#Tecnologia: Por que a TV Digital Interativa no Brasil ainda não virou realidade para o telespectador?

junho 21, 2025


Se você é do tipo que ainda sonha em votar em reality show pelo controle remoto ou escolher o ângulo da câmera durante uma transmissão de futebol como quem troca de canal, talvez esteja esperando sentado há tempo demais. E não está sozinho. A TV digital interativa no Brasil é, ao mesmo tempo, uma promessa tecnológica fascinante e um daqueles casos típicos de “era pra ser, mas ainda não foi”. E a pergunta que ecoa como um eco incômodo é: por quê?

Para começar, é importante entender o que é, de fato, essa tal de TV digital interativa. Diferente do que muitos pensam, não se trata apenas de imagem em alta definição ou de um som mais limpo. A interatividade é a cereja do bolo: trata-se de transformar o espectador em participante ativo do conteúdo, não apenas um receptor passivo de imagens e sons. 

A mágica deveria acontecer por meio do Ginga, um middleware 100% nacional, desenvolvido em parceria entre a PUC-Rio e a UFPB, que possibilita que o usuário interaja diretamente com a programação por meio de aplicativos embutidos na transmissão digitalPoderia ser revolucionário. E, em partes, é. Mas só no papel. 

O Ginga nasceu com pompa e promessa de virar referência internacional, e até foi elogiado por especialistas mundo afora. O problema é que a realidade da implementação se arrasta há anos por falta de iniciativa das TVs comerciais. Estamos falando de uma tecnologia pensada nos anos 2000, prometida para 2013 (segundo decreto presidencial), mas que, mais de uma década depois, segue sendo um recurso praticamente invisível no cotidiano do telespectador brasileiro.

A interatividade, afinal, ainda não se materializou no controle remoto da maioria dos brasileiros. Um dos grandes motivos? Falta de interesse (ou será resistência?) das principais emissoras de TV aberta do país: Globo, Record, SBT, Band, RedeTV, TV Brasil e TV Cultura parecem estar mais preocupadas em adaptar seus conteúdos para o universo on demand e para os algoritmos das redes sociais do que em investir em uma tecnologia que, até agora, não mostrou um retorno claro de audiência ou financeiro.

Na prática, a TV digital interativa no Brasil requer uma verdadeira revolução nos bastidores da produção de conteúdo. Produzir um telejornal, novela ou game show com recursos interativos demanda roteiros adaptáveis, equipes técnicas especializadas e investimentos em infraestrutura. É trocar um motor com o carro em movimento. E, convenhamos, num país onde os cortes orçamentários em cultura e tecnologia são frequentes, essa troca não está na prioridade de ninguém.

As poucas iniciativas em andamento se concentram, em sua maioria, em emissoras públicas como a TV Senado, Rede Minas e a TV Brasil. Enquanto a multiprogramação, em até quatro canais simultâneos, outro recurso promissor da TV digital, já permite que uma mesma emissora transmita diferentes conteúdos simultaneamente, ainda estamos longe de uma experiência personalizada onde o usuário escolhe, por exemplo, entre bastidores, comentários de especialistas ou a transmissão tradicional.

E aí vem outra pergunta crucial: como essa interatividade pode mudar a produção de conteúdo no audiovisual brasileiro? Em teoria, completamente. Com ela, abre-se a possibilidade de criar narrativas não-lineares, como nas plataformas de streaming, adaptar conteúdos informativos e educativos para diferentes perfis de aprendizado, ou permitir que o público participe de enquetes, votações e decisões em tempo real, tudo sem sair da TV. 

Uma revolução narrativa e participativa que, se bem explorada, poderia recolocar a TV aberta como protagonista num cenário digital que hoje pertence quase que integralmente às redes sociais e ao streaming.

Mas, talvez o maior impacto da TV digital interativa nem seja no conteúdo, mas na medição da audiência. Com a interatividade, será possível saber exatamente quem está assistindo, quando, como e por quanto tempo. Adeus, amostragens limitadas do Ibope. Olá, dados em tempo real sobre o comportamento do público

Esse novo modelo de mensuração poderia não apenas revolucionar a publicidade televisiva, mas também oferecer conteúdos mais assertivos, desenhados com base nos hábitos reais do telespectador, e não apenas em suposições estatísticas.

O problema é que, até o momento, os grandes players da TV aberta parecem ter medo desse futuro. A interatividade não só exige investimento, mas também transparência. E nem sempre saber exatamente o que o público quer é interessante para quem ainda está preso a modelos antigos de audiência massiva.

E o público, nesse meio tempo, espera. Espera por um dia em que a TV aberta consiga dialogar com os avanços tecnológicos de forma mais ambiciosa e menos protocolar. Espera por uma experiência de consumo que ultrapasse o ato de sentar no sofá e apenas assistir. Espera, sobretudo, que esse potencial revolucionário chamado TV digital interativa deixe de ser um artigo de tese acadêmica e se torne realidade na tela da sala.

O curioso é que, enquanto isso, celulares, smart TVs e plataformas de streaming seguem avançando em um ritmo frenético. A Netflix já testa interatividade com episódios como Bandersnatch. O YouTube permite transmissões com enquetes, links e chat ao vivo. E a TV aberta? Ainda pergunta se você “tem certeza que quer mudar de canal”.

No fim das contas, talvez a maior crítica que se possa fazer à TV digital interativa no Brasil é que ela está presa entre o idealismo de um projeto tecnológico visionário e o pragmatismo de um mercado conservador e centralizado. O caminho até o público ainda passa por uma série de entraves: burocráticos, políticos, financeiros e culturais. 

Mas, quem sabe, com o avanço de políticas públicas mais voltadas à inovação e com a pressão da audiência cada vez mais conectada, a televisão interativa brasileira finalmente tire o atraso e comece a transmitir, de fato, aquilo que prometeu desde o primeiro sinal digitalEnquanto isso, seguimos no aguardo. Ou melhor, apertando o botão vermelho do controle remoto e torcendo para que, um dia, ele faça mais do que apenas desligar a TV.




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Jornalista

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