#CriadoMudoNuncaMais: Etna exclui expressão racista, mas ainda tem postura limitada sobre o racismo

novembro 24, 2019



Por Sílvia Amâncio e Wander Veroni


No último dia 20 de novembro foi comemorado o Dia Nacional da Consciência Negra e o Dia Nacional de Zumbi, data criada em 2003 para celebrar a #culturaafricana no Brasil e manter vivo – para que nunca mais se repita – os relatos dos nefastos dos mais de 300 anos de escravidão do povo negro no país. Mas, você já parou para pensar que algumas palavras ou expressões do nosso idioma incentivam o racismo?

Esse ano, entre narrativas negacionistas e celebração da #culturanegra, tivemos uma novidade de posicionamento de uma loja varejista de móveis e decoração. No próprio dia 20, a @Etna lançou a campanha #CriadoMudoNuncaMais, em que exclui o termo “criado mudo” de suas peças, entendo que o termo é racista, substituindo-o por "mesa de cabeceira". Confira o vídeo:


Mesmo após o período de escravidão (1550-1880), ainda carregamos termos racistas como esse, mas sabemos que é sempre tempo de mudar e evoluir. Por isso, segundo a Etna, a empresa retirou o nome “criado-mudo” de todas as suas lojas, virtual e físicas. Então, como podemos chamá-lo daqui para a frente? Bem, ele já tem um sinônimo: mesa de cabeceira.

Em suas redes sociais, a pedagoga e docente na Universidade Federal do Ceará, @LolaAronovich, comentou a decisão da marca e disse que nunca é tarde para aprendermos. “Muito bacana a atitude da marca de móveis Etna. Ela retirou o termo "criado-mudo" do catálogo porque o termo é racista. Eu só aprendi que o termo é racista esta semana, no #DiadaConscienciaNegra Não vou mais usá-lo. Mesa de cabeceira é uma ótima substituição”, disse.

A decisão da Etna é um exemplo de posicionamento de marca, não apenas pelo viés da estratégia de marketing, mas porque reconhece o vício da publicidade em utilizar termos racistas, homofóbicos, sexistas, reconhece o erro e ainda firma um protocolo de intenções, acreditando que pequenas ações geram grandes transformações em relação a fatos e atos de nosso dia a dia que não podemos simplesmente ignorar.

Outro lado

Apesar da Etna assumir o uso da expressão racista e propor uma mudança de vocabulário dos seus sites e catálogos, a marca foi bastante criticada na web por ainda propor uma visão limitada sobre o tema e por não conseguir fazer uma comunicação anti-racista

A começar pelo vídeo que utilizou apenas modelos/personagens negros, sendo que o termo racista “criado-mudo” (e o próprio racismo estrutural na nossa sociedade) foi criado pela branquitude. Por que não há pessoas brancas lendo o significado de um termo racista no vídeo?

Não colocar modelos brancos (ou não-pretos) no vídeo sugere ao espectador a falácia de explicar o racismo aos negros, como se uma pessoa negra não soubesse ou fosse alheia a todo tipo de discriminação racial que ela sofre diariamente, seja com palavras, seja com atitudes. 

Claro, nem todos os negros têm a obrigação de saber todos os termos racistas, mas é preciso deixar claro que o racismo foi algo criado pela branquitude para perpetuação do Poder. Por isso, essa é uma luta que deve abraçar a todas etnias/raças. Nas redes sociais, a Etna foi bastante criticada por essa atitude: uma visão eurocêntrica de achar que o racismo é assunto apenas dos negros, quando na verdade é de todos nós.

Além disso, alguns internautas questionaram a empresa que, mesmo lançando a campanha, foi incapaz de reformular o seu catálogo e colocar mais personagens negros (ou de outras etnias) nas suas peças publicitárias. Outra indagação levantada na web é se a Etna possui em seus quadros de funcionários diretores, gerentes ou coordenadores negros. 

Ou ainda, se na equipe de comunicação da empresa há pessoas negras que tivessem poder fala para propor ajustes à campanha. Será que os negros que trabalham na empresa foram ouvidos ou participaram do processo de lançamento da campanha? São alguns questionamentos vistos nas redes sociais, mas que até o momento a empresa ainda não se posicionou. Caso a empresa queira, o blog se mantém aberto a recebê-lo.

E ainda tem um outro ponto que merece ser levado em conta: será que a marca pensou em contratar influenciadores digitais negros e brancos (sobretudo aqueles que trabalham com decoração, moda e estilo) para repercutir a campanha? 

Claro, a iniciativa de assumir que existe um móvel com um nome que perpetua o racismo é bacana, mas é preciso também que as agências tenham mais sensibilidade às pautas sociais e não se acanhem em procurar pesquisadores ou ativistas negros para que a campanha consiga eliminar alguns erros que, ao invés de contribuir para a luta anti-racista, só escancara o quanto o racismo no Brasil ainda se faz presente.

Racismo linguístico

Nesse embalo, o @cafecnoticias traz uma lista de expressões que podem ser excluídas de nossa vida, bem como nos textos que escrevemos de forma a extirpar o racismo linguístico. Afinal, em tempos de preconceitos institucionalizados e intolerâncias oficiais, não basta não ser racista, temos que ser anti-racistas, como diz a  socióloga norte-americana Angela Davis. Acompanhe:

- Denegrir: o significado de “tornar negro”, como algo maldoso e ofensivo, “manchando” uma reputação antes “limpa”. Utilize “Difamar”.

- “A coisa tá preta”: A fala associa a “preto” e uma situação desconfortável. Utilize “A coisa está difícil, complicada”.

- “Serviço de preto”: associado a uma tarefa realizada de forma desastrosa por uma pessoa negra. Utilize “serviço mal feito”.  

- Mercado Negro: usado para se referir ao mercado clandestino, paralelo, ilegal.

- Lista Negra: Lista ruim.

- Ovelha negra: Ovelha subversiva, do contra.

- Inveja branca: Traz a ideia do branco como algo positivo e preto com comportamentos negativos.

- Doméstica: Traz a ideia que os negros eram animais e precisavam ser domesticados.

- A dar com pau: Expressão originada nos navios que traziam pessoas escravizadas da África, em que muitos dos capturados preferiam morrer a serem escravizados e faziam greve de fome na travessia entre o continente africano e o Brasil. Para obrigá-los a se alimentar, um “pau de comer” foi criado para jogar angu, sopa e outras comidas pela boca.

- Meia tigela: Os negros que trabalhavam à força nas minas de ouro nem sempre conseguiam alcançar suas “metas”. Quando isso acontecia, recebiam como punição apenas metade da tigela de comida e ganhavam o apelido de “meia tigela”, que hoje significa algo sem valor e medíocre.

- Mulata: Na língua espanhola, referia-se ao filhote macho do cruzamento de cavalo com jumenta ou de jumento com égua. A enorme carga pejorativa é ainda maior quando se diz “mulata tipo exportação”, reiterando a visão do corpo da mulher negra como mercadoria. A palavra remete à ideia de sedução, sensualidade, objetificando e tratando como um produto o corpo da mulher negra.

- Cor do pecado: associa ao imaginário da mulher negra sensualizada e como se sua cor, utilizada de forma religiosa fosse um pecado e estimulasse alguma regressão moral.

- Ter um pé na cozinha: Forma racista de falar que uma pessoa tem descendência africana, em especial às mulheres negras que na época da escravidão deveriam ficar apenas nas cozinhas da casa grande.

- Negro(a) de traços finos: A mesma lógica do clareamento se aplica à “beleza exótica”, tratando o que está fora da estética branca e europeia como incomum.




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