Livro narra detalhes do drama da esquizofrenia sob o ponto de vista de um pai

setembro 02, 2010



A esquizofrenia é uma doença mental caracterizada pela perda da capacidade de integrar emoção e realidade, provocando uma grave desestruturação psíquica. Geralmente, a pessoa com esquizofrenia possui delírios, alucinações e comportamentos que revelam a perda do juízo crítico. Leia mais sobre a doença aqui

Mas, como essa doença pode afetar o ambiente familiar? Foi pensando nisso que o cirurgião-dentista Mario Sergio Limberte, 69 anos, natural de São Paulo, escreveu o livro “Cadê minha sorte?”, lançado em novembro do ano passado pela editora Scortecci. A obra também será lançada em Portugal e em outros países de língua portuguesa ainda este semestre.

O livro conta a luta de um pai na busca do melhor tratamento para o filho diagnosticado com esquizofrenia e que faleceu por conta dos medicamentos antipsicóticos. André era um garoto muito talentoso, cheio de virtudes e aptidões para vencer na vida. De acordo com o autor, os surtos, delírios e alucinações da esquizofrenia causaram ao filho dele perdas cognitivas importantes no tocante à memória, ao raciocínio lógico e à capacidade de concentração.

De uma maneira franca e bastante intimista, o autor conta o próprio drama pessoal: as suspeitas até ao diagnóstico do filho caçula, que era portador de esquizofrenia e faleceu por causa dos efeitos colaterais dos antipsicóticos. Ainda na obra, ele propõe uma série de debates em torno do uso desses remédios, além de servir como um guia para as pessoas que convivem de perto com essa situação. Para falar mais sobre este assunto, o Café com Notícias entrevistou 
Mario Sergio Limberte. Acompanhe: 

1) Como surgiu a ideia de escrever o livro "Cadê minha sorte?" ? Como tem sido a aceitação do livro entre os médicos, pesquisadores e pessoas com esquizofrenia?

A melhor arma para se lutar contra uma doença incurável é a informação. Ao tomar conhecimento do diagnóstico do meu filho, "mergulhei" nos livros para conhecer a doença. A literatura médica brasileira ajudou muito, mas queria ouvir depoimentos de pais e de portadores. Em 1995, no Brasil, não encontrei nenhum livro com essa abordagem. Foi então que decidi encomendar livros do exterior e fazer pesquisas pela internet. 


Nos últimos dez anos, acumulei informações que muito me ajudaram e que são úteis aos pais e às famílias, em geral. Baseado nessa premissa decidi escrever o livro "Cadê minha sorte" (Ed.Scortecci). Não posso falar da aceitação dos médicos em geral, mas tenho recebido muitas mensagens de solidariedade. Não endosso nenhuma teoria ou tese médica comentada no livro. 

As informações citadas são baseadas em extensa bibliografia e não na minha opinião pessoal. Quanto aos pais e pessoas com esquizofrenia, a solidariedade é extraordinária! As pessoas lêem o livro que eu gostaria de ter lido anos atrás. A satisfação de abrir meu coração dando meu depoimento aos pais que sofrem com o problema me acalenta. Sinto meu filho André mais perto de mim.

2) O senhor acredita que o livro possa ajudar os pais a entenderem ou a lidar melhor com a esquizofrenia?

Não tenho a menor dúvida quanto a isso. Nas conversas que tenho tido com pais, percebo que a maioria está confusa e, às vezes, tomando atitudes erradas.

3) Como o senhor suspeitou que o seu filho tinha esquizofrenia?

Não suspeitei que ele estava com esquizofrenia, porque não tinha noção do que era essa doença. Comecei a perceber que estava ocorrendo algo de errado quando ele, aos 18 anos, passou a se isolar dos amigos, ficar trancado no quarto por longos períodos, ter o afeto diminuído, dizer-se perseguido pelos professores. 


A esquizofrenia aparece insidiosa e traiçoeiramente sem que os pais a percebam na adolescência - o que faz com que a gente confunda com rebeldia adolescente, revolta contra o sistema, etc. Baseados nas minhas informações, os psiquiatras que consultei diziam haver suspeitas da doença, mas precisariam ter mais informações e conhecer meu filho pessoalmente. 

Meu filho se recusava ir ao médico, dizia: “Pai eu não tenho nada, você é que está estressado de tanto trabalhar e que precisa ir ao médico”. A pessoa não tem "insight" da doença. Ela simplesmente não acredita e não se julga doente. Quando ocorreu o primeiro surto, aos 22 anos, daí não tive dúvidas.

4) Assim como a ABRE (Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia), o senhor também luta para mudar o nome da doença-estigma? Na sua avaliação, mudar o nome da esquizofrenia pode ajudar a diminuir o preconceito em torno da doença?

A palavra esquizofrenia é semelhante a lepra nos tempos antigos. As pessoas se afastam tão logo sabem que alguém tem a doença. É sinônimo de loucura, hospício e violência. São três as "marcas " impostas aos doentes de esquizofrenia:

I. preconceito: sinônimo de opinião e julgamento a priori sem maior conhecimento;

II. estigma: sinônimo de marca negativa , infamante e desonra;

III. discriminação: sinônimo de separação, isolamento e diferenciação.

Antes se designava o "transtorno maníaco-depressivo" de estigmatizante: imagine estar ao lado de alguém maníaco? Isso causa preconceito aos desinformados. Hoje se fala "transtorno bipolar" e as pessoas não se impressionam mais. Um pai afirma que o filho é bipolar sem causar constrangimento ou medo nas pessoas. A mudança da terminologia e a informação podem ajudar a melhorar o processo de socialização da pessoa que possui a doença.

5) No livro, o senhor conta que teve que vencer a própria depressão para poder cuidar do seu filho. Conte um pouco de como foi esse processo? 


Após consultar seis médicos, psicólogos e descrever o que acontecia com meu filho, me foi sugerido que poderia ser esquizofrenia. Corri a procura de um livro que explicasse a doença. Ao ler as primeiras páginas, comecei a entrar num "túnel" onde me via de frente para a descrença, a não aceitação, a revolta e a depressão. 


André, o meu filho, era um menino lindo, brilhante nos esportes, faixa preta de tae-kwon-do, graduando em odontologia, querido por todos, perseguido pelas garotas e, tecnicamente, não poderia ter essa doença. Mas ele teve. E isso mostra que a doença não escolhe um perfil, nem tipo característico. Assim começou uma depressão grave que foi controlada após terapia medicamentosa e psicológica. Afinal, eu deveria estar "inteiro" para ajudar meu filho a enfrentar as adversidades que viriam.








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Wander Veroni
Jornalista

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