#ReportagemEspecial: Doença do pênfigo foliáceo tem tratamento, apesar da falta de informação

abril 30, 2019

Créditos: Dr. Harout Tanielian / Science Photo Library / MSD Manual.  

Por Sílvia Amâncio e Wander Veroni


Imagine bolhas brotando pelo corpo que estouram causando ardência, coceira, odor e se tornando uma porta de entrada para inúmeras infecções. Trata-se de uma breve descrição do pênfigo foliáceo, uma doença dermatológica autoimune também conhecida como “fogo selvagem”.

Chega a ser assustador, não é mesmo? Mas, infelizmente, isso é muito, mas muito real! E, por incrível que pareça, se não for tratada a tempo pode até levar à morte. Calma, a boa notícia é que essa enfermidade tem tratamento e profissionais de saúde debruçados na busca da cura ou de uma melhor qualidade de vida aos pacientes. 

No passado, acreditava-se popularmente que este mal era ligado ao sobrenatural, uma espécie de Karma de pessoas que fizeram atrocidades com os seus semelhantes e, nesta encarnação, estavam pagando pelos seus pecados. O que levou muitas pessoas que possuíam o “fogo selvagem” a serem bastante discriminadas na sociedade e tratadas em sanatórios (ou colônias) de hanseníase, como aconteceu em Uberaba que possui um hospital que se tornou uma referência no tratamento desta doença tropical.

Com o avançar dos anos e com o desenvolvimento científico, o aparecimento da doença ganhou outra explicação. Um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade da Carolina do Norte (UNC-Chapel Hill), nos Estados Unidos, constataram que além da predisposição genética ao pênfigo foliáceo, há uma relação do aparecimento da doença autoimune à exposição a certos insetos hematófagos, como o flebótomo (vetor da leishmaniose, conhecido como mosquito-palha), o triatomíneo (vetor da doença de Chagas e popularmente conhecido como barbeiro) e o simulídeo (mosquito borrachudo).
Até hoje, os hospitais remanescentes de cuidado aos pacientes com pênfigo são mantidos por entidades ligadas ao Kardecismo no Brasil, caso do Hospital do Fogo Selvagem (Hospital do Pênfigo), em Uberaba, no Triângulo Mineiro Na imagem acima, a foto da Santa Inquisição. Mito que permeou durante muito tempo as crendices em torno da doença. Crédito: Amino Apps / Reprodução. 
O médico dermatologista Dr. Everton Siviero, do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), lembra que o pênfigo foliáceo era uma doença predominantemente rural e que o crescimento dos grandes centros urbanos foi diminuindo o número de casos a partir da segunda metade do século passado. Ele reforça ainda que, mesmo já naquela época, a doença já era associada a fatores ambientais, sobretudo a picadas de insetos (borrachudos).

"É importante lembrar que não se trata de uma doença contagiosa, apesar de se observarem casos familiares e aglomeração de casos em determinadas regiões. Estudos posteriores confirmaram essa relação da doença com picadas – um componente da saliva do inseto é semelhante a um componente da superfície das células da pele. Após múltiplas picadas, os anticorpos produzidos pelo indivíduo contra a saliva do inseto podem reagir com a pele, causando a doença, o que também depende de fatores genéticos (indivíduos geneticamente predispostos)", explica Siviero.

Em Belo Horizonte, o Serviço de Dermatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) vem prestando atendimento aos pacientes de pênfigo foliáceo. Porém, há 20 anos funciona como um ambulatório especializado no atendimento às doenças bolhosas autoimunes, de uma forma geral. 

Ainda, de acordo com o Hospital, são atendidos pacientes oriundos de todas as regiões de Minas e, inclusive, de até alguns estados vizinhos, sendo também um espaço importante de treinamento de médicos residentes e de outras especialidades dos serviços de saúde. 

Dr. Everton Siviero pontua que ainda há dificuldade para o tratamento da doença por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). "Os principais medicamentos que controlam a doença são os corticosteroides, mas eventualmente são necessários medicamentos com efeitos anti-inflamatórios, assim como imunossupressores. A dificuldade é que nem sempre esses medicamentos estão disponíveis na rede pública de saúde, tendo que ser adquiridos pelos próprios pacientes, sendo que alguns têm custo elevado".

Pênfigo em Números

De acordo com um artigo publicado por pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), já foram descritos na literatura médica casos nos estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Minas Gerais, Paraná e São Paulo. Por conta dos poucos estudos divulgados sobre o pênfigo foliáceo, estes pesquisadores tiveram que coletar dados de bancos hospitalares, de clínicas dermatológicas e centros de referência em dermatologia no Estado de Minas Gerais. 

Em 2013, época da publicação do estudo, a estimativa é de prevalência de 1,22 casos para cada 100 mil habitantes, ou 0,012 caso a cada mil habitantes. Isso mostra que a doença está controlada, apesar de ser negligenciada pelas autoridades, quando falamos principalmente na divulgação de campanhas informativas e de acesso ao tratamento de forma universalizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Créditos: Dr. Rajesh Shah / Life Force Homeopathy. 
No Brasil, os dados são muito isolados e nos mostra que a doença não está no escopo atual das políticas de saúde pública. Um trabalho realizado por Olívia Maria de Paula Alves Bezerra, publicado em 2017, revelou uma taxa de prevalência de 4,57/mil habitantes para a variedade endêmica do Pênfigo Foliáceo chama de “Fogo Selvagem” no distrito rural de Antônio Pereira, município de Ouro Preto (MG), em um período compreendido entre os anos de 2013 a 2015. 

Numa revisão, a ser publicada, realizada no serviço de dermatologia da Universidade Federal do Pará (UFPA), num período de 30 anos (1987 a 2017) foram observados 106 casos de pênfigos. A variedade vulgar foi mais frequente em 2016 e a variedade foliácea foi mais frequente em 2008.

Para a Dra. Clívia Oliveira Carneiro – médica dermatologista da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), professora de Dermatologia e coordenadora do ambulatório de Buloses da UFPA, os pênfigos têm uma incidência na população em geral variando entre 0,75 e 5 casos por cada milhão, sendo a variedade vulgar descrita como a mais frequente. 

"Estudos revelam que a incidência de pênfigo vulgar é alta entre alguns judeus, as populações japonesas e indianas. Já o pênfigo foliáceo é endêmico em uma área geográfica bem definida com focos em algumas regiões brasileiras", revela Dra. Clívia Oliveira Carneiro. A especialista comenta ainda que muito embora não seja uma doença contagiosa, por vezes ainda provoca repulsa, preconceito e marginalização dos pacientes. 

“Infelizmente como a doença manifesta-se através de bolhas, as quais em alguns casos disseminam-se no corpo do paciente, podendo provocar aspecto semelhante a um grande queimado. Inúmeras pesquisas clínicas têm sido realizadas para estudo epidemiológico, investigação da fisiopatologia e avanço no tratamento dos pênfigos, com o intuito do melhor controle da doença e, consequentemente, a melhoria na qualidade de vida dos pacientes. Recentemente, por exemplo, aliou-se ao tratamento, nos casos mais refratários, o emprego dos imunobiológico com resultados satisfatórios. Por isso, é muito importante que os pacientes com esta doença procurarem um dermatologista especialista pela SBD, pois ele é o profissional apto para fazer o correto diagnóstico, tratamento e acompanhamento do paciente”, finaliza a Dra. Clívia Oliveira Carneiro. 




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