Café Convidado - O outro lado da reportagem

abril 22, 2010


Texto: Contato com a realidade


Por Rosana Hermann*


Existem dois tipos de pessoas: as que dividem as pessoas em dois e as outras. Brincadeira. Existem muitos tipos de pessoas. Eu diria mais. Eu diria que cada pessoa tem muitos jeitos diferentes ao longo da vida. Eu diria mais ainda: que ainda não comecei o post pra valer. Estou enrolando pra falar que há duas atividades muito diferentes para quem faz vídeo: estúdio e externa.

O trabalho em externa é um trabalho mais duro, mais 'sujo', exaustivo. Quem já trabalhou como repórter sabe como é. Você passa o dia inteiro na rua. Você faz lanche na rua, almoça na rua e, para ir ao banheiro e fazer qualquer coisa, de escovar os dentes a se refrescar, você tem que procurar um banheiro, seja numa padaria, restaurante ou um posto de gasolina. Ser mulher e pedir a chave no posto não é uma aventura glamorosa.

E não é só isso. Você não tem individualidade. Num escritório você pode levantar, tomar uma água, fazer um xixi, sem ter que avisar ninguém. No trabalho de equipe, não. Se você estiver com sono, fome, sede, vontade de fazer xixi, cólica, a equipe inteira vê, sabe, acompanha. Não tem indivíduo, tem o grupo. Para quem é reservado é bem difícil. Isso sem contar o contato direto com o público. Tem que atender, conversar, falar. E, no caso de reportagem, responder pelo menos mil vezes à pergunta 'e quando vai passar?'.

Além disso, tem a chuva, o frio, a sujeira, o sapato que pisa no molhado, a roupa usada, transpirada. Os perigos. A disputa. A concorrência. Enfim, o trabalho em externa é muito cansativo e exige demais da pessoa por trás do profissional. Você está exposto. Você está na rua. E a rua é pública. Tudo pode acontecer, de acidentes a assaltos. Tudo. No estúdio, não.

No estúdio você esta limpa, protegida. Todo mundo cuida de você. O diretor avisa se o fio de cabelo está fora do lugar, o maquiador retoca, o cabeleireiro dá um jeitinho. Tem ar condicionado, água e café, uma viagem de primeira classe ou, pelo menos, de executiva. Você é uma estrela. Claro que é só uma atividade temporária, mas muita gente acaba acreditando que virou uma estrela mesmo.

Você simplesmente fica ali, muitas vezes lendo o TelePrompter e sua única preocupação é ficar bonita e sorridente. A televisão faz o milagre acontecer: você fica em pé, toda arrumada, falando pra câmera e sua imagem magicamente vai para 'trocentos' milhões de lares que vão achar você o máximo.

Por isso que todo mundo quer ser 'apresentador de televisão'. O feio fica bonito, o gordo fica magro (pergunte-me como!) o burro fica inteligente, o ignorante fica sábio. O mais ou menos normal vira gênio. A equipe faz isso acontecer. Hollywood também faz isso acontecer. É uma indústria do 'fazer parecer'. E funciona. Tem gente que nem canta e vira cantor. É incrível. Eu, que já tive uma pequena experiência dos dois lados, na frente e atrás das câmeras, aprendi que não se pode acreditar na ilusão que se produz. É como o mágico do circo: o truque é fazer o outro acreditar.

Já chorei junto com a equipe, já quase dei à luz dentro de uma Kombi, já tive que jogar a roupa inteira no lixo depois de fazer uma reportagem numa usina de reprocessamento de detritos. Já tive gente me retocando no estúdio e costureiras tirando medidas. (Foi assim que eu soube que algumas apresentadoras usam corpetes inteiros de elástico para parecerem mais magras, do joelho até o colo, feito em Minas Gerais por uma fábrica especializada em cintas. Na época, para não ter que usar uma, fechei a boca e emagreci. Depois, engordei tudo de novo. Fecha parêntese).

Por isso, entendo tanto o que a Iris [Stefanelli, ex-apresentadora do TV Fama, da RedeTV!] está sentindo. Ela apresentava um programa diário, ao vivo, numa TV aberta, toda bonita no estúdio. Ganhava bem, fazia merchan. Agora, ou vai ser repórter de rua ou perde o emprego, ao que parece. Ela se sente rebaixada. Faz sentido. É assim que todo mundo vê a mudança dentro de uma emissora. O mundo da mídia é competitivo e cruel. C'est la vie.

Mas há uma diferença crucial entre o mundo interior e o exterior: a pessoa que está na rua tem contato com a realidade. Conhece o mundo. Vê as pessoas, sente cheiros, fica alerta. E as que vivem encasteladas no estúdio, não. As pessoas que olham as outras nos olhos, viram gente. As que só olham para a lente da câmera só têm olhos para si. Porque não veem ninguém. E, quando vêem, não representam o mundo real. Na plateia, só tem fã gritando que a pessoa é maravilhosa. Nos camarins, só funcionários para deixá-la maravilhosa. Isso, definitivamente, não é realidade.

A longo prazo os apresentadores de estúdio transformam-se em bonecos e bonecas, robôs, pessoas irreais. Cercadas de assessores, assistentes, secretários. Mandam beijos coletivos e dão autógrafos já impressos. Claro, sempre há exceções. Mas quanto menos se convive com o mundo real, mais irreal a pessoa fica.

Todos os profissionais deveriam passar por um pouco de tudo, para entender a diferença, para voltar à humanidade. Por isso, amiguinhos, a gente tem que aprender a amar a si e ao outro, dar-se o respeito e respeitar o outro e aprender que nosso valor não vem da nossa posição, nem do nosso salário, nem do local onde trabalhamos. Porque essas coisas flutuam e passam. O caráter que temos, não. Pra virar gente tem que aprender a conviver com gente. E ponto.


Fotos: O Globo, Portal X e RedeTV!.

Observação: Este texto foi publicado, originalmente, no blog Querido Leitor. O post foi gentilmente cedido à seção "Café Convidado", do Café com Notícias, pela jornalista Rosana Hermann. Para conferir o post original, clique aqui.



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*Perfil: Muito prazer, Rosana Hermann. Trabalho como jornalista, radialista, redatora, roteirista, escritora, blogueira, twitteira (@rosana) e tenho orgulho de incluir na minha carreira o fato coerente de saber fazer tricô. Tenho bacharelado em Física pela USP, e fiz pós em Física Nuclear, também pela USP. Dou aula de Roteiro na FAAP, sou jurada do prêmio The Bobs da Deutsche Welle e faço o blog da Skype no Brasil. Sou gerente de criação no R7, onde também mantenho o blog Querido Leitor.







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Wander Veroni
Jornalista

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13 comentários

  1. Ei Wander!!!

    Não conhecia esse texto da Rosana. Além dele ser super atual traz um ensinamento preciosa para quem gosta ou quer ser repórter, apresentador, enfim...tira aquele glamour da profissão e nos mostra que o trabalho e os dilemas que há nisso tudo. Coitada da Íris...ficou sabendo que ia ser demitida pela imprensa...isso é muito feio para a RedeTV! Não gostei, apesar de não assistir o TV Fama.

    Beijossss

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  2. Nussa ela faz tudo ATÉ TRICÔ! Abçs, Marujo

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  3. Cara qnto sofrimento, a profissao reporter nao é nada fácil hein, mas o que seria do mundo sem a ação desses proficionais?
    Belo post...

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  4. Muito bom o texto! As "dores e as delícias" da profissão!
    Gostei...!
    To seguindo já!

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  5. Otimo texto
    O mundo da Tv não é tão lindo assim né...

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  6. um modo de conhecer mais a pessoa...muito bom...

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  7. Oi, Wander. Que moral, hein?

    Não sei se abriria espaço no meu blog para outras pessoas, mas ficou muito legal.

    abraço

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  8. Profissão repórter, um dos melhores programas, sério e competente e falamos de íris? só se fosse a dos olhos.

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  9. Adoro a Rosanna, ela é uma ótima profissional dessa área... ótimo post, valeu bastante!

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  10. Adorei esse texto da Rosana!!! É bom para que as pessoas parem de achar um glamour desnecessário no jornalismo...é um a profissão como outra qualquer. Só quem fica na rua o dia inteiro, fazendo matéria, sabe como é difícil e, ao mesmo tempo, apaixonante.

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  11. finalmente, esse sim é um blog de notícias e reportagens bom. gostei muito do post, sempre que vejo repórteres ao vivo em cantos distintos do planeta, sinto por eles. deve ser muito trabalhoso, mas também satisfatório, no fim do dia.

    http://anpulheta.blogspot.com

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  12. uma pena que pelo visto não posso participar. Mas mesmo assim, sucesso a sua escolha. Vai ser uma honra para aquele que puder escrever por aqui. Afinal, seu blog é ótimo e super interessante

    www.teoria-do-playmobil.blogspot.com

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  13. Realmente!! parabens para todos os profissionais desta area, se arriscam todos os dias para uma boa noticia. Parabens pelo post.

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