#CaféConvidado: Por um Brasil onde a Coxinha volte a ser um salgado
abril 04, 2015
Na seção Café Convidado desta semana, o ativista do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MSTS), professor e filósofo, Guilherme
Boulos, fala sobre a crescente disseminação do “pensamento coxinha” entre
alguns grupos de classe média branca elitista da sociedade. Na verdade,
o texto original foi publicado no jornal Folha
de S. Paulo.
O artigo é tão bom que, pela primeira
vez, abri uma exceção e irei reproduzir um texto de outro veículo. Tenho a
impressão de que quando os editores da Folha se tocarem que o texto está no
site, ele vai ser apagado. E como muita gente não conseguiu lê-lo por não ser
assinante do jornal, creio que vale reproduzi-lo aqui no blog. Abaixo, confira o texto na íntegra:
O pensamento Coxinha
*Por Guilherme Boulos
O
orgulho coxinha entrou na moda. Muitos andam por aí, nas ruas e nas redes,
autoproclamando-se "coxinhas" sem nenhum pudor. Virou identidade
positiva. O coxinha se considera trabalhador, estudioso, um cidadão de bem que
cumpre seus deveres. É contra a corrupção e privilégios que firam a
meritocracia.
Mas,
já nos ensinou Freud, sempre é bom desconfiar do juízo que as pessoas fazem
sobre si próprias. Os coxinhas que têm infestado o debate político atual não
são exatamente modelos de retidão e coerência.
São adeptos do "dois pesos, duas medidas". Sua visão tacanha do mundo, que dificilmente resiste à crítica, com frequência descamba para o ódio e a intolerância. Substituem os argumentos por xingamentos. O coxinha se indigna com os R$ 25 bilhões que o Estado paga anualmente ao Bolsa Família, mas acha normal os R$ 978 bilhões pagos por este mesmo Estado ao bolsa banqueiro.
São adeptos do "dois pesos, duas medidas". Sua visão tacanha do mundo, que dificilmente resiste à crítica, com frequência descamba para o ódio e a intolerância. Substituem os argumentos por xingamentos. O coxinha se indigna com os R$ 25 bilhões que o Estado paga anualmente ao Bolsa Família, mas acha normal os R$ 978 bilhões pagos por este mesmo Estado ao bolsa banqueiro.
Ele
sai às ruas de branco pedindo redução da maioridade penal quando um cidadão de
classe média é assassinado, mas mantém seu silêncio sorridente ao saber que, a
cada dia, dois jovens pobres são mortos pela polícia de São Paulo.
Acha
que a corrupção no Brasil começou com o PT e faz vistas grossas ao trensalão,
ao escândalo do HSBC ou ao aeroporto do titio. O coxinha, ao saber que as riquezas
do 1% mais ricos ultrapassarão a dos 99% restantes no mundo em 2016, atribui
isso ao trabalho e esforço desse 1%, mesmo estando sem dúvida alguma entre os
99%.
É
contra privilégios desde que não sejam os dele. Queixa-se de que o aeroporto
virou rodoviária e de que a classe média já não pode ter empregada doméstica. O
coxinha se mobiliza contra a corrupção, mas não lhe passa pela cabeça defender
o fim do financiamento privado das campanhas eleitorais, fundamento de 11 entre
10 escândalos de corrupção no Brasil.
Para
ele, o mundo se divide entre esforçados e vagabundos. Por isso é contra as
cotas e programas sociais. Se os negros ganham 42% em média a menos que os
brancos, deve ser porque trabalham menos. Se ainda há pobres é porque se
escoram no Bolsa Família e não querem aprender a pescar.
O
pensamento coxinha é primário. Não passa por elaboração crítica e não resiste a
cinco minutos de questionamento. Numa típica formação reativa, transforma a
insuficiência em insulto. Mostra que entre a inconsistência e a agressão há
apenas um passo.
Alguns
dizem que a onda coxinha revela o nascimento de uma nova direita no Brasil.
Direita sim, nova nem tanto. São apenas os velhos ranços, preconceitos e
indignações seletivas da porção mais conservadora da classe média que
encontraram ocasião para sair de algum canto do armário.
Recomenda-se
que guarde os fascismos para si. Quando se é racista, misógino e antipopular
abertamente, tendo ainda auditórios para aplaudir, é mau sinal. O orgulho
coxinha simboliza o emburrecimento do debate público no Brasil.
» Fotos: Sites UOL, Tudo Gostoso e Culinária Gostosa.
» Para quem ficou com água na boca das imagens dos salgados exibidas na postagem e quiser aprender a fazer a receita culinária de coxinha, clique aqui.
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*Perfil: É formado em filosofia pela USP,
professor de psicanálise e membro da coordenação nacional do MTST. Também atua
na Frente de Resistência Urbana.
- Para participar da seção Café Convidado, do blog Café com Notícias, basta enviar para o e-mail wander.veroni@gmail.com com um material de sua autoria. Pode ser uma reportagem (texto, áudio ou vídeo), artigo, crônica, fotografias, peças publicitárias, documentário, VT publicitário, spot, jingle, videocast ou podcast. Mas, atenção: pode participar estudantes de Comunicação Social (qualquer habilitação: jornalismo, publicidade, relações públicas, marketing, Rádio e TV, Cinema, Produção Editorial e Design Gráfico), profissionais recém-formados ou profissionais mais experientes de qualquer outra profissão. Participe e seja meu convidado para tomarmos um Café! OBSERVAÇÃO: Por ser editor responsável pelo Café com Notícias, o material enviado está sujeito a sofrer edição final para adequação da linha editorial abordada neste espaço.
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5 comentários
Toda vez que leio algum texto sobre a temática presente fico zangada, brava, irritada, começo a pensar no que estou lendo e quando vejo já estou conversando com o autor do texto sobre o assunto, acrescentando mais duzentas coisas rsrsrs. Não tem jeito, quando se pensa, reflete e se conhece essa realidade exposta aqui, a gente fica brava mesmo. O que os coxinhas não aceitam e não vão aceitar nunca é que estamos caminhado quase que de forma igualitária e o medo deles é que o "quase" deixe de existir. Mas quer saber? Como diria a Pitti, "o choro é livre" e eu não volto pra senzala pra agradar coxinha". Vai de retro!!!
ResponderExcluirOi, Sil. Obrigado pelo comentário. Adorei o que você escreveu. O triste disso é pensar que os "coxinhas" ignoram a História do Brasil na sua última instância e apelam para o senso comum, o conservadorismo, ao ódio e a intolerância como uma forma de ganhar no grito. E, infelizmente, tem muito coxinha que não se assume coxinha...rs. E como você disse: Vai de retro!!! :D
ExcluirÉ de espantar que um texto sóbrio e elucidativo como esse tenha sido publicado originalmente em um folhetim tosco, que prega o ódio e a burrice coletiva como a Folha de S. Paulo. Sempre evito ler sobre "coxinhas" para não revirar o estômago, mas esse texto tocou em um ponto importante: a a incoerência. Quem escolhe esse modo de agir "coxinha" é tão raso em argumentos que não merece atenção, muito menos espaço. Faço votos que a coxinha volte a ser famosa pela gastronomia e não pela canalhice e baixeza intelectual. E sempre fica a dica: Menos ódio, mais amor, mais livros de história. #PAZ
ResponderExcluirTambém achei surpreendente a Folha publicar este artigo tão lúcido sobre o tema. E, por isso resolvi compartilhá-lo aqui no Café com Notícias. Obrigado pelo comentário, Silvia! :)
ExcluirIsso, Sil!! Mas sabe de uma coisa esses coxinhas nos deram uma oportunidade de mostrar a nossa força intelectual, de mobilização, de enfrentamento. Há que se posicionar mesmo contra isso. A oportunidade chegou, vamos à luta!
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