#ReportagemEspecial: Saúde Mental é tema do ENEM e assunto ganha ainda mais importância em 2021
janeiro 18, 2021Em tempos de pandemia, falar sobre saúde mental ganhou um sentido de urgência, principalmente no mês em que se comemora o #JaneiroBranco. Isolamento e distanciamento social, perda de entes queridos, medo do futuro, tudo isso tem feito parte da vida das pessoas nos últimos meses, ampliando a necessidade de debater ações em prol do tema.
Criado no Brasil em 2014, o movimento @JaneiroBranco tem o objetivo de chamar a atenção para as questões relacionadas à saúde mental das pessoas. Diante desse desafio, duas tendências ficaram em evidência durante a pandemia da COVID-19. A primeira delas é que é preciso cuidar muito do emocional, mesmo depois que a essa fase passar. A segunda é que muitas das coisas que eram feitas presencialmente, passaram a ser on-line, inclusive consultas médicas.
Para a psicóloga e membro da Doctoralia, Luísa Negrão de Moura, a única diferença entre o atendimento presencial e on-line é o fato de ter uma tela entre paciente e terapeuta. "Mas em termos de qualidade e dinâmica de atendimento, é exatamente a mesma. Até com algumas vantagens de, por exemplo, o paciente estar no conforto da sua casa, não necessitar de deslocamento e liberdade para escolher profissionais de qualquer região", diz Luísa.
Esse aumento na procura por atendimento, segundo a psicóloga, teve causa direta no isolamento social imposto pela COVID-19. Além da preocupação da saúde como um todo, houve uma valorização, ou conscientização, sobre a saúde mental. "Ativou também nossos instintos de sobrevivência, então o autocuidado também se tornou algo mais presente na vida das pessoas".
Segundo um estudo publicado na revista científica Psychiatry Research sobre os impactos da COVID-19 na saúde mental da população mundial, a incidência de ansiedade e de depressão foi, respectivamente, quatro e três vezes mais frequente quando comparada aos dados levantados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) nos últimos anos.
A psicóloga Natália Reis Morandi, da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo, alerta para os efeitos deste aumento em médio e longo prazo. “Alterações na qualidade do sono e da alimentação, bem como a perda de interesse nas atividades cotidianas, além da dificuldade para lidar com problemas do dia a dia e tomar decisões, estão entre os sinais mais relatados entre os pacientes”, destaca.
A especialista ressalta que sintomas como estes podem evoluir para problemas mais graves e tendem a aumentar quando a pessoa deixa de procurar ajuda profissional. Natália explica que a mudança nos hábitos sociais pode afetar a forma como as pessoas se organizam no dia a dia e os efeitos disso são devastadores quando não há um acompanhamento.
“A saúde mental pode gerar danos sérios à saúde de maneira geral, como doenças cardíacas, alterações na pressão arterial e problemas digestivos, por exemplo, impactando a qualidade de vida das pessoas”, alerta Natália.
Tecnologia
O uso da internet durante a pandemia ganhou maior proporção entre todos nós, fazendo com que as pessoas passem mais horas conectadas virtualmente, do que estabelecendo relações físico afetivas. Para a psicanalista e terapeuta amazonense, Samiza Soares, essa interação virtual excessiva pode trazer uma porção de impactos prejudiciais à saúde mental.
“Um estudo desenvolvido pela Royal Society for Public Health, uma instituição inglesa voltada para a saúde pública, identificou que as redes sociais geram tanto efeitos positivos quanto negativos, porém, segundo o mesmo estudo, o Instagram, uma das redes sociais mais usadas atualmente, é apontado como a pior plataforma para a saúde mental dos usuários”, afirma Samiza Soares.
A psicanalista diz ainda que a forma de interação nas redes sociais tem transformado o ambiente virtual em uma espécie de competição. "As pessoas dedicam horas às atualizações nas redes e estão sempre em busca de se auto afirmarem através dos perfis virtuais. Além disso, há o uso excessivo de aplicativos de beleza, com a busca desenfreada pela perfeição, essa busca sempre acarreta muito sofrimento para quem decide fazê-la, pois a vida real é imperfeita”, explica.
Ainda, segundo Samiza Soares, os adolescentes podem ter mais impactos à saúde mental, tendo em vista que trata-se de uma geração que cresce junto com a tecnologia. “Não posso afirmar quem são os mais frágeis, afinal, ninguém está livre de ter a saúde mental abalada. Porém, podemos observar que a maioria dos adolescentes cresceu com acesso à tecnologia. Desde pequenos, já tinham contato com as redes, sendo que a relação com elas é completamente diferente da geração de pessoas com idades entre 24 a 39 anos. Dessa forma, são mais suscetíveis a vivências negativas e aos impactos prejudiciais do excesso de horas dedicadas à socialização virtual”.
A especialista relembra ainda que artigo da The Atlantic, suspeita que os adolescentes hoje são mais emocionalmente vulneráveis devido ao modo de vida e à exposição anormal à internet. "A classe de idade superior também é afetada pelo uso contínuo de plataformas e aplicativos como Instagram e Facebook, mas não são tão impressionáveis quanto os jovens”, comenta.
Samiza Soares também faz uma alerta sobre os cuidados que a população, sobretudo adultos, podem ter com relação aos cuidados com a saúde mental. “Nossos perfis nas redes são construídos para fins de distração, informação e descontração, mas não podem tomar conta da nossa vida. Recomendo que as pessoas o usem para trabalhar, estudar e, claro, se divertirem, afinal, a tecnologia tem seus pontos positivos sim. O que precisamos é evitar os fatores danosos das redes sociais e devemos balancear os momentos dedicados à vida on-line e à vida real”.
“Quando se sentir sobrecarregado, seja de informações ou de interações, dê um tempo das redes, priorize atividades que promovam o exercício do corpo e do cérebro, além de técnicas de relaxamento para renovar os pensamentos. Atitudes simples podem surtir grandes efeitos, tais como almoçar ou ir ao banheiro sem o celular ou mesmo passar o fim de semana inteiro longe do mundo virtual para promover a desintoxicação de estímulos negativos ou intensos”, recomenda a psicanalista.
ENEM
Este ano, a redação do ENEM teve como tema 'O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira'. De acordo com o Ministério da Educação, os candidatos tiveram que escrever sobre a dificuldade de se buscar tratamento na área da saúde mental - que, muitas vezes, é subestimada e ridicularizada pela sociedade, taxando as pessoas de forma pejorativa como "malucas".
Para o Jornal Brasil De Fato, "o estigma associado à doença mental é dos mais importantes e difíceis obstáculos para a recuperação e reabilitação do indivíduo. Segundo especialistas, a discriminação pode ser tão incapacitante quanto a própria doença. O combate ao estigma é considerado primordial para o tratamento. Para se ter uma ideia da relevância do tema entre os jovens, o número casos de depressão relatados por brasileiros de 15 a 29 anos aumentou 52% de 2015 a 2018. O isolamento e a reclusão forçada pela pandemia podem agravar esse cenário".
Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), Belo Horizonte (MG) registrava cerca de 93 mil inscritos para o primeiro dia de aplicação do exame. No entanto, vários locais de prova na capital, contou com uma série de peculiaridades, entre elas, um grande número de inscritos que não compareceram para a realização do exame.
"Sem dúvidas, o Enem 2020 entra para a história por suas inúmeras peculiaridades. A princípio, chama atenção as salas vazias e o grande volume de provas impressas que retornou aos envelopes não foi o suficiente para tranquilizar aqueles que decidiram comparecer. Mesmo com a certeza de uma concorrência menor, os vestibulandos deixam transparecer a aflição de quem se preparou em meio a um ano marcado pelo isolamento social, quarentena e ensino à distância", pontua Cássio Luige, professor de História do pré-vestibular Chromos e especialista em Enem.
Além das tradicionais canetas pretas, as máscaras se tornaram um novo adereço obrigatório para quem compareceu para a aplicação do exame que, no último domingo (17/01), foi no formato impresso. E, não apenas a preocupação em resolver as questões, os candidatos ainda não escondiam a insegurança de carregar o peso do risco de ter sua saúde exposta numa sala com outras pessoas.
Cássio Luige também se inscreveu para realizar o exame em Belo Horizonte, justamente para ter a experiência dos estudantes em sala de aula neste primeiro dia de aplicação, um dia muito diferente das tradicionais aplicações que ocorrem a cada ano em todo o país.
O especialista contou ainda que a escolha do tema da redação tem aspectos importantíssimos que vão muito além de uma aplicação de prova. "O tema da redação deste ano foi amplamente adequado para o momento que estamos vivendo. O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira".
Neste contexto, abordar assuntos como depressão, ansiedade e outros transtornos é algo que pode salvar vidas humanas. O texto base da redação ressaltou que o Brasil é o país com maior número de casos de depressão na América Latina. "É inegável que os efeitos da pandemia contribuíram para agravar muitos casos. Sendo assim, espera-se que o estudante não apenas disserte bem sobre o assunto, mas possa fazer intervenções práticas, reais, que ajudem aqueles que enfrentam este problema", conclui o especialista.
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Jornalista
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