#Comunicação: Imprensa acusa, investiga, processa e condena! Será que é esse mesmo o papel da mídia?

novembro 18, 2019

Crédito: Pexel / Reprodução. 

Por Sílvia Amâncio


O Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) pediu à justiça mineira o arquivamento da denúncia de estupro contra o auxiliar de educação física, Hudson Nunes de Freitas, de 22 anos, que trabalhava em uma unidade do Colégio Magnum, na região Nordeste de Belo Horizonte (MG).

Desde meados de outubro deste ano, Hudson vinha sendo acusado de ser o principal suspeito de cometer abuso sexual contra alunos menores de cinco anos. Durante toda a investigação, a imagem do jovem foi estampada em vários veículos de comunicação. Em entrevista, ele disse não ter se arrependido de mostrar o rosto. Mesmo assim, os veículos poderiam ter optado por não expô-lo. 

Por livre e espontânea vontade, juntamente com seu advogado, Hudson reuniu a imprensa e se colocou à disposição das autoridades para ajudar na investigação, afirmando sempre que era inocente e que iria provar que se tratava de um engano, de uma falsa acusação. Essa postura firme e sincera fez muita diferença para a condução do caso.

No Brasil, de acordo com o Código de Processo Penal, uma pessoa só pode ser acusada de um crime após o processo estar em “trânsito em julgado”, ou seja, foi condenado e não se pode mais recorrer, seja porque já passou por todos os recursos possíveis, seja porque o prazo para recorrer terminou ou por acordo homologado por sentença entre as partes.

Mesmo diante de denúncias como essa da qual Hudson foi acusado, mostrar o nome e o rosto do acusado, por mais que ele não se importe com isso, poderia ter contribuído para um linchamento moral, virtual e, até mesmo, físico, das pessoas querendo fazer “justiça com as próprias mãos”. A situação só não ficou pior porque grande parte da comunidade escolar se manifestou em apoio a Hudson, acreditando em sua inocência.
Hudson Freitas comemora a sua inocência das acusações, após o fim do inquérito. Crédito: Alex Araújo / G1 MG / TV Globo Minas. 
Com isso, após se encerrar esse pesadelo em sua vida, Hudson avalia possíveis ações judiciais de reparação por danos morais. Colégio Magnum o convidou para permanecer no quadro de funcionários, proposta que foi recusada de imediato. Mesmo assim, não se viu matérias questionando o quanto uma denúncia falsa pode acabar com a vida de uma pessoa. 

E esses pais que fizeram a denúncia, vão ser responsabilizados pela acusação falsa? Será que Hudson só foi acusado por ser um homem negro? Algumas dessas crianças foram realmente abusadas? A investigação continua, caso as crianças tenham sido abusadas? O que motivou essas famílias apontarem Hudson como suspeito? Ou seja, não teve espaço para o contraditório na mídia. 

Linchamento midiático

Mas esse assassinato de caráter acontece em vários lugares do mundo, e não só na imprensa nacional. Até mesmo na imprensa estrangeira, em países que não existem uma instância de regulação e responsabilização por esse tipo de comportamento, a mídia não faz essa mea culpa.

Quem é mais velho não se esquece do caso “Escola Base”, que foi largamente noticiado pela imprensa em 1992, mostrando uma escola de São Paulo em que os proprietários, o casal Tanoue, e o motorista da escola, foram acusados de estuprar as crianças que lá estudavam.

A primeira reação da imprensa foi estampar os rostos dos supostos suspeitos. O linchamento foi imediato. Nada foi provado, não havia pistas, provas, nada. Muitos repórteres ficaram conhecidos nacionalmente pela cobertura desse caso (Brito Júnior, Walmir Salaro, entre outros).

O caso foi encerrado pela justiça, mas sobrou o assassinato de caráter. Em 2012, a Rede Globo foi condenada a pagar R$ 1,35 milhão para reparar os danos morais sofridos pelos donos e pelo motorista da Escola Base. Já em 2014, o STJ também condenou o SBT de São Paulo a pagar R$100 mil a cada um dos donos
Manchetes sensacionalistas de alguns do jornais na época da "Escola Base". Crédito: Castbox / Reprodução. 

Podemos listar aqui outros casos de suspeita em que a imprensa pouco ou nada se importou em condenar antes mesmo de iniciar as investigações por parte da polícia científica. Segundo o Código de Ética dos Jornalistas, é claro o artigo 6º sobre o dever de "respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão".

No entanto, o professor e pesquisador do campo da comunicação Nelson Traquina, que faleceu neste ano, nos deixou um importante trabalho intitulado “Quem vigia o quarto poder?”, partindo do princípio que nossa sociedade se divide em quatro poderes: Executivo, Legislativo, Judiciário e a Imprensa.

A vigília proposta pelo pesquisador seria um órgão máximo, como um Conselho de Comunicação para coibir abusos e punir desvios de conduta. Alia-se a esse mecanismo, inexistente no Brasil, a participação do cidadão denunciando e cobrando das autoridades, no mínimo, que a imprensa apure melhor as denúncias e não exponha as pessoas em casos que geram revolta e clamor popular. Infelizmente, estamos longe disso.




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