#EscravaMãe: Novela chega ao fim trazendo debates importantes sobre a escravidão no Brasil

janeiro 09, 2017

Foto: Record TV / Reprodução. 

Nesta segunda-feira (09/01), a Record TV exibe o último capítulo de #EscravaMãe, novela que inaugurou uma nova fase na teledramaturgia da emissora que havia arrendado, em 2015, os estúdios do RecNoV, em Vargem Grande, no Rio de Janeiro, à produtora Casa Blanca. Foi com essa produção que a Record e resolveu apostar novamente em um segundo horário de novelas, às 19h30.

E a aposta deu certo. Com uma média de 11 pontos de audiência e totalmente gravada, a novela #EscravaMãe mostrou-se mais que um spin-off de “A Escrava Isaura”, baseado no livro de Bernardo Guimarães, e das novelas de 2004 (remake feito pela Record) e de 1996 (novela produzida pela Rede Globo) que focaram mais no romance dos protagonistas, do que no debate social implícito na história.

A trama escrita por Gustavo Reiz conseguiu imprimir na TV aberta uma história viva, com protagonistas e antagonistas bem construídos, além de temas que até então outras novelas de época não ousaram em abordar como o levante de escravos, a força dos quilombos, os movimentos abolicionistas, o conflito de classes e o machismo – uma vez que as mulheres brancas também não eram livres para decidir sobre o seu corpo ou a sua própria vida. 

Juliana (Gabriela Moreyra), mãe de Isaura, que protagoniza a novela, mostra toda uma discussão sobre a situação da mulher negra. Na novela, ela nasceu vítima de estupro que a mãe dela sofreu ainda nos porões do navio de escravos trazidos da África. Anos depois, ela foi criada como dama de companhia de uma das filhas de um grande senhor de engenho de cana de açúcar. 

Todos da casa não se cansam de repetir que Juliana havia sido criada como filha pelos senhores por ter sido alfabetizada. Mas, na hora do serviço de casa, quem fazia tudo era Juliana. E quem decidia sobre o seu futuro não era ela, mas sim o seu senhor. Em uma cena emblemática, Juliana esfaqueia o feitor da fazenda que tenta estupra-la. Mesmo assim, o seu senhor ordena que ela leve chibatadas na frente de todos os escravos para que ela não desafie mais o feitor, nem que tenha privilégios. 

Em nenhum momento os seus senhores questionaram que ela poderia ter sido estuprada e estava apenas se defendendo. O olhar era de que ela havia sido insolente, ou seja, era tratada apenas um objeto. Foi daí que Juliana passa a se questionar como pessoa e a querer decidir sobre a sua vida, sobre os seus desejos e sonhos. Querer tomar as rédeas da própria vida é na história o maior crime que uma mulher negra poderia cometer em uma sociedade branca heteronormativa do século XVIII. 

Se Gustavo Reiz conseguiu criar uma mocinha firme e, ao mesmo tempo, doce, do outro lado os vilões da novela como Fernando Almeida (Fernando Pavão) e Maria Isabel (Thais Fersoza) deram todo o ritmo da trama, mesclando tons de maldade e soberba. Ambos nasceram mimados e representam bem os filhos dos senhores de engenho daquela época que não sabiam ouvir um “não” como resposta, sempre desafiando os limites éticos e de justiça para o seu prazer individual. 

Maria Isabel durante toda história mostrou uma inveja fora do comum à Juliana, perseguindo inclusive o par romântico da escrava a ponto de forçar um casamento que não vingou por falta de amor. Outro ponto alto da história é quando Maria Isabel chicoteia Juliana quase até a morte. Juliana é levada a um quilombo pelo feitor para cuidar das feriadas e, assim que se recupera tenta fugir com o amado Miguel (Pedro Carvalho), mas são detidos por um Pirata, dentro de um navio. 

Com medo do possível enforcamento de Juliana e Miguel, o fato promove um levante de escravos que além de forçarem um protesto a favor do casal eles passam a dizer, de forma coletiva, que não querem ser mais castigados à toa, arrastando Maria Isabel pelas ruas até a Câmara Municipal, como forma de negociar com os senhores. Como telespectador, nunca vi nada parecido na TV aberta. 

Por ser uma novela do início do horário nobre as cenas de castigo aos escravos eram menos realistas e mais subliminares, com apenas o som do chicote ou com as feridas feitas com efeito de maquiagem. Em apenas uma única cena, talvez a mais chocante da novela, o escravo Genésio (Rogério Brito) tem a mão cortada pelo feitor Osório, que naquele momento havia assumido de forma interina, o posto de capitão da guarda da vila de São Salvador. 

#EscravaMãe chega à reta final com um saldo bastante positivo e com uma estratégia um pouco ousada por parte da Record que resolveu emendar o final da novela com a reprise de “A Escrava Isaura”. As tramas, embora mostrem continuidade da história, tem pontos que não se cruzam como nomes de personagens e funções na história. 

Por exemplo, na obra de Bernardo Guimarães Miguel era feitor do engenho de Juliana, diferente do que se passa na novela. Outro ponto que não bate é o nome da esposa de Almeida. Em uma novela ela se chama Tereza e em outra Gertrudes. Com toda certeza, o telespectador vai ter que entrar na viagem que cada história propõe para não se frustrar tanto com esses pequenos detalhes....mas nada que possa tirar o mérito das obras em questão. 

Mesmo tendo 354 anos (1534 a 1888) de escravidão negra no Brasil essa parte da história ainda é pouca conhecida do grande público e que até hoje interfere de forma significativa na nossa sociedade por meio de racismo, segregação social e discurso de ódio. 

As torturas, mutilações, estupros, assédios e castigos dos mais diversos níveis eram comuns nas senzalas e, que até hoje, reverberam na nossa vida. De certa forma, as novelas de época conseguem dar luz a esses debates e, consequentemente, mostrar que ainda há muito que se conquistar na questão da igualdade racial.



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