Afroconveniente, oportunismo ou inclusão: afinal, o que é ser negro no Brasil?

novembro 26, 2017

Foto: Unsplash / Reprodução. 

O que é ser negro? O que é ser branco? O que é ser pardo? Será que apenas os aspectos físicos, econômicos e sociais podem nos definir e, dessa forma, nos encaixar em uma determinada cor de pele e/ou etnia? Em um país miscigenado como o Brasil, será mesmo que podemos criar essa caixinha do X ou do Y? Ser negro é sofrer racismo? Ou ainda, ser negro é ter lábios grossos, nariz arredondado, cabelo crespo e pele preta? O que é ser negro, afinal?

Nesta última semana, em meio aos muitos debates em torno do Dia da Consciência Negra, me deparei de forma filosófica sobre estas questões, principalmente depois que as redes sociais e a imprensa repercutiram o caso de uma moça mineira, que se autodeclara parda – mas é socialmente aceita como branca (ou mulher não-preta), ter passado no processo seletivo de Mestrado de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

No Brasil, os sistemas de cotas nas Universidades públicas permitem que o aluno se autodeclare no processo seletivo como uma pessoa de pele parda ou preta para ter acesso ao “benefício”. E quando falo essa palavra “benefício” coloco ela entre aspas, porque mais do que um benefício, o sistema de cotas é um pagamento de uma dívida histórica do nosso país à população negra que, durante anos, foi marginalizada ao acesso ao ensino superior. Hoje, graças às cotas, podemos ver as universidades mais coloridas e, principalmente, o mercado de trabalho.

Mas, voltando ao assunto: a questão é que, para algumas pessoas, o caso da aluna de Mestrado da UFMG é considerado afroconveniente, uma vez que ela, por ter a pele mais clara, mesmo tendo avós negros, nunca passou por racismo e possui privilégios sociais que uma pessoa de pele escura da periferia não usufrui.

Mas, aí que está a questão: o que é ser negro? O que é ser pardo? Limitar o povo negro ao fenótipo dos traços grossos, cabelos crespos e pele mais escura não dá, pois sabemos que há pessoas negras de vários tipos físicos. Ainda, se formos mais longe, podemos ver que nas tribos africanas, da costa norte ao sul da África, há negros de vários tipos e feições, desde os de pele mais escura, aos de pela mais clara, passando pelo cabelo crespo, encaracolado e liso. Neste link é possível ler mais sobre isso.

Daí fico pensando que, ao invés de tentarmos entender o quanto é importante começarmos a trabalhar autoestima, auto aceitação e de, principalmente, colocarmos os pardos como aliados na luta diária de enfrentamento ao racismo, acabamos os expulsando, ao invés de acolhe-los. Nesse sentido, muitos pardos, não se sentem brancos – mesmo que socialmente possam ser aceitos como brancos, mas também não se sentem negros por não ter a pigmentação da pele mais escura.
Exemplos de pessoas de pele parda (ou não-branca e ou não-preta pigmentada). Fotos: Unsplash / Reprodução. 

Nesse ponto, sou radical: somos todos negros. Independente do tom da paleta de cores que a pele de cor preta possa ter na nossa sociedade, do tom mais claro, ao mais escuro, precisamos trabalhar essa autoestima, essa aceitação social de que somos todos negros. E porque falo isso? Porque o Brasil ainda é um país racista. 

Há não muito tempo atrás, as pessoas tinham vergonha de se assumir como negras e, por isso, foram se criando “apelidos” para mostrar a diversidade de tons de pele que existem no Brasil. E isso, nada mais é do que uma prova viva do racismo cultural que ainda vivemos. Quando mais próximo do tom de pele clara alguém for, mais privilégios sociais ele irá usufruir. E isso é muito triste. Precisamos mudar isso. E a mudança começa do negro entendendo a sua história, o seu valor e, principalmente, trabalhando a sua autoestima. 

A exposição “Polvo” em 2014, da artista plástica Adriana Varejão, nos mostra muito bem isso quando ela consegue listar 33 nomes “criativos”, oriundos de um censo do IBGE, que são nada mais, nada menos, um eufemismo sociocultural para classificar as pessoas de pele parda e preta. O interessante da exposição é que ela nos permite ver, de forma visual, o quanto a nossa paleta de tons de pele é diversa, principalmente para os pardos, que possuem raízes afroamericanas.

Portanto, essa história toda é muito mais do que ser a favor ou contra a estudante de Mestrado da UFMG. Aliás, um comitê da própria universidade foi formado para apurar o caso e vai decidir sobre isso. Não quero ser juiz de internet. Minha função não é essa. Mas achei corajosa a postura da moça de não ter medo de dar a cara à tapa na mídia e de incitar a importância desse debate sobre as cotas. 

Será que precisamos debater então os critérios das cotas? Então, só as pessoas de pele preta poderão ter o benefício? Não sei. Mas o debate foi levantado não só para que falemos de cota, mas sobretudo, que falemos de aceitação e de autoestima da população negra. Afinal, o que é ser negro no Brasil? Para mim, é ser muito mais que uma cor.

No vídeo abaixo do youtuber Spartakus Santiago assista uma discussão sobre apropriação cultural e colorismo. Confira:






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