#DireitosHumanos: Quando a violência contra o idoso se torna uma ferida social silenciosa?
junho 22, 2025Há algo de profundamente errado quando aqueles que dedicaram décadas ao nosso cuidado passam a ser vítimas de violência dentro das suas próprias casas, comunidades ou instituições que deveriam protegê-los. Não é exagero. É dado. Em Belo Horizonte (MG), só nos primeiros cinco meses e início de junho de 2025, foram registrados quase 10 mil casos de violência contra pessoas idosas. E o número só cresce. O que estamos fazendo com o futuro que, mais cedo ou mais tarde, todos nós vamos habitar?
Segundo o Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, esses 9.972 registros incluem maus-tratos, negligência, violência física, psicológica, patrimonial e até sexual. Dentre eles, pouco mais de mil se tornaram denúncias formalizadas. O dado é um grito abafado de milhares de idosos que sofrem calados, por medo, dependência ou vergonha.
Minas Gerais, como um todo, ultrapassou os 54 mil registros no mesmo período. E isso é apenas a ponta do iceberg. Porque violência contra o idoso nem sempre deixa hematomas visíveis. Muitas vezes, ela se esconde em olhares cabisbaixos, em silêncios desconfortáveis, em contas bancárias esvaziadas. Ou seja, a perda de autonomia no ambiente familiar também é considerada uma violência.
Enquanto a população brasileira envelhece, dados do IBGE mostram que, entre 2010 e 2022, o número de pessoas com 65 anos ou mais cresceu mais de 57% ainda engatinhamos como sociedade na construção de um ambiente seguro e digno para quem chega à chamada “melhor idade”. Mas que idade melhor é essa quando o abandono é naturalizado, a violência é banalizada e o cuidado é terceirizado?
A campanha Junho Violeta tem justamente esse papel: tirar do conforto da invisibilidade a realidade da violência contra o idoso. E mais que apenas alertar, ela convida todos nós à responsabilidade coletiva. Como lembra Jorge Márcio de Souza Júnior, coordenador do curso de Direito da Faculdade Anhanguera, o cuidado com a pessoa idosa é uma tarefa que ultrapassa os muros das instituições e se estende a cada cidadão, familiar ou não. É na convivência diária, no respeito às limitações, na escuta ativa e no apoio real que se constrói uma rede de proteção efetiva.
E aqui cabe uma crítica construtiva e necessária: ainda tratamos o envelhecimento como um fardo, como algo a ser ignorado ou evitado. Quando muito, romantizamos a figura do idoso como “sábio” ou “experiente”, mas sem ouvir de verdade o que ele tem a dizer ou reconhecer suas vontades e direitos. É hora de atualizar o olhar. Envelhecer não é sinônimo de fraqueza: e os idosos não devem ser infantilizados nem vistos como incapazes. Eles são protagonistas de suas histórias, e merecem respeito, autonomia e segurança.
A violência institucional, muitas vezes praticada em clínicas, abrigos, repartições públicas ou privadas, é uma das mais cruéis, porque parte de quem deveria proteger. Mas, o abuso financeiro, a negligência afetiva, o desrespeito nas decisões sobre a própria vida também são formas de violência. E todas elas têm uma característica em comum: a covardia. Por isso, denunciar é um ato de coragem. De humanidade. De justiça.
Existem canais disponíveis 24 horas por dia para isso: Disque 100, Polícia Militar (190), Polícia Civil (197) e ainda o Ministério Público, especialmente a Promotoria de Justiça com atuação na área do Idoso. A denúncia pode ser feita por qualquer pessoa — vizinhos, amigos, profissionais de saúde, funcionários públicos. Ninguém precisa ter provas, basta o mínimo de suspeita para que as autoridades iniciem uma apuração. Afinal, na dúvida, melhor proteger.
Mas para além da denúncia, é preciso fomentar políticas públicas eficazes, formar profissionais qualificados, fiscalizar instituições e criar espaços de convivência e inclusão. É necessário enxergar o idoso não como alguém à margem, mas como parte essencial do presente e do futuro. Porque envelhecer é, na verdade, uma conquista. E quem chega lá merece celebração, não sofrimento.
Que os quase 10 mil casos registrados em Belo Horizonte (MG) não sejam apenas estatística. Que cada um deles nos empurre a agir, a cuidar, a ouvir e, sobretudo, a respeitar. Porque toda vez que uma violência contra o idoso é ignorada, uma parte da nossa humanidade também se perde. E essa conta, mais cedo ou mais tarde, vai chegar para todos nós.
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Jornalista
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