos estímulos de Grace e Ricardo Alves Jr. era dar projeção à voz daquele corpo em cena, algo essencial na peça e que naturalmente sofreria um tipo de transfiguração para a tela. Grace disse que os oito minutos de tela preta que abrem o filme e os closes nos rostos de espectadores da performance foram tentativas de dar autonomia àquela voz. Ricardo completou que o trabalho sonoro, de forte intensidade, também teve esse objetivo.
Performance inédita
Outro destaque da noite de sábado (19/01) foi a performance inédita “Grão da Imagem”, apresentada por Grace Passô, com a transformação do Sesc Cine-Lounge em palco de um jogo proposto pela homenageada. No lugar da imagem e ação, a atriz ofereceu à tenda lotada palavras e música, desafiando os presentes a identificar uma série de filmes por meio de uma única cena descrita pela inconfundível cadência e tom grave de sua voz.
“Forrest Gump”, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, “Império dos Sentidos” e “O Iluminado” foram alguns dos clássicos citados pela homenageada desta edição da Mostra de Tiradentes, que eram em seguida transformados em música pela remixagem do músico Barulhista. Simples e divertida, efêmera e desafiadora, a performance foi mais uma prova da capacidade de Grace de ocupar e dominar um espaço, mesmo sentada e usando os pouquíssimos recursos ao seu dispor.
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