Novela Lado a Lado chega ao fim e deixa saldo positivo com o público e a crítica

março 08, 2013




Como uma novela de época consegue conversar tão bem com temais atuais? Era essa pergunta que me fazia enquanto assisti os 154 capítulos da novela das seis Lado a Lado. A trama escrita por João Ximenes Braga e Claudia Lage terminou nesta sexta-feira (08/03) com um dos melhores trabalhos de pesquisa histórica que já vi em uma novela de época brasileira. Como não amar uma novela que além de entreter, ainda dá uma aula de história do Brasil sem ser pedante?

Impossível. Elogiada pela crítica e pelo público, Lado a Lado chega ao fim com um saldo positivo que se faz muito necessário: ainda existe vida inteligente na TV aberta. Retratando o Rio de Janeiro do início do século XX, o folhetim conseguiu falar sobre o lugar social dos negros que foram enxotados para os cortiços e depois para os morros, de onde nasceram as primeiras favelas. Falou da dificuldade da independência da mulher na sociedade, falou de política e fez com que os fatos históricos se transformassem em ações de alguns personagens em cada capítulo. Clique aqui e leia a entrevista dos autores João Ximenes Braga e Claudia Lage.

Tudo isso de uma maneira natural e bem convincente. No final das contas, Lado a Lado falou mesmo sobre liberdade. Liberdade que ainda a sociedade luta para ter de forma plena. O folhetim falou, sobretudo, do quanto a sociedade precisa olhar para a História para não continuar repetindo os mesmos erros do passado. Lado a Lado também falou de amizade de duas mulheres, uma negra, outra branca, uma pobre, outra rica, que passaram por várias situações, mas continuaram sempre uma ao lado da outra.
Isabel e Zé Maria finalmente se casam no final de Lado a Lado. Foto: TV Globo / Divulgação.

Lado a Lado não foi bem de audiência. Mas, graças a Deus, a novela não sofreu com intervenções absurdas que poderiam mudar a delícia de ver a história do nosso país sendo retratada de forma tão poética. Na última semana, os autores conseguiram explorar um tema mega delicado que é a questão dos sanatórios. Houve uma época em que as pessoas também eram internadas em um hospício por pensarem diferente, por não ter religião e por quererem ser aquilo que são, sem máscaras sociais.

Ainda, de forma muito direta, Lado a Lado falou sobre a cultura negra – lacuna histórica que ainda precisa melhor trabalhada nas escolas. Mostrou o surgimento do samba, a força da capoeira e do candomblé. Mostrou negros altivos que estavam dispostos a se livrar dos grilhões do preconceito e da submissão. Nunca antes uma novela de época valorizou tantos os negros como Lado a Lado. E, posso confessar? Isso me encheu de orgulho.
Isabel, Tia Jurema e Berenice na construção do Morro da Providência.
Foto: TV Globo / Divulgação.

Um dos casais protagonistas, Zé Maria e Isabel, vividos por Lázaro Ramos e Camila Pitanga, mostrou, no fritar dos ovos, que os negros podem sim através do trabalho, do estudo e de muita luta para vencer o racismo, subir quantos degraus possíveis na escala social. Eles também foram exemplos da família brasileira contemporânea e mestiça. Lado a Lado instigou o público a conhecer mais sobre a história do povo afro-descendente que, de forma tão rica, ajudou a moldar a nossa cultura brasileira, por meio da música, das artes, da culinária e da fé.

E por falar em fé, como não falar de Tia Jurema, da talentosa atriz Zezeh Barbosa. Uma das personagens mais queridas de Lado a Lado. Com os seus conselhos, quitutes e carinho, ajudou a contar o quanto a cultura africana interferiu na europeia para criar a nossa cultura brasileira. Nunca vou me esquecer da cena da romaria na porta da delegacia onde boa parte do elenco resolve fazer uma manifestação pacífica pela liberdade da Tia Jurema que havia sido presa, injustamente, por praticar o candomblé. Infelizmente, até hoje, alguns grupos religiosos, por ignorância e maldade, continuam atacando a cultura negra.
Laura e Edgard, de Lado a Lado, vivem o par romântico de melhor química
da história das telenovelas brasileiras. Foto: TV Globo / Divulgação.

História e Liberdade

O folhetim também retratou com maestria a emancipação da mulher que, aos poucos, galgou o seu espaço na sociedade e ainda luta por direitos iguais e respeito. Houve uma época em que mulher não podia escrever ou se envolver em questões sociais. Hoje vemos as mulheres cada vez mais engajadas e as redações [de jornalismo] cada vez mais lotadas de mulheres.

Como a safra atual de novelas não anda nada boa – e cheia de mais do mesmo, Lado a Lado foi um oásis de inteligência e versatilidade. Com um elenco de primeira linha, a trama não teve um escorregão ou alguém que estivesse abaixo do tom. Todos arrasaram. Mas, os grandes destaques foram Marjorie Estiano e Patrícia Pilar. Sem dúvida alguma, as duas merecem o prêmio de Melhor Atriz 2013. Nesta última semana, o destaque foi de Laura e Constância que, merecidamente, roubaram a cena e emocionaram o público. Como poucas vezes nas novelas, mocinha e vilã, mãe e filha, roubaram a novela para elas em cada cena, em cada diálogo. Era pura tensão!
Patrícia Pillar como a vilã Constância, em Lado a Lado. Foto: TV Globo / Divulgação.

Desde Cordel Encantado e Avenida Brasil, eu não me sentia tão envolvido com uma novela como fiquei com Lado a Lado. Foi lindo ver no último capítulo o final de cada personagem. E diga-se de passagem, com ótimos desfechos. Foi simbólico o jeito como Berenice morreu, cheia de rancor e inveja. Ela se deixou levar pela cobiça e acabou caindo, sem querer, de um penhasco, segurando as joias que ganhou do envolvimento amoroso com o empresário e ex-senador Bonifácio Ferreira. Caniço foi preso e Zé Maria interviu para que Olavo – filho de Zenaide, que já tinha personalidade duvidosa, não entrasse de vez para o mundo do crime.

Mas o melhor mesmo foi o desfecho final de Constância, onde o Senador Assunção consegue pegar “duas galinhas numa paulada só”. Ele usa Catarina para se vingar de Constância e a vilã mais amada do Brasil nem percebe que havia caído na pegadinha do próprio marido. Sempre achei que a morte de um vilão na novela não era desfecho. Morte precisa ter um sentido como foi no caso da Berenice. Mas no caso da Constância, o pior castigo era viver na miséria e na solidão. E foi justamente isso aconteceu.
Equipe de roteiristas da novela das seis, Lado a Lado. Foto: TV Globo / Divulgação.

Insisto. Para mim, o saldo final de Lado a Lado é para lá de positivo. O público que pôde acompanhar essa novela conferiu de perto o melhor texto e, porque não dizer, o melhor elenco da TV brasileira em ação. Uma novela com poucos personagens e cheia de destaques. Laura e Edgard entram para a história da teledramaturgia como o casal romântico de melhor química no vídeo e Patrícia Pilar pode colocar no currículo duas vilãs (Flora e Constância) completamente diferentes e cheias de nuances.

Lado a Lado pode ter tido uma audiência ruim – na faixa dos 18 pontos de audiência, mas mesmo assim continuou líder absoluta no horário e sem um concorrente direto que a ameaçasse lhe tirar a liderança. Aliás, a novela foi uma prova viva de que nem sempre qualidade e audiência caminham juntas. Como telespectador, bato palmas para essa novela que já deixou saudade, muita saudade! “Liberdade, liberdade....abre as asas sobre nós”.




Gostou do Café com Notícias? Então, siga-me no Twitter, curta a Fan Page no Facebook, circule o blog no Google Plusassine a newsletter e participe da comunidade no Orkut.




Jornalista

MAIS CAFÉ, POR FAVOR!

8 comentários

  1. Adorei o teu texto e concordo com tudo. Quase morri chorando no último capítulo, um pouco pelos desfechos e outro pouco por saber que está acabando! Nossa, a cena da Laura falando tudo que ela estava segurando na cara da Constância foi de arrepiar, eu me idenifiquei pessoalmente com essa relação das duas pq tenho uma mãe mt parecida com a Constância, entendia cada sentimento q passava no coração da Laura e tbm cada vez q ela ainda mantinha a esperança de q a mãe tivesse alma. Só isso já me envolveu mt com a novela e, no mais, tudo perfeito. Isabel e Zé Maria estavam lindos no casamento... Ai, que saudade!!!! Concordo tbm que Laura e Edgar juntos faziam a gente sentir vontade de ser padrinho de casamento, hehehe. Um abraço, mt bom teu texto mesmo!

    ResponderExcluir
  2. Show de talento dos redatores, atores, diretores, técnicos... Tudo perfeito e na dose certa, problemas sociais, movimentos culturais, lutas políticas. Quem sabe, uma outra trama neste mesmo segmento, rompa as gavetas e computadores dos produtores e se tornem realidade televisiva. Que os patrocinadores entrem junto nesse "levante" e ajudem a revelar detalhes tão importantes da nossa história para o grande público. Marco/BH

    ResponderExcluir
  3. Acompanhei esta novela do começo ao fim e me apaixonei desde o inicio!
    Adoro história e filmes e novelas de época! Foi um prazer assistir ao enredo e os atores tão perfeitos em seus papeis! Alem dos protagonistas, destaco tb as atuações magistrais dos coadjuvantes do teatro alheira (queque em especial), os vilões masculinos extremamente gananciosos e as crianças da trama!
    Já me sinto órfã de uma boa teledramaturgia...

    ResponderExcluir
  4. Final da novela “Lado a Lado”. Há um bom tempo que não assistia um final de novela tão emocionante. Amei! Falaram que esta novela não tinha audiência, mas será que é porque a novela tinha negros e pobreza? Sei que o preconceito corre solto ainda no Brasil ou será ainda que era porque não teve safadeza, nem mulher pelada? Um dia quero assistir de novo no horário da tarde. Parabéns aos autores desta novela.

    ResponderExcluir
  5. Oi, Wander!
    Covardia comentar um texto tão completo, tão minucioso. Mas vamos lá, o desafio é ainda maior.
    Na verdade comecei a acompanhar a novela Lado a Lado por causa dos insistentes comentários desse jornalista dedicado a sua profissão. Lendo os elogios do Wander acerca do cunho histórico que a produção apresentava foi impossível como historiadora não me render à tamanha sedução.
    Fico feliz de tê-lo feito. Lado a Lado me surpreendeu positivamente. A abordagem feita pelos autores, trazendo uma visão do negro enquanto protagonista de sua própria história, derrubando o mito do negro indolente, sem atitude, que aceitava tudo o que o sistema lhe oferecia. Pela primeira vez vi uma produção fugir da visão eurocêntrica do negro no Brasil.
    Mas, devo confessar que o que mais me emocionou foi a postura da Isabel(personagem da Camila Pitanga) do Zé (personagem do Lázaro Ramos) quanta dignidade ofertada a esses personagens. Apresentaram os negros como de fato foram e são. Senti orgulho das minhas origens, das minhas raízes (embora sempre tenha tido).
    Há que se dizer que Lado a Lado deixou um legado para os negros que ainda não tenham se entendido como protagonista da história. Que é possível sim ser um grande jornalista negro, um grande educador negro, um grande qualquer coisa que se deseje ser.
    Ver a mulher negra pela ótica da Isabel é de encher de alegria todas as negras.
    Poderia ainda falar dessas últimas cenas da Patrícia Pillar na pele da Constância que não sei como, ou sei quase me fez pular no pescoço dela via TV(rsrsrs) a frieza com que falava, o egoísmo que tão fielmente reproduzia me convenceu e eu sair da frente da TV, pasmem. Só uma atriz grande pode provocar tais coisas.
    Lado a Lado, mostrou quem de fato é o negro e o porquê foi essa força que construiu esta nação. Somos muito mais que força física, somos persistência e inteligência.

    ResponderExcluir
  6. Não retratou fielmente a época. Se os negros e as mulheres viviam privados de "educação", como pode aqueles personagens falarem tão bem o português? As religiões afro-brasileiras eram proibidas, assim como a capoeira... Como pode uma personagem negra entrar na igreja defendendo sua religião como tanto conhecimento e coragem? "Pureza e castidade", "moças de familia" era muito comun, entretanto um cara levantou saia da outra na rua... E algumas girias do nosso tempo! Enfim, percebi muitos outros erros que nem caberiam aqui... Esses personagens foram muito avançados para seu tempo, rs! Houve muitas cernas fortes sim, mas no todo, a novela teve altos e baixos, e se perdeu!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Na minha opinião novela não tem que retratar de forma fiel a época em si, até pq é novela e não documentário. A visão difundida do após abolição é muito elitista e europeia. Quem garante que foi assim mesmo com tanta submissão? A liberdade poética do texto quis mostrar que os negros e as mulheres não eram submissos e que as mudanças sociais que temos hoje começaram nesta época e, com o tempo, foram evoluindo.

      Excluir