#CaféEntrevista: Pablo Villaça fala sobre o cinema brasileiro e seus desafios

junho 18, 2010


Do século XIX, quando os Irmãos Lumière criaram o primeiro cinematógrafo, até os dias de hoje, muita coisa mudou no mundo da sétima arte. E pra melhor, diga-se de passagem. O que era apenas uma experiência científica derivada da fotografia se transformou em um dos negócios mais lucrativos da indústria do entretenimento.

De acordo com a Associação de Filmes da América (The Motion Picture Association of America), apenas as produções cinematográficas norte-americanas, conseguem faturar cerca de US$ 260 bilhões por ano, seja com venda de ingressos, distribuição, parque temáticos e produtos licenciados. 

Um estudo recente mostra que das 100 maiores bilheterias do cinema de todos os tempos, 93 são produções exclusivamente dos Estados Unidos, país que detêm 25% do mercado mundial de filmes.

Já no Brasil, o cinema ainda caminha a passos bastante tímidos, em comparação à nação comandada por Barack Obama. Graças a Lei de Audiovisual da Agência Nacional de Cinema (Ancine), criada em 20 de julho de 1993, que as produções audiovisuais brasileiras conseguem um incentivo financeiro para continuar de pé. Quando essa lei foi criada, o Brasil vivia em outro contexto.

Em 1990, o governo Collor decidiu encerrar os trabalhos da Embrafilme, a estatal que durante 20 anos foi responsável por fomentar a produção nacional. Três anos mais tarde, com o intuito de dar um novo gás às produções nacionais, a Lei de Audiovisual nasce com um prazo de dez anos para ser extinta.

Porém, isso não aconteceu. E, ao que tudo indica, esse decreto será prorrogado por mais alguns anos. Atualmente, há uma série de discussões se o cinema brasileiro é auto-sustentável a ponto de não depender mais desse incentivo governamental. 


Como diria o grande cineasta Glauber Rocha, “o cinema é uma ideia na cabeça, e uma câmera na mão”. Mas, como uma indústria que precisa ser lucrativa sobrevive apenas de ideias e ideais? No dia 19 de junho, é comemorado o Dia do Cinema Brasileiro.

A pergunta que fica é se realmente temos o que comemorar ou reivindicar? Para ampliar o debate em torno do cinema brasileiro, o Café com Notícias entrevistou o escritor mineiro e crítico de cinema, Pablo Villaça, 35 anos. 


Ele é o editor responsável pelo site Cinema em Cena, uma verdadeira referência na internet quando o assunto é sétima arte. Sem papas na língua, Pablo sabe falar como ninguém as nuances de quem acompanha de perto as produções cinematográficas no Brasil e no mundo. Abaixo, confira a entrevista:


1) Pablo, como surgiu o Cinema em Cena na sua vida? Há quanto tempo existe o projeto? Quantas pessoas trabalham com você no site?

O Cinema em Cena foi ao ar em 14 de Outubro de 1997, o que o torna o site de Cinema mais antigo da Internet latino-americana ainda em existência, encontrando-se prestes a completar 13 anos. Com uma redação composta por 5 profissionais (além de dois colunistas e um blogueiro), temos também uma equipe técnica excepcional em função da expertise do Grupo AeC, sócio do site desde 2001 e que permitiu que o projeto crescesse e se tornasse, hoje, o único veículo para o qual escrevo como crítico.

Pablo Villaça é critico de cinema e editor do Cinema em Cena. Foto: Alex Pimentel.


2) O que é preciso para fazer uma boa crítica de um filme? O gosto pessoal do crítico pode atrapalhar essa tarefa?

Toda crítica é uma combinação equilibrada e orgânica de elementos puramente objetivos, que exigem muito estudo sobre História, Teoria e Linguagem cinematográficas, e outros mais subjetivos que ajudam a formar o referencial do espectador/crítico - e que deve, sim, incluí-los em seu texto final.

3) Você lê críticas de filme? Se sim, quais os seus críticos preferidos? Vc se espelhou em algum ou admira de alguém?
Leio apenas quando já publiquei a minha própria ou quando não irei escrever sobre o filme em questão. Nestes casos, sim. Faz parte do aprendizado contínuo - e meus críticos favoritos são, na ordem, Roger Ebert, Luiz Carlos Merten e Manohla Dargis. Pauline Kael se manteria no topo da lista caso ainda estivesse viva, e em atividade, claro.

4) O cinema brasileiro passou por vários fases de produções, linguagens e durante um período do governo foi praticamente extinto. Na sua avaliação, quais são as contribuições dessas obras para a cultura brasileira?
Como disse Eric Rohmer, todo bom filme também é um documentário de sua época - e, assim, um país sem Cinema é um país sem memória. Felizmente, o Cinema brasileiro vem produzindo cada vez mais e com maior qualidade, permitindo que várias facetas de nossa realidade sejam espelhadas na tela. Creio ser apenas questão de tempo e persistência até que o público finalmente percebe a riqueza de nossos filmes.

Pablo Villaça no escritório do cineata Martin Scorsese, durante o Seminário de Crítica promovido pelo NY Time. Foto: Arquivo pessoal.


5) Qual é a sua opinião sobre o cinema brasileiro atual? Ele ainda vive da sombra da linguagem da TV aberta ou já criou uma linguagem própria?
Digo sem hesitação que o Cinema brasileiro contemporâneo está entre as filmografias mais ricas do planeta. Há, sim, alguns poucos cineastas que carregam numa linguagem televisiva por julgarem que isso atrairá um público acostumado às novelas, mas estes são poucos e inexpressivos.
6) E na sua opinião: como anda o cinema independente e a produção de curtas no Brasil? Os festivais que acontecem em todo o país são uma forma de valorizar essas produções para o público? As leis de incentivo ajudam ou limitam essas produções?
No Brasil, todo Cinema é independente. Não temos uma estrutura de indústria que, em comparação, transforme parte de nossa produção em "independente". E, sim, os festivais e mostras são uma vitrine importante, fundamental, para que boa parte do público tenha acesso a filmes (longas e curtas) que, de outra forma, não conheceriam. E embora falhas, as leis de incentivo conseguiram ressuscitar nossa produção, mantendo-se importantes ainda hoje. Aliás, mais do que importantes; permanecem essenciais ao nosso Cinema.
7) A maior parte das salas de cinema brasileiras dá uma maior atenção aos filmes estrangeiros comerciais, principalmente aos norte-americanos. É difícil vencer esse lobby ou ele já foi vencido?
Ainda estamos longe de alcançar um equilíbrio entre a distribuição de nossos filmes e a dos outros. Aliás, este equilíbrio nunca será alcançado, mas espero e acredito que chegará o dia em que ao menos 25% das telas estarão constantemente ocupadas por longas nacionais - e não porque isto será obrigatório, mas porque o público desejará ver estes filmes.
8)Até hoje o cinema brasileiro não levou um Oscar, apesar de colecionar outros importantes prêmios internacionais. Na sua opinião, o que falta para o Brasil levar uma estatueta de ouro? Há essa preocupação de inscrever filmes nacionais que vão de encontro ao que a Acadêmia "gosta" ou não existe essa preocupação?
O Oscar é um prêmio menor dentro dos eventos internacionais de Cinema. Talvez seja o que envolva mais repercussão e publicidade, mas não tem o peso de um prêmio em Berlim, Cannes ou Veneza - e já saímos premiados de todos estes. Teremos mais chances no Oscar quando a comissão que seleciona o candidato parar de se preocupar em escolher o "mais competitivo" (já que obviamente não tem ideia do que torna um filme "competitivo" no Oscar) e selecionar apenas o melhor.
9) Durante anos, Xuxa e Renato Aragão foram responsáveis por produzir vários filmes nacionais. Independente da qualidade dessas produções, na sua opinião, esses dois artistas foram importantes para manter vivo o cinema brasileiro? Uma vez que eles produziam filmes voltado para o público infantil e, indiretamente, estariam formando um público apto a consumir as produções nacionais ou não?
Sim, concordo. Especialmente, no que diz respeito a Aragão, que, além de tudo, sempre foi um homem apaixonado por Cinema e investiu grande amor e cuidado em seus filmes. Ao contrário de Xuxa, que parece apenas interessada em ter um produto novo para comercializar a cada ano.





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Jornalista

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6 comentários

  1. Mesmo existindo em todo território nacional, acredito que os festivais poderiam acontecer também em cidades menores, onde não há cinemas.

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  2. Concordo, os festivais são otimas oportunidades para amadores e profissionais mostrarem seus trabalhos.
    Adori a entrvista, valeu!

    www.agenciamidialivre.blogspot.com
    Objetivos:

    - Democratizar a comunicação
    - Debater: juventude, mídia, formação cultural, direito à livre expressão e direito à cidade
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    - Articular com outros grupos jovens
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    - Promover a democratização do acesso à internet
    - Qualificar a utilização das redes sociais!

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  3. Bem bacana a entrevista, só discordo com relação a Xuxa: é visível a alegria com que ela conduz seus trabalhos nos cinemas ou nos DVD´s. Obviamente que todo mundo faz para comercializar, mas vejo sim paixão no que a apresentadora faz.

    Complementando: vejo o cinema como a TV, muitas vezes boas ideias não são tão bem produzidas; poderiam ser melhor aproveitadas, tanto no cinema nacional quanto internacional.

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  4. Adorei a entrevista! O Pablo é uma referência pra mim, sempre vou "perguntar" ao Cinema em Cena o que ele achou do filme. Ou então "peço" que ele me explique as partes que não entendi, já que destrincha um longa como ninguém. :-) Beijos e ainda mais sucesso no blog!

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  5. O cinema nacional ainda tem um longo caminho a percorrer. Mas as pessoas deveriam parar de criticar e começar a apoiar mais!
    Belo blog!

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  6. Muito interessante! Acredito que o cinema brasileiro ainda possui muito para evoluir, mas já cresceu muito em relação a algumas produções antigas.

    Seu blog é excelente!

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