Telenovelas subestimam a capacidade de interpretar dos público

janeiro 16, 2008

"Queremos recuperar a emoção, focar no elemento humano da trama", comentou Silvio de Abreu, autor de telenovelas da Rede Globo, recentemente à Folha Online, durante entrevista em que ele afirma que vai ser o supervisor de texto da próxima telenovela da faixa das 19h, Beleza Pura, da mesma emissora. A frase parece óbvia, mas não é. As telenovelas são os programas mais vistos na TV aberta brasileira - cerca de 61% dos telespectadores, de acordo om o Ibope, ligam a televisão diariamente para ver esse tipo de atração. Silvio, que escreveu os sucessos como Belísssima (2005) e Guerra dos Sexos (1983), fez uma crítica interessante para os atuais roteiristas que estão cada vez mais preocupados com as cenas de ação, os recursos tecnológicos de última geração que podem ser usados e a "brigar" nos bastidores por artistas consagrados na teledramaturgia para encabeçarem o elenco dos seus folhetins.


Poucas telenovelas conseguem captar o fator humano. Trazer o cotidiano, os sentimentos, os conflitos sociais e a realidade humana para as tramas é uma receita de sucesso. Manoel Carlos, autor de Páginas da Vida (2006), Mulheres Apaixonas (2003), Por Amor (1997), e tantos outros sucessos, faz isso com maestria. Coloca o cotidiano do Leblon, bairro carioca que sempre é o cenário principal das telenovelas dele, para ser palco das coisas do dia-dia. As pessoas pensam, namoram e têm problemas como qualquer um. Ver isso nas telenovelas é uma forma de trazer o recorte da realidade para o mundo da ficção. Gisele Joras, autora de Amor e Intrigas (2007), da Rede Record, exibida às 21h15, é atualmente a roteirista da nova geração que entendeu o espiríto da coisa. Nessa história, o Rio de Janeiro é mais urbano, mais cultural, e os personagens discutem conflitos e valores sociais, além de interpretarem coisas cotidianas como jantar em família, problemas no trabalho e reuniões entre amigos.

Certa vez, conversando com um amigo meu roteirista teatral, que em algumas oportunidades, já trabalhou também com o texto publicitário para a TV, disse que uma novela é boa quando as pessoas nas ruas conseguem se identificar com os personagens e os diálogos são mais dinâmicos, privilegiando as ações humanas, o sentimento, ao invés de ficar explicando ou comentando a cena anterior. Para "encher lingüiça", muitos roteiristas usam esse artifício: 55% das cenas da novela usam personagens não muito relevantes na trama para explicar ou comentar a cena principal, geralmente interpretada pelos protagonistas.

Para mim, isso é pior do que esticar um assunto na telenovela - é chamar o telespectador de burro e ignorar a nossa capacidade de interpretação. Uma novela que é craque em fazer isso é Caminhos do Coração (2007), da Rede Record, exibido das 22h15 às 23h20. Escrita por Thiago Santiago, ex-roteirista colaborador de tramas globais, ele já está no seu terceiro folhetim na emissora do Bispo Edir Macedo: foi o responsável pelo remake da Escrava Isaura (2003), conseguiu empatar com o Jornal Nacional por duas vezes e, por sete minutos ganhar em audiência do noticiário, com Prova de Amor (2005). Atualmente no ar com "Caminhos", Santiago trouxe uma trama su-realista que conta a saga de mutantes criados em laboratório e inspirado livremente nos seriados norte-americanos Heroes e Lost.


Caminhos do Coração reforça esse caráter didático no seu texto nas cenas principais a toda hora. Cansativo? Para o autor, que foi questionado sobre isso, na época em que a trama foi lançada, ele disse que a emissora optou por esse formato, uma vez que a trama é muito complexa e isso poderia afastar o público que teria dificuldade em interpretar ou associar algumas questões abordadas, principalmente na parte dos mutantes. Mesmo não sendo roteirista profissional, sou contra esse tipo de atitude. O suspense, quando bem escrito, seria a melhor forma de combater o didatismo das telenovelas. Estamos tão acostumados com as explicações professorais, que quando vamos para a sala de aula, seja em qualquer nível de educação, exigimos que os mestres nos dê tudo mastigado. Para quê interpretar? É muito cansativo pensar, refletir ou questionar qualquer coisa? Até para assistir televisão, que seja uma simples telenovela, a maior parte do povo ainda é passivo e omisso.




Essa semana eu volto com mais Café com Notícias.





Jornalista

MAIS CAFÉ, POR FAVOR!

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