12 condenados pelo Mensalão e os embargos infringentes

setembro 18, 2013

O último a votar no julgamento do Mensalão sobre a validade dos embargos infringentes foi o ministro Celso de Mello. Foto: José Cruz/ABr.

Após uma acalorada e desgastante sessão na tarde desta quarta-feira (18/09), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que 12 dos 25 condenados ao mensalão terão direito a uma reavaliação das suas penas, graças aos embargos infringentes.

Trata-se de um recurso que em tese, segundo a legislação vigente, deveria ser usado quando há dúvidas diante de uma questão e uma falta de sintonia na decisão final entre os magistrados.

Mas, neste caso, algo muito grave aconteceu: ao começar um novo julgamento, tudo pode acontecer – inclusive, absolvições. É impossível adivinhar o que se passa na cabeça de um juiz.

Mas, você pode estar se perguntando: o que são embargos infringentes? Previsto no artigo 333 do regimento interno do STF, este recurso só pode ser apresentado por réus que receberam pelo menos quatro votos pela absolvição, mas acabaram sendo condenado pela maioria dos ministros.

Desse modo, o recurso possibilitará um novo julgamento para os casos destes condenados que obtiveram uma margem apertada para a decisão final da sentença.

É a primeira vez na história brasileira que o STF decide usar os embargos infringentes para uma ação penal e que poderia representar um novo marco no capítulo da história do Brasil, principalmente na questão do enfrentamento à corrupção e a politicagem. Mas, o que vimos foi mais “pizza”, infelizmente.

Os ministros que votaram a favor da utilização deste recurso foram Luiz Alberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello. Já os que votaram contra foram Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Carmem Lúcia, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello.

Com isso, os beneficiados com os embargos infringentes foram o ex-ministro José Dirceu (PT); o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares; o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP); o deputado e ex-presidente do PT, José Genuíno; o publicitário Marcos Valério; o ex-sócios de Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach; a dona do Banco Rural, Kátia Rabello; e o ex-dirigente do Banco do Brasil, José Roberto Salgado.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o presidente da Corte, Joaquim Barbosa, durante o julgamento do Mensalão. Foto: José Cruz/ABr.

No julgamento do mensalão, não há dúvida de que os embargos infringentes foram utilizados como retórica pelo ministro Celso de Mello – ou no popular, uma “desculpa esfarrapada” para adiar ainda mais uma decisão que está na cara para a população brasileira, e não para alguns juízes.

Em seu discurso, Mello chegou a convocar a independência do magistrado para não se deixar seduzir diante da opinião pública. A Justiça não deveria ser um ponto importante e rápido para o clamor do povo?

O problema dos embargos infringentes é muito mais sério. Com a entrada dos ministros Luiz Alberto Barroso e Teori Zavascki que substituíram Carlos Ayres Britto e Cezar Peluzzo, a chance de alguns deles serem absolvidos é muito maior, uma vez que os novos ministros podem não representar a opinião dos colegas anteriores e votarem baseados neste novo contexto.

Desde quando mamar nas tetas do dinheiro público e montar um gigantesco esquema de propina e politicagem é algo que vem latente apenas do senso comum? Não. Isso não é independência. É dependência. Muitos dos acusados do mensalão já estiveram no Poder ou estão até hoje nos bastidores como interlocutores.

A impressão que fica é que os Três Poderes do Brasil não são independentes. São co-dependentes. Um exemplo grosseiro disso é que o Legislativo cria as leis que serão aplicadas pelo Judiciário. E o judiciário tenta encontrar brechas legais para que as suas teses e argumentos sejam embasados na legislação e, sobretudo, na interpretação individual.

Interpretação. Esta é a palavra-chave das leis brasileiras e que precisa ser revista. Prova disso é a ressuscitação dos embargos infringentes, no qual o ministrou Celso de Mello usou e abusou da história brasileira para justifica-lo.

Ao que parece, o atual contexto de manifestações por Justiça no Brasil, a explosão da população nas ruas em junho e julho, o clamor por mais participação popular e menos canetada, não foi invocado. Uma pena porque trata, justamente, de um momento histórico recente do nosso país que não sequer levado em conta.

Do ponto de vista leigo, parece até uma afronta à nossa inteligência. Um grupo de pessoas comete um crime, desviam dinheiro, contribuem para a permanência da politicagem no Brasil e ainda têm a chance de ter a pena reavaliada. Isso é justo?

Do ponto de vista legal, os ministros optaram por uma nova apresentação de recursos no processo, uma vez que não há consenso entre eles. Para esse caso do Mensalão, isso é mesmo válido? Não basta toda a conjuntura do que foi levantado e apurado?

Quem sabe um dia, a Justiça seja justa. É hora de abrir os olhos e equalizar a balança. O Gigante precisa acordar de novo. Ano que vem temos eleições. Dois pesos, duas medidas.




Foto: José Cruz/ABr.





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Jornalista

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11 comentários

  1. Concordo plenamente com o voto do ministro Celso de Mello, e pois discordo desse texto em algumas questões.

    Não acho que o ministro tenha errado ao dizer que o juiz não deve deixar se levar pelo clamor público. A justiça tem sim, que respeitar a Constituição e o que nela vai, mesmo que a contragosto do povo. Não sendo assim vamos estar diante de um tribunal de linchamento, não de justiça. Uma justiça que deixa se guiar pelo clamor público coloca em risco a vida de qualquer cidadão, eu e você. Não podemos defender essa monstruosidade de forma alguma. O maior exemplo da história dá conta do que é capaz o clamor público: levou Jesus Cristo à cruz. Nota a margem: não estou comparando acusados, mas métodos semelhantes de justiça.

    No caso dos Embargos infringentes, isso nem deveria estar em discussão e acredito que os ministros que votaram contra o fizeram à margem da lei. Ele é de fato um direito dos réus. No governo de FHC foi tentado derrubá-lo, mas a Câmara o manteve. Não se trata, portanto, de interpretação de juiz. Duralex sedlex.



    Ainda sobre o uso dos Embargos infringentes usados pela primeira vez, há que se observar que o STF, pra condenar, lançou mão de um argumento jurídico e controverso, a saber: a teoria do domínio do fato. Sem o qual não havia como condenar alguns réus, visto que provas não foram encontradas.

    Sei muito que o código penal em nosso país é um arcabouço que privilegia ricos e poderosos e defendo uma reforma urgente. Porém, não posso defender um tribunal que vá à margem da Constituição pra mostrar que também condena "ricos e poderosos". Isso abre um precedente perigoso para a entrada de todo tipo de demônios e promoção de linchamentos à revelia.

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    1. Oi Ary!

      Respeito o seu ponto de visto e agradeço o seu comentário aqui no blog. Mas, não posso concordar que uma interpretação de uma prerrogativa legal seja usada pelos nossos magistrados para corroborar a impunidade de uma forma implícita.

      Aliás, há tempos que o Brasil está se especializando numa nova modalidade de censura judicializada em benefício a politicagem. Isso é muito preocupante!

      Para mim, o mensalão e qualquer outro esquema de desvio de dinheiro pública, propina e politicagem deveria ser tratado como crime hediondo, no ponto de vista moral, principalmente.

      Pelo fato de, em tese, o Judiciário ser um poder independente, seria um momento ideal para apontar ao Legislativo a necessidade de se repensar as leis, ou melhor, trabalhar em prol do coletivo e não em benefício próprio. Para mim, neste caso do mensalão, ouvir o clamor popular é ser coerente. Os embargos infringentes pode até ser legal, mas foi usado como manobra, o que é uma pena.

      Um forte abraço

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  2. Discordo.

    Conferir "amplo direito de defesa" não acho que seja corroboração de impunidade. Repito: no caso dos infringentes não se trata de interpretação mas sim um procedimento que consta no regimento interno do STF e que foi outrora discutido pela CCJ da Câmara e mantido. Se os embargos infringentes fossem negados aos réus certamente isso ia desemboucar em tribunais internacionais de direitos humanos e ia ficar muito feio para a Suprema Corte em tê-lo suprimido.

    Como disse anteriormente, concordo plenamente que as leis devam ser revistas, mas não é, de forma alguma, prerrogativa do judiciário e é perigoso que assim o seja. Não se trata de defender réu A ou B, trata-se de defender a Constituição.

    Sobre o chamado clamor público uma pesquisa Datafolha dá a letra:Apenas 19% se dizem devidamente informados sobre o mensalão enquanto que 82% diz querer prisão imediata dos réus. É um erro muito grande ter isso como base.

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    1. Oi Ary!

      Não estou falando do "amplo direito de defesa", mas sim da morosidade do judiciário em resolver esse caso do mensalão que se arrasta desde 2005. É muito tempo para algo que, na minha avaliação, está mais do que na cara. Todos ali são culpados. A corrupção é algo que afeta TODA a sociedade. E digo mais: deve ter ainda mais gente que conseguiu escapar das denúncias do mensalão.

      Sou cético em relação as pesquisas paulistas de opinião porque elas não condizem com o restante do Brasil. Em sua grande parte são feitas por amostragem apenas na cidade de São Paulo. Elas servem para os residentes de lá, não para o contexto nacional.

      O momento do caso do mensalão pede uma postura ousada dos ministros em relação a se posicionar diante da impunidade, do crime, da politicagem que é histórica no Brasil. E é este aspecto que precisa ser levado em conta.

      Um forte abraço

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  3. Um adendo: Não acredito que Celso de Mello, decano do Supremo, teria deixado se levar por manobras pra dar seu voto. Celso de Mello, vale dizer, foi um crítico ferrenho dos réus durante todo o julgamento.

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    1. Eu não duvido de nada, uma vez que os ministros e juízes assumem o cargo por meio de indicação política. Claro que o mérito e capacidade de cada um são levados em conta, mas é nos bastidores que a coisa pega. Uma mão sempre lava a outra. E o Dirceu é um interlocutor político/empresarial fortíssimo ainda. Infelizmente, o jogo é esse.

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    2. Ainda no início do julgamento ele já se pronunciado favorável aos infringentes.

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  4. Mas o mensalão se arrasta desde 2005 não por causa do STF, mas da própria PGR que demorou tempo demais para fazer as investigações, colher provas e finalmente oferecer as denúncias. E diga-se de passagem, algumas provas ficaram mesmo no campo dos indícios, motivo pelo qual foi preciso o Supremo lançar mão do controverso argumento jurídico "teoria do domínio do fato".

    Sei muito bem dos problemas crônicos de corrupção que envolvem a sociedade, mas acredito que não vai se resolver isso atropelando direitos legais de defesa dos julgados. Isso só se resolve com reformas no código penal.

    Não acho correto defender um tribunal que se deixa levar pelo clamor público porque isso abre precedentes perigosíssimos e ameaça a todos nós.

    Celso de Mello foi um dos que mais votou contra os réu e um ferrenho crítico, mas ele teve a sabedoria de separar as coisas. E soube respeitar a Constituição e conferir aos acusados o direito de defesa inerente e previsto na lei.

    Se o mensalão demorou pra ser julgado não é com pressa agora e atropelando direitos que se vai resolver isso. Sob pena de, embora bem visto pelo povo, se transformar num tribunal de linchamento.

    Abçsss

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  5. Margareth de Menezes19 de set. de 2013, 11:01:00

    Oi Wander! Li o post do seu blog e consegui entender um pouco melhor este caso. Mas, tão bom quanto o post, é a seção de comentários do seu blog. O seu debate aqui com o Ary está muito rico. Uma verdadeira aula. Cada um defendendo o seu ponto de vista com nível e respeito, o que é muito bacana de se ver na internet. É por isso que sou fã do seu blog. Beijos

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  6. Francisco Bertoletta19 de set. de 2013, 11:18:00

    Wander, concordo em partes com o seu posicionamento e também com o do Ary.

    Se pensarmos na questão jurídica da coisa, o ministro Mello chamou os embargos infringentes como uma forma para que os mensaleiros não pudessem mais usar de nenhum artifício para contestar no STF.

    Por outro lado, a sociedade fica aqui acompanhando este julgamento que está se arrastando por um bom tempo e que vai durar pelo menos mais seis meses, se for otimista.

    Concordo com a Margareth. O debate proposta no comentário ajuda a entender muito mais a notícia do que muito grande jornal por aí na internet. Parabéns pelo espaço, meu caro.

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  7. Valeu Margareth e Francisco.

    Fico feliz que tenham gostado do debate.

    Também agradeço ao Wander, que permitiu esse debate. É sempre um prazer discutir com o Wander que, embora tenha opiniões divergentes sempre se conduziu pelo respeito e o bom nível.

    Abraços

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