#BBB19: Temporada ficará marcada pela invisibilidade das discussões sobre racismo na mídia tradicional

abril 14, 2019


O #BBB19 terminou nesta sexta-feira (12/04) em baixa, apesar de todo o debate sobre racismo, injúria racial e intolerância com as religiões de matiz africana que o programa trouxe à tona. Diferente de todas as temporadas do Big Brother Brasil, a edição de nº 19 ficará marcada pela invisibilidade das discussões raciais, sobretudo na mídia tradicional.

Nem mesmo a divisão entre “Vila Mix” e “Baile da Gaiola” – que separou os participantes brancos (teoricamente de classe média alta) e os negros (estigmatizados como mais pobres e favelados) em dois grupos, foi capaz de dar um gás na maioria dos participantes que optaram por não se posicionar de forma mais combativa no Jogo. 

Se por um lado o #BBB19 gerava debates acalorados nas redes sociais sobre as falas racistas de vários participantes, no outro lado, pela TV aberta, a TV Globo optou por suavizar as discussões e omitiu diversas falas no programa exibido na televisão que rendeu uma narrativa paralela que não fazia o menor sentido para quem, de fato, acompanhou a atração. 
Crédito: TV Globo / Reprodução. 
Além disso, parte da imprensa e dos influenciadores digitais que cobrem reality show (composto por pessoas brancas, em sua maioria), não conseguiram avançar no debate racial que o programa suscitava e, de forma rasa, preferiu apenas tachar a edição como ruim, como de fato foi, se analisarmos pelo prisma de que não houve nenhuma briga como nas temporadas anteriores.

Tudo isso colaborou para que o público fosse se afastando cada vez mais do reality show, enquanto as falas racistas de Paula, Isabella, Hariany, Gustavo, Diego e Maycon eram suavizadas ou omitidas pelo Mr. Edição do BBB19, por mais que o público nas redes sociais divulgasse trechos do programa que comprovam que o racismo foi algo real e gritante.

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O debate racial começou logo nos primeiros dias do programa, quando Izabella quis tirar Rodrigo do quarto por conta do ronco dele, apesar de ter outros dois participantes brancos roncando no quarto, a sister não disse nada sobre eles e se incomodou apenas com a presença de Rodrigo. 

Outro episódio marcante foi em um dado momento do reality show, em conversa com os colegas de confinamento, Paula disse ter se surpreendido quando viu que um cara que havia esfaqueado a mulher era "branquinho". Tempos depois, ela declarou ter medo de Rodrigo conquistar o líder da semana apenas por causa da religião dele. Clique aqui e confira outras declarações racistas de Paula.

Ironicamente, o próprio público deu a vitória a uma das participantes que mais teve falas racistas e que chegou, inclusive, a questionar o sistema de cotas nas Universidades; induzir uma ancestralidade equivocada de parentes negros; se referir a pessoas negras como “azuis” ou ainda afirmar a existência de “racismo reverso”, algo que não existe no Brasil. 





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Pensa comigo, gente: quando uma pessoa branca foi morta, agredida ou invisibilizada por ser branca? Uma pessoa branca pode sofrer preconceito, mas racismo não. Entendeu? Racismo e preconceito não são sinônimos, sobretudo quando nos referimos a população negra no nosso país. É importante deixar isso bem explicado para que não haja dúvidas, #talkey!

De acordo com informações do Portal Brasil, o crime de racismo implica conduta discriminatória dirigida a determinado grupo ou coletividade e, geralmente, refere-se a crimes mais amplos. Nesses casos, cabe ao Ministério Público a legitimidade para processar o ofensor. O crime pode ser denunciado a qualquer momento e não existe a possibilidade de pagamento de fiança por parte do criminoso. As penas são previstas no Art. 20 da Lei 7.716/89.

Apesar de muitas pessoas confundirem, por haver semelhanças entre os crimes, a injúria racial é diferente de racismo. A injúria consiste em ofender a honra de alguém valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. O alvo é um único indivíduo. No caso do #BBB19, Rodrigo foi um dos participantes que mais foi agredido, por mais que ele tenha tido uma postura conciliadora e educativa com os seus algozes.

A vitória da mineira Paula von Sperling, de 28 anos, com 61,09% dos votos, não foi à toa. Ela diz muito sobre esse momento político do Brasil em que o Presidente legitima o racismo institucional. Apesar dela ter faturado o prêmio de R$ 1,5 milhão, Paula terá que prestar depoimento à Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), no Rio de Janeiro, e poderá responder criminalmente por suas falas racistas durante toda a temporada e, ainda, ser processada pelos participantes negros que foram atacados no decorrer do programa por injúria racial. 

A segunda colocação do #BBB19 ficou com o catarinense Alan Possamai, de 26 anos, que recebeu 38,91% dos votos e teve uma participação tímida durante a temporada.

Não houve “flores no parquinho”, como suavizou Tiago Leifert nos discurso da final. Houve sim uma postura por parte da direção/edição do #BBB19 (e do próprio apresentador) de negar todo esse debate racial e esquecendo que o racismo não só adoece/mata a população negra, como também a sua invisibilidade contribui para que o crime de injúria racial persista na sociedade com expressões do tipo, “foi só uma brincadeira”, “esse é o meu jeitinho de falar as coisas” ou “o politicamente correto quer inibir a minha liberdade de expressão”. Não. Incitar esse tipo de ódio é crime. Não tem eufemismo, nem panos quentes.

Verdadeiras Flores

Se por um lado as falas racistas e preconceituosas provocavam nojo e vergonha alheia, o público que acompanhou o #BBB19, pode ser apresentado às discussões de autores/pensadores e de debates presentes no Movimento Negro que não tem espaço na mídia por meio dos participantes @GabrielaHebling, 32 anos, de Ribeirão Preto, e de @RodrigoFrança, 40 anos, natural do Rio de Janeiro. 

De forma didática e acolhedora, em muitos momentos os dois foram responsáveis por momentos lindos de debates e de verdadeiras aulas sobre empoderamento negro, cidadania e direitos humanos, sem parecer pedante ou dono da verdade.
Gabriela e Rodrigo fizeram a diferença no BBB 19 por fazer os participantes refletirem sobre racismo, machismo, feminismo e direitos LGBTQIA+. Foto: TV Globo / Reprodução. 
Muito criticado por não ter uma postura mais combativa, Rodrigo – que é dramaturgo e cientista social, nos fez parar para pensar várias vezes que não são todas as pessoas brancas que se ligaram que o racismo e a injúria racial são crimes e continuam perpetuando falas e ações por questões de educação familiar e de convivência social. 

E isso não se trata de suavizar o racismo dessas pessoas. É mais uma prova viva de que os assuntos relacionados a população negra não chegam e/ou são completamente ignorados por boa parte da população branca desse país. Por isso é possível entender a postura mais acolhedora de Rodrigo, como uma tentativa de formar no público possíveis brancos aliados para que o racismo seja extinto cada vez mais.

Já a cantora e designer Gabriela conseguiu ir mais além, justamente por apresentar pautas do feminismo negro em rede nacional de forma didática por meio de situações que foram acontecendo dentro da Casa, como no caso em que Paula chama o cabelo crespo de “cabelo ruim” e Gabi contra argumenta que não existe cabelo bom ou ruim, mas sim diferentes tipos de cabelos, tanto em pessoas brancas, quanto negras, e que esse termo pejorativo interfere na autoestima de milhares de garotas negras que recorrem ao cabelo liso como única expressão de beleza, quando na verdade não é. 

Foi Gabi que introduziu textos de Djamila Ribeiro e de outras pensadoras do feminismo negro no reality show, provando o quanto esse movimento é acolhedor e tem um papel super importante de traduzir questões complexas de sociologia, filosofia e antropologia para a realidade das pessoas.

Se houve mesmo “flores no parquinho” essas flores não vieram dos finalistas do #BBB19, mas sim das mãos de Rodrigo e Gabriela – e porque não dizer de todo o “Baile da Gaiola” formado por Rízia, Danrley e Elana, que também contou com duas pessoas brancas aliadas, como Hanna e Allan, que de forma muito segura se posicionaram contra as falas racistas e preconceituosa do “Vila Mix”, não só dentro do programa, mas também na mídia e nas redes sociais. 
A amizade entre Danrley e Elana rendeu duas vitórias seguidas na Prova do Líder do BBB19. Foto: TV Globo / Reprodução. 
Além disso, o racismo foi algo tão escancarado por uma ala da imprensa – e pelo Mr. Edição do BBB19, que até houve uma tentativa de “vilanizar” Danrley e Elana na época das lideranças seguidas por acreditarem que eles estavam deslumbrados pelo Poder da Liderança, quando na verdade eles estavam apenas sendo mais estratégicos diante do ataque do “Vila Mix”. 

Esse episódio culminou na saída deles do Jogo, mas não no carinho do público aqui fora. Paula pode até ter ganho esta temporada e ser uma pessoa do bem, mas será lembrada sempre pela fama de racista e intolerante. E isso não tem milhão de reais que dê conta de ajustar. 

Se o Mr. Edição do BBB19 quis tentar nos vender Paula como uma nova Siri (Iris Stefaneli, do BBB7), o tiro saiu pela culatra. Nessa edição em especial, ganhar a temporada não significa exatamente uma vitória, pois a rejeição é alta aqui fora, sobretudo nas redes sociais. Racistas não passarão!




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Jornalista

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