#ReportagemEspecial: Autêntica completa nove anos de vibração cultural em BH

abril 23, 2024


*Por Luh Pantoja


Quando comecei a fazer esse texto eu não fazia ideia de como iria resumir em poucas palavras nove anos de histórias, shows, parcerias, amigos, experiências, vivências, debates sociais e políticos. Tantos momentos saltaram da memória e quiseram escorrer para essas frases, mas acabei me atento a como tudo começou. 

Em 2015, atuava como produtora do saudoso programa Segunda Alternativa, da rádio Elo FM, e na busca por pautas, eu achei o Leo Moraes em uma entrevista ao jornal O Tempo, contando, com aquela sua alegria característica, sobre a abertura da @autêntica.bh

Pois bem, foi o suficiente para que eu, literalmente, batesse no portão de ferro da rua Alagoas, 1172, na Savassi, atrás da pauta, e por ali conquistasse não apenas a amizade daquele enorme sorriso que se abriu para mim junto com a porta, mas também experiências incríveis em que levarei para o resto da minha vida.

Autêntica

Há nove anos, nasceu em Belo Horizonte o espaço que se tornaria o coração pulsante da cena cultural da cidade: Autêntica. Em 2015, suas portas se abriram para receber não apenas shows, mas para abraçar artistas locais e nacionais, tornando-se um farol para a diversidade musical do que é produzido em solo mineiro.

Iniciando sua jornada na Savassi, tradicional bairro de Belo Horizonte, a Autêntica enfrentou grandes desafios e superou muitos obstáculos, porém sempre com a música palpitando em suas paredes e com o brilho nos olhos de quem ali se encontrava. 

Quando o mundo parou em 2020, o cantinho mais querido da Savassi também fechou suas portas, mas não o espírito que ali habitava. Renascendo das cinzas, em abril de 2022, a Autêntica se ergueu em um novo endereço, no bairro Santa Efigênia, ocupando o casarão histórico do Lapa Multishow, que havia sido palco de tantas outras histórias musicais importantes para a cidade, e que após seu fechamento em 2011, havia deixado uma lacuna na cena local. 

Com essa nova morada, a casa retomou seu lugar de destaque no ecossistema cultural de Belo Horizonte, oferecendo uma programação que transcende o ordinário e abraça o extraordinário. A Autêntica se mantém focada em seu compromisso com a cena musical de Belo Horizonte, ao mesmo tempo em que abre as portas para artistas de todo o país, fazendo ecoar a música brasileira para além das montanhas de Minas Gerais. 

Nesses 9 anos de existência, a Autêntica se tornou mais do que um espaço de shows, mas sim um local para comunhão da arte, da diversidade e da autenticidade artística que definem Belo Horizonte.

Batismo

O artista independente, jornalista e gestor cultural, Roger Deff enfatiza que a manutenção desta história não é simples e o desafio de todos os dias é continuar, permanecer em um cenário tão árido em termos financeiros como é a cultura, principalmente quando se opta por algo que tem viés curatorial em detrimento do que é apenas mercadológico. 

O jornalista relembra que tudo começou com as bênçãos de Mr Billy Cobham e foi chancelado depois por ninguém menos que Tom Zé, num lugar que foi destruído para ser transformado em estacionamento e que conseguiu voltar a ser o espaço que todos amamos. Há algo de poético nisso tudo, de coisas que pareceriam improváveis até para o mais otimista, mas foi assim, e é assim porque há quem encare o desafi”.

A compositora e musicista, Amorina, atribui a Autêntica seu batismo enquanto artista mineira. “A Autêntica é responsável por quem eu sou. O meu batismo foi feito pela Autêntica, feito pelo Léo. Teve um momento em que ele fez um cardápio com drinks com o nome dos artistas e bandas da cidade. Então, ele não só me colocou, o que eu já achei muito foda, como me colocou apenas como Amorina. Ele tirou o Karine, e me colocou apenas como Amorina. E foi a melhor coisa que aconteceu para a minha carreira porque de lá para cá eu lancei discos, aproveitei projetos e construí projetos gigantescos, como o Sonora. Tudo com esse nome, assim, muito carinhoso. Com essa força que é a Autêntica”.

Utopia

Eu convidei o artista e pesquisador, Francesco Napoli, para integrar essa pauta com uma fala, afinal, ele comandou o Sessões Autênticas, no palco da casa. Pois bem, ele não só animou, como me mandou uma narrativa tão própria e profunda que não consegui extrair apenas uma frase, e por isso, decidi transcrevê-la na íntegra. 

Sessões Autênticas: Utopia e cabeças maravilhosas por Francesco Napoli

Ah, a Autêntica… uma espécie de utopia sempre esteve por detrás desta casa de shows desde sua primeira existência concreta, na Savassi. O desejo de fomentar a cena musical e artística como um todo, de abrir a casa e o palco para os artistas, e de fazer de nossa cidade um lugar menos hostil para o artista independente sempre foi o que moveu e move as cabeças maravilhosas que mantêm esse sonho de pé. 

Essas mesmas cabeças criaram o “Sessões Autênticas”, e me convidaram para esse projeto. Tratava-se simplesmente de abrir o palco da casa, sem restrições e gratuitamente, para quem quisesse apresentar dois números musicais. Bastava se inscrever e as apresentações aconteciam de acordo com a ordem de chegada. 

Algo inacreditável para uma casa de shows em plena Savassi e com aquela infraestrutura profissional. Fui convidado, inicialmente, para apresentar os artistas inscritos, e logo fomos aperfeiçoando o formato inserindo artistas mais experientes da cena para serem os “jurados” e fazerem os shows de encerramento. Aí o formato se consagrou e com a chegada do “Som Dia” da Silvinha. 

O Sessões era assim: vinha o Luiz Rocha, compositor e ator do grupo Galpão, tipo um artista “profissional” e mostrava canções ainda em estado de composição, e logo depois entrava um garoto de dezesseis anos, que só tocou em seu quarto e tinha essa oportunidade de mostrar suas experimentações ruidosas naquele mesmo palco e ambos ouviam as impressões dos “jurados” em um bate-papo que só enriquecia a cena e os trabalhos de todo mundo que se mostrava ali.

Realmente uma espécie de cena artística utópica que trazia para a plateia músicos de diversas regiões da cidade, mesas cheias de pais e parentes e todo mundo ouvindo as conversas e as dicas dos “jurados”, tudo conduzido por mim naquele tempo pré pandemia que parece coisa do século passado...

Naturalmente, para sustentar esse evento que implicava toda a estrutura da casa, de profissionais no bar, portaria, técnico de som, segurança etc. eram necessário cabeças maravilhosas imbuídas de utopia mesmo, mas foi sempre isso que fez e faz a “Autêntica” existir! Viva Leo Moraes, Bernardo Dias, Tomás Gonzaga e Sérgio Lopes, Luiz Prestes e tantos outros que se identificam com essas cabeças maravilhosas!

Futuro

Em um bate papo com um dos sócios, Leo Moraes, ele narrou diversas histórias engraçadíssimas e tantos outros causos curiosos que permearam essa aventura chamada Autêntica. Durante nossa conversa, ele relembrou, além dos momentos memoráveis e sem apagar da experiência, o que também não deu certo nessa construção.

Com dificuldades para conseguir aprovações em projetos de incentivos, patrocínios empresariais, e até mesmo sob algumas críticas do setor cultural, Moraes afirma que o futuro da Autêntica é incerto.

Encerro esse texto desejando vida longa a esse lugar mágico que nos tocou tão profundamente e de tantas formas que seus sócios nem fazem ideia, e deixo aqui também, minha entrevista com o querido Leo Moraes, onde ele conta sobre o futuro da Autêntica! Confira o bate-papo, abaixo:

1. Como foi o processo de adaptação da Autêntica ao novo espaço no antigo Lapa Multishow, e qual a importância desse local para a identidade da casa?

O novo local é um imóvel histórico, onde funcionou o Cine Santa Efigênia. Um edifício que tradicionalmente abrigou cultura, então era importante para a cidade que ele voltasse a ser ocupado pelas pessoas. E a Autêntica sempre teve essa pegada de valorizar Belo Horizonte, sua história, e sua música. Eu sempre falo que o espírito da Autêntica é de continuidade, de respeito e reverência ao que veio antes, então a mudança para um local tão carregado de identidade e conexão com a população é uma honra.

2. Ao longo desses anos, como a Autêntica contribuiu para a projeção da cena musical de Belo Horizonte e quais são os principais desafios enfrentados para seguir mantendo essa missão?

Sem falsa modéstia, acho que a Autêntica foi um marco na música da cidade. A forma como a gente afirmava a questão de sermos um espaço para a música autoral local estimulou muita gente a investir nos seus projetos, pois passaram a sentir que havia espaço. 

A cena de BH cresceu muito nesses 9 anos, devido a uma nova geração de músicos que surgiu com uma nova mentalidade, como Lamparina, Marina Sena, Djonga. Houve a consolidação de alguns festivais importantes, e acho que a Autêntica teve um papel nesse movimento. Com o crescimento da casa, os desafios também cresceram, é ainda mais difícil fazer a conta fechar. 

A gente paga um preço alto pelas nossas escolhas de curadoria. O foco da Autêntica é a música, como sempre foi, e isso implica em um ticket médio de bar muito baixo, comparado com casas que têm um perfil de balada. Nosso público vai para assistir aos shows, e não pra consumir. Junte a isso os altíssimos custos de passagens aéreas, mais cachês inflacionados pela proliferação de festivais patrocinados, e a sustentabilidade fica cada vez mais difícil.

3. Como a casa lidou com a fase pós-pandemia e qual foi o papel da Autêntica na retomada da vida cultural da cidade?

A pandemia foi um trauma para todos, mas principalmente para o setor cultural. Fomos os primeiros a fechar e os últimos a abrir, e isso nos custou a perda de muitos espaços. Foi uma aposta muito arriscada a opção por voltar em um espaço maior, mas se a pandemia nos tirou muita coisa, por outro lado mostrou para as pessoas a importância dos ambientes de encontro. As pessoas voltaram sedentas por shows, festas, abraços, e a gente acabou pegando essa onda. 

A inauguração pós-pandemia aconteceu no dia que a prefeitura liberou a permanência sem máscara em lugares fechados, então a volta da Autêntica acabou concentrando três comemorações: o renascimento da Autêntica, a ocupação do Lapa (que tocou fundo na memória afetiva da cidade), e o “fim” da pandemia. 

Por isso, foi uma catarse, a maioria das pessoas ali não saía à noite havia dois anos. Para todo lado que se olhava eram abraços apertados, de amigos que não se viam a tanto tempo. E, dali em diante, o nosso mantra “A Vida é Vivo” virou um pouco a hashtag daquele momento histórico.

4. Como vocês buscam equilibrar a valorização de artistas locais com a atração de nomes nacionais?

Quase 70% dos artistas que tocaram na Autêntica nesses dois anos desde o retorno são locais. É claro que em um espaço maior há uma pressão para atrair públicos maiores, e não são muitos os nomes que conseguem encher a casa. Foram pouquíssimas as noites em que não teve um nome local na programação, e o número de artistas locais que foram headliners também é bastante expressivo, até pela safra da música mineira. 

Além disso, temos o projeto Baixo Mezanino, que é o xodó da casa, em que abrimos com uma configuração diferente, com capacidade para 200 pessoas, o que contempla artistas que estão em processo de formação de público, ou que simplesmente fazem uma música com perfil mais intimista, ou com menos apelo comercial. Foi pensando nessa turma que abrimos a Autêntica lá atrás, e é muito importante para a gente não perder a conexão com eles. 

É aí que mora o coração da cena, e esse trabalho de base e de reconhecimento da relevância e da importância de artistas assim é o que nos move. Eu, sinceramente, não conheço nenhuma casa do tamanho da Autêntica no Brasil ou em qualquer outro lugar que abra tanto espaço para a cena local.

5. Como enxerga o futuro da Autêntica?

A Autêntica está passando por um momento decisivo. Passamos por uma mudança de postura, e, também, de modelo de negócios no início desse ano. O fato é que sem um patrocínio substancial é impossível manter um espaço com a proposta como a da Autêntica. 

Não conseguimos alguns editais com os quais contávamos, como Funarte e Lei Paulo Gustavo, que pareciam ser feitos sob medida para a nossa proposta. Foi uma grande decepção, porque percebemos que o nosso esforço não é reconhecido pela comunidade cultural, ou pelo menos pelo poder público. 

Uma coisa que imaginamos é que talvez a exuberância do que a gente produz passe uma imagem de que a Autêntica é muito lucrativa, e que não precisa desses instrumentos de incentivo. 

Como eu disse anteriormente, a proposta cultural da Autêntica, e as decisões que precisamos tomar para manter a abertura e a diversidade que queremos nos torna muito menos rentáveis do que poderíamos ser se mudássemos a proposta. É frustrante sermos constantemente preteridos por esses editais, então esse ano decidimos focar na busca por patrocínios diretos de empresas. 

Até conseguirmos, a ordem é apertar o cinto, endurecer as negociações com artistas e produtores para reduzir riscos, e buscar outros tipos de evento, como corporativos, por exemplo. O fato é que alguma coisa tem que acontecer para mantermos a proposta. Então, respondendo à pergunta de forma muito objetiva: o futuro da Autêntica, como ela é hoje, é incerto.
 



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*Perfil:
 Luh Pantoja é jornalista cultural atuante na cena musical de Belo Horizonte desde 2012, permeia a carreira também pela fotografia, audiovisual e produções culturais em Minas Gerais.






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