Café Convidado – Impressões sobre o Fórum das Letras de Ouro Preto
junho 03, 2013
A seção Café
Convidado desta semana é para lá de especial. O colunista da seção Café Literário, do blog Café com Notícias, Tiago K. Pereira, participou do Fórum das Letras, na cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais, que
aconteceu do dia 29 de maio a 02 de junho. Tiago, que é um aficionado pelo
mundo da literatura narra, por meio de uma crônica, todas as suas impressões
sobre o evento. Acompanhe:
Crônica:
Cidade das Letras
*
Por Tiago K. Pereira
Manhã em Ouro Preto. Descendo a Rua São José, retiro da
mochila uma caneta e o bloquinho de capa alaranjada – mais que um presente de
alguém muito especial, um verdadeiro talismã. Recosto-me à entrada da Casa dos Contos, miro a folha em
branco, ensaio inícios diversos em pensamento.
Como descrever as experiências dos três dias em que
vivi de amor e de cultura? Recordo-me da pauta que rascunhei com a ajuda de
minha namorada – tudo muito profissional, como é de se esperar dela –, mas
continuo indeciso.
Respiro fundo, ergo a cabeça, e os olhos são atraídos
para as bandeirolas rubras e negras que anunciam o Fórum das Letras. Nas
fachadas de tons brancos e azuis, elas tremulam sopradas por uma súbita brisa
fria, cuja origem eu tento discernir, sem sucesso. Por toda parte, tudo inspira
literatura: natureza, arquitetura, pessoas. Ao longe, à direita e à esquerda, percebo
as igrejas São Francisco de Paula e Nossa Senhora do Carmo a coroar os casarões.
Sinto, então, o peso do passado do lugar, sou lançado
de volta no tempo, embalado pelo eco da palavra que tem me assombrado desde que
cheguei aqui: contos. A cidade grita para o artista interior que reluta em
reconhecer-se como tal. Alguns adolescentes passam por mim e entram na livraria
às minhas costas. Sorrio, entendendo que, para mim, só é possível escrever
sobre os últimos dias pela perspectiva de um jovem que sonha tornar-se
escritor.
Rabiscando este texto, perambulo pelo cômodo da Casa apinhado
de livros e pessoas. Noto com interesse o que ocorre em volta. Grupos em
excursão entram e saem a todo instante. Um casal de estrangeiros discute num
português enrolado sobre livros de culinária e história local. Ao meu lado, uma
menina de, talvez, quatorze anos abraça uma biografia do Cazuza e diz para a
amiga o quanto precisa ler aquilo. Flashes pipocam a todo o momento. Burburinho.
A saleta é um reflexo tímido da cidade que fervilha de
vida, especialmente neste feriadão de Corpus
Christi. A nona edição do Fórum
se revela para mim, pela primeira vez, um maravilhoso misto de religião, história
e cultura. Caminhar pelas ruazinhas do centro histórico é tudo o que imaginei
que seria ao decidir, enfim, conhecer o aprazível Patrimônio da Humanidade. E que oportunidade maravilhosa.
“Literatura da Origem” foi o tema do Fórum deste ano –
e não posso deixar de fantasiar que há algo de profético aí. Mas, entre tantos debates,
fui atraído por aqueles que pareciam mais direcionados ao meu espírito de
aprendiz de escritor. Em celebração aos dez anos do Prêmio SESC de Literatura, um encontro de gerações: a velha guarda,
de Lúcia Bettencourt e Jeter Neves; a atual, dos jovens Luisa Geisler e Rafael
Gallo; e a futura, da plateia fascinada.
Que reunião valiosa, de experiências compartilhadas e polêmicas
discutidas (há preconceito com o gênero de Fantasia em concursos literários?). Tantas
personalidades diferentes à mesa e, no entanto, todos semelhantes na paixão que
demonstram pelas palavras. Impossível não se sentir conectado com Lúcia, Jeter,
Luisa e Rafael – cuja descontração bastou para render-lhe mais um fã. E não só
com eles, mas com todos ali que sonham viver de literatura.
Igualmente proveitoso foi o bate papo com a agente
literária Lúcia Riff, o editor Lucas Telles e o escritor Flávio Carneiro sobre
mudanças no mundo literário e a interação, no processo de produção de um livro,
destes três atores principais. Entre os papeis de cada um, prós e contras da
autopublicação, desvalorização de autores e editores pelo modelo de negócio da
Amazon, o valor do profissionalismo editorial e outras polêmicas, destacaram-se
as falas do Flávio.
Parafraseando a poetisa e contista Cora Coralina (Ana
Lins), que conheceu quando jovem, o escritor afirmou que todo iniciante anseia
por escrever um livro com a tranquilidade de saber que este será publicado, mas
que a preocupação deve ser outra: escrever para ser lido (sim, há uma diferença
nada sutil aí). A virtude mais importante para um escritor é a paciência, ainda
mais em tempos onde a autopublicação, que não é algo recente, está cada vez
mais acessível.
O futuro das livrarias também foi foco de debate com Rui
Campos, proprietário da Livraria da
Travessa e Daniel Louzada, gerente de produtos da Saraiva, que completa 100
anos em 2014. A ausência de Rodrigo Ferrari, dono do Folha Seca, foi sentida; o ponto de vista da livraria autoral
enriqueceria mais o encontro. Parafraseando Umberto Eco, Rui disse que não se
deve contar com o fim das livrarias e que há quem guarde seus livros como
verdadeiros troféus.
Entre detalhes sobre a nova plataforma Publique-se da Saraiva e polêmicas sobre o livro não ser o melhor investimento
capitalista e sofrer com as políticas governamentais de fixação de preços que
impõe descontos de até 85% aos livreiros, o que marcou a discussão foi uma frase
proferida por Louzada em referência ao que chamou de hiperpublicação: “não há
mais autores que leitores; mais livros que leitores, sim”.
E então, em meu último dia na cidade, veio o momento
mais aguardado: o bate papo com o escritor carioca Eduardo Spohr e o mineiro
Ricardo Maciel dos Anjos sobre as estratégias para conquistar mais leitores. Acompanho
a trajetória de sucesso de Spohr desde o lançamento da primeira edição
(independente) de A Batalha do Apocalipse.
Já conhecer a experiência e as opiniões do Ricardo foi uma grata surpresa.
Ambos os autores falaram de suas trajetórias, contaram
histórias curiosas e divertidas sobre o relacionamento com os fãs e responderam
às perguntas de um público atento a cada dica. O encontro foi descontraído e,
embora o extrovertido Spohr tenha sido alvo de grande parte das perguntas,
foram do tímido autor de Saga de um Muno
Despedaçado – Continente Perdido as palavras críticas que mais ecoaram em
meu coração: “ao adulto não é permitido sonhar”.
O burburinho na Casa
dos Contos se esvai junto com as lembranças dos dias anteriores. Três dias
imerso em cultura e amor (e não só por palavras). Presente e talismã, o
bloquinho agora está preenchido e uma agradável sensação de completude me
invade. Noto o sol a pino por trás de nuvens cinzentas. Hora do almoço.
Enquanto caminho pelas ladeiras apinhadas, penso nas lições que o Fórum
proporcionou a este pretenso escritor.
Sem dúvida, acompanhar de perto os rumos do mercado
literário, as polêmicas e tendências, é recomendado. É importante ainda deixar
sua toca no chão ou sua torre de marfim e entrar em contato com outros colegas
de paixão e profissão, aprender com eles. Mas, como defendeu o jornalista
espanhol Garcia Martinez em debate, imprescindível mesmo para um escritor, mais
do que escrever, escrever, escrever, é viver.
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*Perfil: Tiago K. Pereira é escritor de
coração e servidor público por necessidade. Aficionado por letras, livros e curiosidades
do mundo nerd, Tiago busca realizar seu sonho de se tornar um escritor
profissional. Entre rascunhos de histórias e telas de programação, ele se
aproxima do mundo da literatura escrevendo no Escriba Encapuzado e para a seção Café Literário do blog Café
com Notícias.
- Para participar da seção Café Convidado, do blog Café com Notícias, basta enviar para o e-mail wander.veroni@gmail.com com um material de sua autoria. Pode ser uma reportagem (texto, áudio ou vídeo), artigo, crônica, fotografias, peças publicitárias, documentário, VT publicitário, spot, jingle, videocast ou podcast. Mas, atenção: pode participar estudantes de Comunicação Social (qualquer habilitação: jornalismo, publicidade, relações públicas, marketing, Rádio e TV, Cinema, Produção Editorial e Design Gráfico), profissionais recém-formados ou profissionais mais experientes de qualquer outra profissão. Participe e seja meu convidado para tomarmos um Café! OBSERVAÇÃO: Por ser editor responsável pelo Café com Notícias, o material enviado está sujeito a sofrer edição final para adequação da linha editorial abordada neste espaço.
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Jornalista
3 comentários
Já fui a Ouro Preto há muitos anos e sem dúvida esse Fórum das Letras deve ser algo absolutamente incrível por um unir literatura a esse cenário histórico. Parabéns pelo texto, Tiago!
ResponderExcluirFoi uma experiência incrível conhecer a cidade durante o Fórum. Pretendo voltar para a 10ª edição.
ExcluirAh, sim, e obrigado pelo elogio. ;)
Abraço.
Tiago K. Pereira – Escriba Encapuzado
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http://escribaencapuzado.wordpress.com/
https://www.facebook.com/escribaencapuzado
Olá, tudo bem? Eu adoro Ouro Preto. Lugar incrível! Abraços, Fabio www.fabiotv.zip.net
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