#LiberdadeLiberdade: Novela reconstrói século XVIII com sujeira e muita ausência de caráter
abril 22, 2016Fotos: TV Globo / Reprodução. |
Desde que estreou na Rede Globo, a novela das 23h, #LiberdadeLiberdade,
tem chamado a atenção do público não só pela proposta de contar a história ficcional
da vida de Joaquina/Rosa, a filha de Tiradentes, mas sobretudo por reconstruir
um século XVIII com muita sujeira e total ausência de caráter de vários
personagens. Imagina pegar uma estrada e dar de cara com um bandido igual ao “Mão
de Luva”? #Tenso.
É por estas e outras, “Liberdade,
Liberdade” é, praticamente, um faroeste mineiro. Há muita injustiça, muita
intolerância. Uma elite que não se respeita, que castiga os escravos da forma cruel
e que se une apenas por interesses comerciais, mesmo sendo a minoria na cidade.
De forma implícita, a novela deixa claro que há muito mais escravos e
miseráveis do que burgueses. Então, porque não reivindicar justiça social?
Porque o povo não tem acesso a nada.
No século XVIII, só os homens brancos ricos eram alfabetizados. A mulher branca
era criada para cuidar da casa e da família. Pouquíssimos saiam desta norma
social. Os escravos e os pobres eram colocados à margem da sociedade de
propósito. Era mais fácil manipular. Ideologia que ainda se faz presente em
muitos grotões do Brasil, infelizmente.
Veja também:
#LiberdadeLiberdade é quase um grito de independência atual, ao mostrar que os ideais
de justiça social – tanto pregados pelos movimentos de esquerda, ainda são
necessários, por mais que reconheça-se muitas conquistas sociais adquiridas. O
Brasil, mesmo no século XVIII, era um país subjugado não só internacionalmente,
mas pelas própria população. Mudar isso desencadeou tudo, sobretudo o
questionamento de se ter que pagar impostos caros e que não eram revertidos em
nada para o Brasil.
Se na novela, o suborno, a corrupção
e o sexo por interesse são habituais, o “mundo real contemporâneo” não está
muito longe disso. “Liberdade, liberdade” mostra um momento de mudança política
no nosso país, de postura. Não basta ser legal, é preciso também ser plural e
ético. E esse diálogo com a história do Brasil e a atual situação política é
quase que imediata. Ainda estamos em luta de classes e de ideologia política.
Me encanta ver esta opção mais
realista da trama. Mostrar uma cidade de Vila Rica (atual Ouro Preto, em Minas
Gerais) suja, com ratazanas e muito coco de cavalo. A cidade fede porque foi
criada para ser desigual. Sai a ideia romântica de casas brancas e janelas
azuis e vermelhas, para dar lugar a casarões sujos, um branco acre e madeira
escura. É mundo duro, onde quem tem a força tem o poder.
Os personagens, mesmo os ricos, comem
com as mãos e não tomam banho diariamente. Esse Brasil mais próximo da
realidade é algo que não se via desde Xica da Silva, na extinta TV Manchete.
Ponto para a emissora que acertou por optar por uma linguagem mais fiel aos
relatos históricos, mesmo que isso choque o público mais acostumado ao contexto
idílico e poético dos folhetins de época.
Como os personagens de #LiberdadeLiberdade
enfatizam, é um Brasil que ainda não conheceu a civilização e que vai demorar
muito para conhecê-la. A novela reconstrói uma cidade suja, miserável em meio a
uma elite arrogante e cruel. O povo em miséria, escravos de origem africana
sendo açoitados quase que como um deleite por uma burguesia inconsequente e uma
Coroa que só fazia aumentar os impostos e sugar as riquezas do Brasil Colônia.
A Europa via a América como fonte de
riqueza, apenas. Não como terra, como nação. E essa ideia de identidade que
moveu Tiradentes e parece ter passado para a sua filha Joaquina/Rosa, uma
heroína que não tem medo de nada e parece querer reunir forças para formar –
assim como o pai, um novo movimento de independência.
Pela novela ser tão bem feita, fica difícil
acreditar que “Liberdade,
Liberdade” teve tantos problemas de roteiro antes da estreia, uma vez
que esteticamente a novela é primorosa. Percebe-se a pesquisa histórica. Talvez,
este seja o grande trunfo do folhetim: mostrar para o Brasil a sua história,
mesmo que seja necessário fazê-lo em forma de romance eletrônico na TV.
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