Reportagem Especial - Fora do Eixo e o Mídia Ninja são alvo de denuncias

agosto 11, 2013



As novas mídias estão sob suspeita. Muitas perguntas. Poucas respostas e algumas conclusões. Qual é o objetivo do Mídia Ninja? Quem os financia? Será mesmo que o Movimento é horizontal e democrático? Existe algum partido ou grupo político por trás? Porque o Fora do Eixo (Fde) quer dominar o cenário da produção cultural independente do Brasil? Há um interesse político ou empresarial nesses projetos?

Essas são algumas perguntas que vieram à tona esta semana, infladas, sobretudo, por uma série de denúncias de ex-colaboradores e produtores culturais que não estão nada contentes com o modo operacional do Coletivo.

Criado há mais de dez anos e com sede em vários estados brasileiros, o Fora do Eixo (Fde) é um coletivo artístico, midiático e político que trabalha na base da permuta, do voluntariado, da capitalização de leis de incentivo cultural pelo Brasil afora.

As denuncias são fortes: vai desde uma rede de pessoas que se sentiram lesadas por participarem de iniciativas culturais do Fde e que não receberam sequer um real por isso, a pessoas que denunciam uma nova “modalidade de trabalho escravo”, de coação e de seita. No final, uma pergunta persiste: qual é o objetivo de tudo isso?

Protestos

Em junho, quando as passeatas e as manifestações ganharam as ruas de várias cidades brasileiras, o Mídia Ninja (sigla de Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação) e a Pós TV foram alçados como referência de informação em tempo real sobre a onda de protestos e, com isso, ganharam a simpatia do público e de comunicadores que viam na empreitada de jovens jornalistas ninjas um novo gás para o jornalismo.
Integrantes do coletivo Mídia Ninja, oriundos do Fora do Eixo. Foto: Facebook / Reprodução.

Se por um lado a mídia tradicional não conseguia (ou não podia) cobrir os protestos pelo lado político – apenas noticiando os confrontos com a polícia, engarrafamentos e atos de vandalismo, por outro o Mídia Ninja ficava horas e horas transmitindo, ao vivo, os protestos, ocupações em Câmaras Municipais e Prefeituras e, até mesmo as reuniões do coletivo.

Era de se admirar que jovens engajados pudessem ficar mais de 10 horas por dia narrando os fatos e transmitindo tudo ao vivo, via redes sociais, sobre todas as coisas que aconteciam nas mais diversas capitais. Passado o oba-oba em torno do Mídia Ninja, a própria mídia os viu como pauta e começou a querer saber quem são eles, como vivem, quem são, como surgiram. #GloboRepórterFeelings

Lupa

Na última segunda-feira (05/08), quando o programa Roda Viva, da TV Cultura, entrevistou Pablo Capilé, idealizador do Fora do Eixo (Fde), e Bruno Torturra, editor da Mídia Ninja, foi possível perceber um embate intelectual entre a mídia tradicional e as novas mídias.

A dificuldade dos “jornalistas mais antigos” de entenderam a dinâmica das redes sociais, do engajamento do público e da importância de todos falarem para todos, era visível. Mas, se os debatedores/entrevistadores soubessem de todas essas denuncias, provavelmente o tom do programa seria outro.
Pablo Capilé (de camiseta preta) e Bruno Torturra (à dir.) participam de debate no programa Roda Viva, da TV Cultura. Foto: Jair Magri/TV Cultura

Do ponto de vista histórico – e porque não dizer midiático, o Mídia Ninja fez (ou faz) uma contribuição ímpar para a sociedade ao transmitir, sem filtro e sem noção, tudo aquilo que acontecia na onda de protestos e, posteriormente, nas ocupações nas câmaras municipais e prefeituras.

E por esse feito, é claro, que a mídia tradicional não ia deixar isso barato e, provavelmente, começaria com uma campanha para desmoralizar a independência editorial do movimento. Mas, os próprios Ninjas foram pegos com a “boca na botija”, mas especificamente o pessoal do Fora do Eixo, do qual eles estão intimamente ligados.

Denuncias

A situação chegou num ponto tão preocupante que os dissidentes do Fde – e pessoas que se sentiram lesadas com o projeto, criaram o Fora do Eixo Leaks (#FdELeaks) para, justamente, ser um espaço de reuniões de denúncias e provas contra as ações “obscuras” do Coletivo.

Em menos de uma semana, o site já apresenta três denuncias sérias e devidamente provadas com documentos vazados, além de estimular que outras pessoas possam enviar material para fomentar denuncias embasadas que serão devidamente apuradas e articuladas na internet.
Boa parte das transmissões do Mídia Ninja acontece por meio de celular smartphone conectado a uma rede de internet 3G. Foto: Facebook / Reprodução.

Apesar do #FdELeaks ter sido criado com o objetivo de denuncia, é nas redes sociais que o debate tem ganhado novos contornos. Na última quarta-feira (07/08), a cineasta Beatriz Seigner publicou um texto em seu perfil no Facebook em que questiona a atuação do coletivo de produtores culturais do Fora do Eixo, acusando o grupo de não repassar cachês a ela e a outros artistas, mesmo recebendo financiamento para a realização destes festivais.

“Vejam que esperto: se Pablo Capilé dizer que vai falar num palanque, não iria aparecer nem meia dúzia de pessoas para ouvi-lo, mas se disserem que o Criolo vai dar um show, aparecem milhares. Ou seja, quem mobiliza é o Criolo, e não ele. Mas depois ele tira as fotos do show do Criolo, e vai na Secretaria da Cultura dizendo que foi ele e sua rede que mobilizou aquelas pessoas”.

Em outro trecho, a cineasta compara o Fora do Eixo a uma seita, pois eles só sabem falar para eles mesmos e deles mesmos. “E como elas vivem e trabalham coletivamente no mesmo espaço, gera-se um frenesi coletivo por produtividade, que, aliado ao fato de todos ali não terem horário de trabalho definido, acreditarem no mantra ‘trabalho é vida’, e não receberem salário. (...) O que faz com que, depois de um tempo, eles não consigam falar de outra coisa que não sejam eles mesmos. Sim, soa como seita religiosa”, questiona Beatriz. Para ver o depoimento completo, clique aqui.

No dia seguinte, a jornalista Laís Bellini também resolveu desabafar. Ela, que trabalhou por um ano na Casa Fora do Eixo de São Paulo, disse que tinha uma carga intensa de trabalho e de afazeres domésticos dentro do coletivo, além de não receber nenhum real pela dedicação e de sentir uma nítida divisão sexista das tarefas que nunca podiam ser questionadas.

Laís ainda faz uma revelação surpreendente sobre como funciona a parte orçamentária do Fde, uma vez que o coletivo não possui nota fiscal, nem é registrado como Pessoa Jurídica. "O Fora do Eixo é uma rede com vários coletivos. Quando existia em Cuiabá o Cubo eles tinham uma associação, a Asprogic, cuja presidenta, se não me engano, é a Lenissa. Em São Carlos, uma outra associação existia e se chamava Associação Caminho das Artes cuja presidenta depois de um tempo, se tornou a Carol. A partir disso, tem-se, ali dentro da cúpula do Fora do Eixo, duas pessoas que são presidentas de duas associações, portanto, que podem emitir notas, e podem emitir, portanto, notas de serviço a outras organizações", revela Laís. Para ler o depoimento completo, clique aqui.

Anteriormente a essas denuncias nas redes sociais, está sendo compartilhado um artigo publicado no ano passado do qual se destaca como o Fora do Eixo quase acabou com a cena cultural independente de Belo Horizonte e destruiu o trabalho do festival BH Indie Music, criado pela cantora paulista Malu Aires, que há anos mora na capital mineira.

"O Fde então é uma marca nociva ao mercado novo de música? Sim. Desinformou a cena, desestruturou o mercado oferecendo mercadoria de graça, explorou a produção artística para arrecadação de verba pública, criou a ideia de que artista bom é artista solidário e disse para as bandas que a música que elas criam não vale nem o download, nem a execução. Para desbancar o Fde aprendemos aqui que é melhor ignorá-los", diz um trecho do artigo publicado no site Dynamite Online.

No meio de tantas denuncias que ainda não tiveram um posicionamento claro e preciso do Fora do Eixo fica a pergunta: qual é a credibilidade de um grupo que reivindica justiça social sem debate, de maneira vertical, mesquinha e exploradora? Como cobrar ética dos políticos se internamente não há isso no grupo? O povo não é bobo. E a informação circula o tempo todo. Ainda bem que o gigante acordou, inclusive para isso.






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Jornalista

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3 comentários

  1. Fiquei por longos instantes parada diante do texto sobre o Mídia Ninja e o Fora do Eixo. Após a leitura, mil coisas passaram pela minha cabeça. Dentre elas, o que é este texto? Esse Wander é competente demais, é danado esse jornalista.

    Depois disso começou a vir em minha mente várias ideias do que escrever para comentar aqui. É óbvio que fui deslocada pela minha memoria para a História, os feitos humanos, as ações humanas e não posso fugir da minha veia de historiadora.
    O homem tem seus interesses e em prol deles trabalha todo tempo.

    Isto posto, preciso dizer que venho acompanhando desde o início dos protestos pelo país afora as ações da chamada Mídia Ninja e dos demais movimentos envolvidos nesta questão.

    Me questionava o tempo todo e pensava em algumas das afirmações feitas aqui pelo Wander, mas sobretudo, questionava: Qual o interesse por trás desses grupos?

    Devo dizer que as denúncias da Beatriz me alcançam no sentido de responder a uma parte dos meus questionamentos (que devo dizer são muitos).

    Como a Bia, me permita chamá-la assim, eu também já me engajei em grupos e já dei meu sangue e suor para ver as coisas acontecerem para o bem comum e como a Bia também vi coisas semelhantes ao que ela denuncia acontecer.

    O fato senhores, é que não há, nunca houve e nem haverá nas instituições humanas nenhum objetivo, nenhuma luta pelo bem comum que não venha carregada de interesses pessoais.

    Haverá sempre aquele cara esperto, pondo seus interesses pessoais acima dos interesses da coletividade.

    Assim, cabe a nós cidadãos críticos, dotados de discernimento, abrir os olhos e dizer basta a estes.

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  2. Francisco Bertoletta11 de ago. de 2013, 16:30:00

    Wander, após ler o seu texto fiquei com um nó no estômago. Brilhando a sua reportagem. Mais pessoas precisam saber disso. O que fico pensando aqui comigo é que esses "coletivos" estão travestidos de "partidos" e os "partidos" travestidos de "coletivos". No fundo, no fundo, tudo é a mesma coisa. Não foi o Gigante que acordou...fomos enganados. Tudo foi um pretexto de golpe....estou enojado.

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  3. Sabe o que achei legal na sua reportagem? Ao mesmo tempo que você expõe as denúncias em torno do Fora do Eixo, você vê as qualidades do Mídia Ninja, sobretudo pela importância que o movimento teve naquela época das passeatas. Pelo menos, ninguém pode te acusar de ser imparcial.

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