#CaféConvidado: Quais são os desafios do Jornalismo Científico?
janeiro 23, 2015
Na seção Café Convidado desta semana, o jornalista Lucas Conrado, de 26
anos, fez um artigo bastante interessante sobre os desafios de se fazer
jornalismo científico no Brasil. Ainda, nos traz um debate polêmico que existe
nesta área: será que o especialista deve mesmo ler a matéria depois que o
jornalista a produziu, antes de ser publicada? Abaixo, confira o texto:
O desafio de se escrever sobre ciência
*Por Lucas Conrado
No
Facebook, faço parte de diversos
grupos de discussão sobre ciência. Uma crítica muito comum que leio de
pesquisadores é que o jornalismo
científico é malfeito, repleto de informações erradas, mal apuradas. Os
jornalistas são pintados muitas vezes como pessoas ignorantes ou preguiçosas,
que leem artigos pela metade e inventam coisas a partir do nada (além de
distorcerem o que os cientistas falam). Será que é isso mesmo?
Tenho
alguma experiência com jornalismo
científico. Recentemente, no meu trabalho atual, fui responsável por
produzir e editar a seção Quero Saber,
do finado Globo Ciência. Nessa
seção, respondíamos a perguntas de diversos temas científicos por meio de
entrevistas com pesquisadores, ilustradas por animações e imagens de apoio.
Antes
disso, passei ainda pelo Instituto
Ciência Hoje, escrevendo para a revista de mesmo nome e para o site Ciência Hoje das Crianças. Sempre tive
muito interesse pela área científica. Cresci assistindo a O Mundo de Beakman, Castelo
Ra Tim Bum, ao próprio Globo Ciência.
Além
de documentários sobre astronomia e vida animal. Aliado a isso, ainda tive meu
pai desde muito cedo me ensinando a identificar algumas das principais estrelas
e planetas no céu. Apesar desse entusiasmo todo, posso dizer uma coisa:
escrever sobre ciência não é nada fácil.
Os
desafios são muitos. Para começar, a ciência praticada hoje é muito mais
complexa e aprofundada que aquela praticada séculos atrás. As ciências atuais
são tão complexas que elas próprias conversam entre si em muitos casos. Os
pesquisadores vão se aprofundando cada vez em temas específicos e complexos,
não entendendo direito outras áreas.
Foto: Site Let's Do It, Akdeniz! / Reprodução. |
Um
biólogo especialista em fungos pode não compreender direito o mecanismo da
física quântica. Um astrônomo pode não conseguir explicar como a Cordilheira
dos Andes tomou a forma atual. E mesmo um especialista em cupins pode não saber
como a geleia real age para fazer de uma abelha a rainha.
Se
um cientista prefere não se meter na área do outro por medo de cometer algum
equívoco, imagina como fica a cabeça de um jornalista, formado numa Ciência Humana e que precisa escrever
sobre Biologia, Geologia, Astronomia, Medicina, Física e Química (às vezes em
uma semana).
Em
muitos casos, vai para o jornalismo
científico o nerd que cresceu vendo e lendo sobre ciências. Ele já traz uma
bagagem cultural adquirida ao longo da vida. Mas, nem sempre, isso é suficiente
para entender os conceitos que está abordando. Aliás, entendimento é o X da
questão.
Nos
meus nove meses de Ciência Hoje, li
uma infinidade de artigos científicos. Muitos deles em inglês. Além da
linguagem mais rebuscada, esses artigos continham diversos conhecimentos
implícitos, jargões e termos muito específicos. Em diversas ocasiões, contei
com a ajuda das minhas editoras, além de colegas de trabalho - mais experientes
que eu na área, para entender esses pontos. Em outros, procurava os próprios
cientistas para me darem uma luz. Para minha sorte, eles sempre foram muito
receptivos comigo.
Aí
está outra dificuldade para se divulgar ciência. Muitos pesquisadores, já com
esse preconceito de que o jornalista é um preguiçoso ou estúpido, julgam que
não é preciso perder tempo tentando traduzir algo que o jornalista não vai
entender. Nos tempos de Ciência Hoje,
ouvi colegas reclamando da falta de tato de alguns pesquisadores. Da falta de
paciência para esclarecer conceitos.
Ou
mesmo, apesar da boa vontade, a dificuldade de tornar os conceitos mais
palpáveis (sério, como foi difícil conversar com os simpáticos matemáticos do
Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada). Se não há esse diálogo, como
os pesquisadores esperam que o jornalista entenda conceitos com os quais ele
não está acostumado?
Para
complicar a questão, jornalista conta com outras duas dificuldades na hora de
levar a ciência para o público: tempo e espaço. Não tive tanto problema de
tempo, uma vez que a Ciência Hoje me
dava um bom período para apurar e redigir meus textos com calma.
Foto: Site A Crítica / Reprodução. |
Mas
isso nem sempre acontece. No desespero do jornalismo contemporâneo, de sempre
querer ser o primeiro veículo a publicar uma matéria - e ainda com a
possibilidade de editar, no caso de mídia online - muitos repórteres não têm
tempo para aprofundar nos assuntos.
Ou
mesmo para fazer uma apuração mais calma e precisa. Há ainda a questão do
espaço (sofri muito com isso). As pessoas hoje têm preguiça de ler. Então,
temos o desafio de escrever um texto curto, mas que aborde questões complexas
muitas vezes. Aí fica a questão no ar: como fazer isso?
Como
dispõe de mais tempo, a Ciência Hoje
tem um modelo interessante de produção de matérias que, infelizmente, poucos
veículos mantêm. O jornalista lê um artigo científico e pensa nas perguntas.
Entra em contato com o pesquisador e faz a entrevista. Após redigir sua
matéria, envia o texto para o especialista (se ele for estrangeiro, envia para
um colega de especialidade no Brasil), acompanhado do artigo no qual a matéria
foi baseada.
Só
após as correções e observações do cientista, a matéria é publicada. Como eu
falei lá em cima, muitas publicações precisam sair rapidamente, então não há
esse tempo para o pesquisador fazer suas considerações. É o ideal? Não. Mas no
modelo atual de jornalismo – que diga-se de passagem, dá um espaço ridículo
para a divulgação científica, é difícil termos alguma transformação.
Bem,
o que eu quero dizer nesse texto é que nós, jornalistas, não somos idiotas ou
agimos de má fé. Sofremos com as mesmas dificuldades de entender ciência que
grande parte da população sofre. A educação científica no país deixa muito a
desejar e se reflete em diversos pontos da sociedade, inclusive no jornalismo.
Isso
aliado a prazos apertados, muita cobrança, dificuldades de comunicação e a má
vontade de alguns pesquisadores (mais uma vez, não são maioria), só tornam a
situação mais grave. Deveríamos pensar em formas de promover uma maior educação
científica para que cada vez menos erros fossem cometidos.
_____________________________
*Perfil: Lucas Conrado, 26 anos, é jornalista,
fotógrafo nas horas vagas e editor do podcast Papo di Minero (www.papodiminero.com). Formado em
jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), trabalha
atualmente nos sites da área social da Rede Globo. Passou pelo Instituto
Ciência Hoje, Canal Futura e FSB Comunicações.
- Para participar da seção Café Convidado, do blog Café com Notícias, basta enviar para o e-mail wander.veroni@gmail.com com um material de sua autoria. Pode ser uma reportagem (texto, áudio ou vídeo), artigo, crônica, fotografias, peças publicitárias, documentário, VT publicitário, spot, jingle, videocast ou podcast. Mas, atenção: pode participar estudantes de Comunicação Social (qualquer habilitação: jornalismo, publicidade, relações públicas, marketing, Rádio e TV, Cinema, Produção Editorial e Design Gráfico), profissionais recém-formados ou profissionais mais experientes de qualquer outra profissão. Participe e seja meu convidado para tomarmos um Café! OBSERVAÇÃO: Por ser editor responsável pelo Café com Notícias, o material enviado está sujeito a sofrer edição final para adequação da linha editorial abordada neste espaço.
Gostou do Café com Notícias?
Então, siga-me no Twitter, curta a Fan Page no Facebook, siga a company
page no LinkedIn, circule o blog
no Google Plus, assine a newsletter e baixe
o aplicativo do blog.
0 comentários