Café Convidado – O negro na sociedade e a sua valorização

março 17, 2010


Texto: Cordial, pois sim!


Por Mara Narciso*


"O pior cego é aquele que não quer ver".



O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) tem dificuldade em quantificar as pessoas negras, mulatas e pardas da população brasileira. Há uma gama de denominações de tonalidades de pele digna de um mostruário de tintas, ou de uma paleta de pintor. Nos tempos antigos os escritores se referiam ao fruto da miscigenação com nomes como “morena cor-de-jambo”, e então aconteceram os nomes que vão do moreno claro, passando pelo médio, escuro, chocolate, até a cor de café. Para simplificar, os técnicos do IBGE criaram apenas três cores nessa variedade interminável de tonalidades: negro, mulato e pardo. No Brasil, mais da metade das pessoas é da cor de uma dessas denominações.

Instados a dizer, olhando para a sua pele, de que cor eles são, boa parcela dos mestiços negam a sua cor, e se espantam quando Camila Pitanga, morena, pelas denominações antigas, e filha de negro, se diz negra. Acham que ela está fazendo média. Afirmam que Camila é clara, e que os cabelos dela são lisos - outra obsessão brasileira, daí o sucesso retumbante da chapinha. Por que isso acontece? Os pardos não se sentem bem sendo e se denominando como tal? A palavra tornou-se pejorativa. Assim, as estatísticas não conseguem ser confiáveis.

Uma pessoa, que se dizia branca, e é exatamente da minha cor, espantou-se quando me viu pela primeira vez: “mas você não é parda!”. É que a internet faz acontecerem encontros de trás para frente, onde se salta diversas etapas. E ficam essas coisas assim, inexplicáveis.

E ainda há quem diga que no Brasil tudo é pacífico em termos de raça. Tem muitas portas fechadas para quem não está inserido em um suposta padrão de beleza europeu. Tais Araújo, negra, acusada de interpretar uma personagem que não discute preconceito racial, mesmo assumindo os cabelos anelados, é vista com espanto, como se o negro tivesse a obrigação de sempre bater na tecla do racismo. As coisas não são bem assim!

Gente, não sejamos hipócritas! A polêmica sobre ter ou não ter o “Dia da Consciência Negra” é prova disso, é confirmação inconteste de que precisamos sim, desse dia e de muitos outros dias da consciência negra e de muitas outras consciências. Polemizar sobre ser feriado ou não é outra história. Ma,s diante dos fatos, é urgente, num mundo civilizado, disseminarmos a convicção da igualdade e da tolerância. As pessoas ainda não se acostumaram com o que diz a Constituição, e ainda acham um absurdo ser crime chamar o outro de “negão”, de “crioulo”. Desde quando é insulto se assumir negro? É natural insultar, e por isso protestam quando não podem fazê-lo, sem sentir os rigores da lei.

Para o “Dia da Consciência Negra”, quase todos ouvimos preconceitos raciais de todos os matizes, de quantos tons de pele temos por aqui: “Dia do negro? Mas não tem o dia do branco!” “Cotas para negros? Houve uma inversão. Agora os negros são melhores do que os outros? E as outras etnias ou minorias? Ninguém mais pode chamar negro de negro. Os eufemismos tampam o sol com peneira.

Esses protestos indicam que o dia é mais do que necessário. É preciso que os de cor “morena” aceitem os seus ancestrais negros e os reverenciem. Para haver esse respeito, sim. Este ocorrerá bem depois da conscientização para que a auto-estima brote e floresça. Não é ser melhor ou pior: é ser gente, é acreditar em si, em sua capacidade, não camuflar a sua cor ou omitir sua origem porque há preconceito dos outros.

Além disso, é preciso que combatemos brincadeiras “inocentes” ou apelidos, referentes à cor da pele, indicadas pela hora da noite, objetos ou situações, para dimensionar a quantidade de “negro” que existe naquela pessoa. Isso sim, é uma forma pejorativa (e ofensiva) de se dirigir a alguém. Devemos ver o ser humano, o caráter, e não simplesmente uma cor.

Mas, como valorizar o negro para as próximas gerações? Talvez, a existência de um herói nacional negro, alguém de coragem e com brilho, em que os negros possam se espelhar é uma necessidade. Então Zumbi dos Palmares está aí para a nossa admiração. Não foi alguém “inventado”. Não tem rosto e nem dados biográficos precisos, mas Tiradentes também não tem.

O nosso Alferes Joaquim José da Silva Xavier foi um criminoso que a Corte Portuguesa não só enforcou, mas também esquartejou, salgou e espalhou pelo país, levando a sua cabeça para Vila Rica - atual município de Ouro Preto, em Minas Gerais. Hoje todos o reverenciam, pela audácia de desafiar Portugal. Ensinando hoje, em alguns anos será natural para as crianças admirarem Zumbi dos Palmares. Sim, nós também precisamos de heróis, de referências.

Os negros estão na ordem do dia. Brilham nas suas capacidades individuais e, assim como tantos outros grupos, querem ser inseridos na sociedade com respeito. Por mais polêmica que seja, são essas atuais políticas públicas que buscam jogar luz na cor da pele e corrigir séculos de exclusão. Estas, até podem ser vistas por alguns como uma oficialização do preconceito, ou ainda, edificação de um muro para que no futuro se diga: “você chegou aqui por capacidade, ou porque a sua pele é negra?”. Sim, sei que essas argumentações estão circulando, mas a oportunidade igual para todos é a meta, e em seu rastro acontecerá a naturalidade em ser negro, mulato ou pardo, sem precisar esconder-se sobre um manto de fumaça chamada “moreno”. Seremos uma Nação, nada mais.

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*Perfil: Mara Narciso é médica endocrinologista, parda, acadêmica do 8º período de Jornalismo, na FUNORTE, em Montes Claros, no norte de Minas Gerais. É autora do livro “Segurando a Hiperatividade” onde contou a história do seu filho que é portador do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Mara está a procura de uma oportunidade no Jornalismo e pretende compatibilizar as duas áreas. E-mail: yanmar@terra.com.br.






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Wander Veroni
Jornalista

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10 comentários

  1. Trabalhei no IBGE 2 vezes, uma pelo Censo.
    E teve dois lados esta situação: um homem branco, branco mesmo, talvez pelo sangue de algum antepassado a lhe correr as veias, disse que era negro; e um negro, vítima e algoz do paradigma estabelecido, disse ser branco.
    Como recenseadores somos obrigados a colocar o que a pessoa fala.
    Sei que o Ronaldo foi declarado negro, e ele disse que não era, o que concordo.
    O triste é ver gente se aproveitar para pegar cotas e gente que não respeita o ser humano em si.

    abç
    Pobre Esponja

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  2. Somo todos iguais ... o mesmo numero de células e orgãos.
    Pensar que a cor da pele diferencia algo é pensar muito pequeno perto da imensidão desconhecida pelo homem.
    Todos tem direitos iguais e apesar de sermos mil~hoes e milhões de pessoas direrentes no mundo, estamos em busca da mesma coisa : reconhecimento para gerar felicidade.

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  3. Eu respeito os negros, tenho amigos negros. Sou fã do Denzel e do Jimi Hendrix. Adoro os filmes do Will Smith e do Morgan Freeman.

    Sim, eu chamo de "negro" ou "negão". Por que me chamam de "branca" ou "branquela", não diretamente, mas por filmes, piadas...

    Eu acho isso muito injusto, piada com negro ser considerada ofensiva e com branco ser considerada, no mínimo, engraçada. Acho que ambos tem direitos e sentimentos iguais. Se é para ficar ofendido com o humor, que fiquem os dois. Se é para rir, que riam os dois.

    No mais, adorei seu artigo.

    Abraço.

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  4. QUAL É A COR DO SEU ESTILO E QUE TE PREDOMINA?
    ALGUNS TEM POUCOS OUTROS TEM BASTANTE AMELANINA!
    A MINHA COR É TRASPARENTE,IGUAL A UM COPO D'AGUA!
    POR QUE PRA MIM A SUA COR NÃO QUER DIZER NADA!

    PARABENS PELO POST!

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  5. "Raças" são coisas de gente atrasada e inculta. A única raça que existe é a humana. Imaginar que um país mestiço, onde apenas 3% da população é realmente de pessoas de pele "negra" e tentar transformar isso numa maioridade tachando quem não é "branco" de "negro" é algo irreal que visa apenas importar para nós conceitos retrógrados europeus e americanos.

    A beleza do Brasil está justamente em sua mistura de tipos físicos. As "raças" como alguns idiotas costumam mencionar são meros rótulos que espertalhões criaram para se beneficiarem de alguma forma das diferenças.

    O Brasil, não é "negro" ou "branco". O Brasil é deliciosamente "mulato", "mameluco", "caboclo" ou seja lá que determinação queiram dar.

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  6. Engraçado, mas eu não tenho preconceito com nada... Não deixo nada me afetar rs... E não espero nada de ninguém... Negros, brancos, japoneses... São todos humanos, e a maioria deles é chata...
    Será que sou normal?

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  7. O.O adorei o texto, todos nois querendo ou não temos sim preconceito com algo, dizer que não chega a ser hipocresia, pode ser até de uma forma simpres, e despercebida, mais temos sim..

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  8. honestamente, acho q o sistema de cotas e o dia da consciência só fizeram aumentar o preconceito, quando se cutuca um pitbull, ele existia, as vezes se manifestava, mas com isso ele só tendeu a crescer. E quanto ao cabelo e outros traços da aparência, fala serio ninguém critica uma européia que cacheia o cabelo.

    se puder, passa no meu blog

    http://oarlecrim.blogspot.com/

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  9. É um tema polêmico que faz parte da nossa história, ainda colhe frutos da colonização da época dos escravos...
    Eu acho que discussões como "de que cor você é?" não deveriam nem existir mais, falar de racismos, discriminação, deveria ser como falar de escravos, todomundo sabe como foi triste, mas não existe mais (pelo menos não legalmente), só que isso está difícil de superar, há políticas de cotas em faculdades, empresas, etc, para pessoas discriminadas socialmente como por ser negro, deficiente, etc.... é um absurdo isso, seres humanos são todos iguais por dentro...seres inteligentes e capazes defazer coisas independentes da cor, raça, credo, opção sexual, etc....

    É muito triste pensar que ainda há pessoas racistas no mundo... por isso eu apoio fielmente qualquer política contra o preconceito....cotas, dias de festas e feriados, o que for.. tá valendo...esse povo já é sofrido culturalmente, não deixemos que os culpados sejam nós.... cada um faça sua parte por um mundo melhor...

    Abraços

    Adriano

    http://www.colunasdehercules.blogspot.com

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  10. Na minha certidão de nascimento consta a classificação parda, ou seja negro. Me identifico com minha raça, embora não goste de separar o ser humano por cor de pele. Somos todos iguais e pronto. Abraço.

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