Livro “Um jogo cada vez mais sujo” traz à tona a máfia dos ingressos na Copa do Mundo
julho 11, 2014O brasileiro ama futebol. Apesar da Copa do Mundo começar desacreditada por conta do lastro deixado pelas Manifestações do ano passado, o evento esportivo decolou e ganhou o coração da torcida.
Desde o início do Mundial, o Café com Notícias realiza a cobertura jornalística da Copa, abordando as mais
variadas seções do blog. E mais do que cobrir a Copa, acredito que estar em um
estádio é uma experiência única. E é por isso que me arrependo de não ter pleiteado
uma credencial de imprensa.
Então,
como torcedor, quis comprar um ingresso para qualquer um dos jogos que
aconteceram em Belo Horizonte. Não consegui. Só era possível comprar um
ingresso pelo site oficial da Fédération
Internationale de Football Association (FIFA). Mesmo quando aparecia a
disponibilidade, no momento de concretizar a compra, todo esforço era em vão.
Fiquei sem ingresso.
Um
amigo de um amigo que conhece um rapaz que vende ingressos me interpelou e fez
uma proposta bastante interessante. Fiquei com receio de comprar. Não pelo
valor, mas pela legitimidade desse ingresso. Imagina chegar ao estádio com um
ingresso falso? Tentei com um patrocinador da Copa – que por sinal é parceiro
do Café com Notícias, e também não
consegui um ingresso. Foi aí que desisti de ir ao estádio de vez.
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Foto: Tânia Rêgo / Agência Brasil / Reprodução. |
Os
cambistas estão cobrando uma fortuna! Até os turistas estrangeiros tiveram
dificuldade de comprar ingressos. Mas esta história do ingresso continuou na
minha cabeça. Pensei: será que ninguém fez uma reportagem sobre a dificuldade
de comprar um ingresso para a Copa? Encontrei algumas matérias superficiais
contando mais a história do torcedor do que uma que realmente colocasse um
posicionamento concreto da FIFA sobre isso.
Até
que, entre um link e outro, encontro não só uma reportagem, mais um livro sobre
a dificuldade do torcedor de comprar ingressos para o Mundial. E detalhe:
lançado no dia 05 de maio de 2014, quase um mês antes do início da Copa do Mundo no Brasil. O livro se
chama Um
jogo cada vez mais sujo, do jornalista britânico Andrew Jennings,
lançado pela editora Panda Books. Clique
aqui e confira um trecho do livro.
Andrew
Jennings é repórter investigativo há mais de trinta anos, além de atuar como
cineasta, consultor e comentarista. Trabalhou nos jornais britânicos The Sunday Times e Daily Mail e na BBC,
além de contribuir em diversas publicações. Ele é autor de documentários e
livros sobre corrupção nos esportes e tornou-se conhecido no mundo todo como o
“único profissional de imprensa banido das coletivas da FIFA”. Anteriormente,
ele cutucou a FIFA ao lançar o livro Jogo
Sujo pela Panda Books aqui no Brasil.
Imediatamente,
entrei em contato com a editora e eles me passaram informações sobre o livro. Trata-se
de uma obra composta do ponto de vista do jornalismo investigativo do qual
Andrew revela todo o esquema fraudulento da venda de ingressos na Copa. O
negócio é administrado pelos irmãos mexicanos Enrique e Jaime Byrom, hoje
radicados em Manchester, na Inglaterra. Eles têm como sócios a Match Serviços de Eventos, cujo
acionista é Philippe Blatter, sobrinho do presidente da FIFA, o suíço Joseph
Blatter.
Blatter
é sucessor do brasileiro João Havelange e o oitavo presidente da entidade. Ele
tem 78 anos e ocupa o cargo desde junho de 1998. Ele lidera o Comitê Executivo
responsável pelas decisões em relação ao futebol. Abaixo de Blatter na
instituição vem o secretário-geral Jérôme Valcke que é encarregado das
finanças, das relações internacionais e da organização de competições.
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Foto: John Super / Associeted Press / Reprodução. |
Atualmente,
a FIFA é responsável pela Copa do Mundo, da Copa das Confederações e do Mundial
de Clubes, que envolvem as competições profissionais e de base, masculina e
feminina, além do futsal e do futebol de areia. Ao todo, a FIFA tem 209
federações afiliadas e o apoio de seis confederações: AFC (Ásia), CAF (África),
Concacaf (América do Norte, América Central e Caribe), Conmebol (América do
Sul), Uefa (Europa) e OFC (Oceania).
Antes
mesmo de ser lançado oficialmente, o livro Um
jogo cada vez mais sujo virou uma “pedra no sapato” para a FIFA. Assim
que tomou conhecimento das denúncias, o escritório de advocacia BM&A, que
representa a entidade no Brasil, enviou uma notificação à editora Panda Books,
ameaçando processá-la por “falsas acusações, conteúdo calunioso, conteúdo
inverídico e danos à honra e à imagem”, caso o livro seja publicado no Brasil.
O
escritório BM&A tem como um dos sócios Francisco Müssnich, advogado e amigo
de Ricardo Teixeira, ex-presidente da Confederação
Brasileira de Futebol (CBF), ex-membro do comitê executivo da FIFA e uma das
figuras centrais do, como diz Jennings, “Padrão Fifa de fazer negócios e manter
tudo em segredo”. Por meio dessa amizade, Müssnich ganhou de Teixeira um cargo
no comitê organizador da Copa e também uma vaga no Superior Tribunal de Justiça Desportiva.
"Existe um mundo
negro que os fãs do futebol não conhecem que é o mundo dos negócios de
ingressos. Há 209 associações nacionais de futebol na FIFA, como a CBF, no
Brasil. Algumas são bem honestas, mas a maioria não é. As associações nacionais
pedem ingressos aos Byrom, que os fornecem em nome do Blatter [presidente da
FIFA] e da FIFA. (...) No caso dos ingressos, o Ricardo Teixeira forçou os
Byrom a terem parceiros brasileiros para que seus amigos pudessem ganhar uma
fatia. Por isso esses grupos têm alguma ação”, afirma Andrew em entrevista à
jornalista Giulia Afiune para o site da Agência
Pública.
O
jornalista britânico ainda faz mais revelações exclusivas à Giulia sobre o modo
como os ingressos da Copa do Mundo são limitados. “Sim, porque existe um mercado negro. E se você está comprando um
ingresso de mercado negro, ele pode vir de um país africano, ou de outro lugar.
A FIFA fala sobre a ponta do iceberg, mas o fato é que existe um outro mundo
sombrio embaixo da superfície, onde existe um imenso mercado de ingressos.
(...) Isso significa que o povo brasileiro está excluído. Vocês estão pagando
pela Copa do Mundo e para vocês é dito que os ingressos vão ser distribuídos de
forma justa. Aí você descobre que todo tipo de atividade ilegal relacionada aos
ingressos está acontecendo. (...) Gaste o seu dinheiro em uma televisão. Eles [a
FIFA] não colocam todos os ingressos na loteria!", completa Andrew.
É
estarrecedor saber que existe um tráfico de ingressos permissivo pela própria
FIFA. Não é boato! É apuração de um jornalista que dedicou um bom tempo da sua
vida para colher este material. Chega a ser assustador! Mas, ao mesmo tempo,
entendo o quanto o torcedor – independente da nacionalidade, é apaixonado por
futebol e ama a Copa do Mundo.
Para o torcedor, a Copa não é da FIFA, é um
evento esportivo vibrante que está acima destas questões. Por isso é preciso
ponderar: uma coisa é estar ciente de todo este esquema, outra é crucificar
quem gosta do esporte. São coisas diferentes, porém intimamente ligadas.
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Foto: Adrian Dennis / Agência France Press / Reprodução. |
Como
muitos brasileiros, acredito que o Brasil está fazendo uma Copa do Mundo muito bonita, no sentido da forma que a população
acolheu os torcedores estrangeiros e da alegria de ter o Mundial em casa. Houve
celebração e vários bons momentos que vão ficar marcados na memória afetiva de
muita gente. Mas, por outro lado, sabemos das histórias de corrupção e lavagem
de dinheiro em torno da Copa do Mundo que
não são apenas boatos. Elas são reais.
E
acredito que o Brasil deu um passo importante em trazer à tona todo este
esquema. É um primeiro passo para o enfrentamento da corrupção, mas não o
único. Dias atrás, a imprensa trouxe o caso do franco-argelino Lamine Fofana que revelou à polícia ter
conseguido com a Match, empresa ligada ao sobrinho do presidente da FIFA, os
ingressos que buscava no Hotel Copacabana
Palace, na zona sul do Rio de janeiro, onde está hospedada a cúpula da
Federação durante o Mundial do Brasil.
E
sabe o que é mais impressionante? O livro Um
jogo cada vez mais sujo, de Andrew Jennings, revela este esquema quase
dois meses antes com documentos e detalhes de um trabalho de apuração de tirar
o chapéu. Se a história estava aí, no ar e já repercutida entre os colegas da
imprensa especializada, porque o caso só ganhou os noticiários agora?
Será
que a implosão do esquema da venda de ingressos da Copa do Mundo da FIFA tem a ver com o fato do Brasil ter perdido de
7 a 1 para Alemanha de forma vergonhosa (e sabe-se lá com o Terceiro Lugar da
Copa)? Será isto uma retaliação ou uma Teoria da Conspiração?
Quem sabe este
não é um gancho para um próximo livro de Andrew, né! E detalhe: a FIFA vai
embora do Brasil, após o término da Copa, com uma receita de US$ 3,8 bilhões
(cerca de R$ 8,5 bilhões) originária dos direitos de TV e marketing sem pagar
nenhum imposto. Será que não pagamos um preço alto demais para ter a Copa no
Brasil?
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Jornalista
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