#DiárioDeBordo: Quais são os desafios da vida de uma imigrante em Portugal? Será que é possível se adaptar?

fevereiro 27, 2020

Vista do centro histórico da cidade do Porto, em Portugal. Crédito: Pixabay / Reprodução.  

Certamente, sair da zona de conforto não é uma tarefa fácil! Mas, quando o assunto é sair da sua casa, deixar para trás as suas lembranças, sua identidade, sua cultura e hábitos, fica ainda mais difícil. Engana-se quem pensa que a vida de imigrante é só flores. 

Nos primeiros dias, até mesmo nos primeiros meses, vivemos como em uma lua de mel, constantemente buscando comparações e exaltando as coisas boas que a nova terra têm a oferecer. Ficamos temporariamente cegos pela paixonite das descobertas. Sabores, clima, arquitetura, serviços de qualidade… Mas aos poucos começamos a encontrar problemas que deixam a experiência bem diferente dos primeiros dias.

Apartamento ideal

Alugamos um apartamento ainda do Brasil por meio de uma plataforma online muito usada em cidades universitárias da Europa. Por ela é possível encontrar alojamentos e quartos para estudantes e fazer a reserva de qualquer lugar do mundo de forma simplificada e com um suporte de atendimento que parecia bem seguro.

Era um apartamento mobiliado, em uma zona próxima a todos os tipos de transporte, com muito comércio nos arredores, tudo que precisávamos estava de fácil acesso a poucos metros de caminhada. Não era uma zona tranquila, pois estávamos em uma das principais vias rodoviárias do Porto. Apesar de caro (como todos os aluguéis em grandes centros), era bem localizado. Parecia bom demais para ser verdade, até o outono chegar.

O outono em Portugal é terrivelmente chuvoso. Acreditem quando eu falo “terrivelmente”, pois chove constantemente com pouquíssima trégua de sol. É excessivamente úmido. Aprendemos a duros “banhos” que mesmo de céu aberto é preciso sair de guarda-chuvas, pois era certo o tempo mudar. Com chuva, veio o frio. 

Descobrimos que existem classificações energéticas em Portugal que ajudam na hora de escolher onde morar. De A a C são apartamentos com bom isolamento e mais econômicos energeticamente. De C a F são apartamentos que provavelmente terão contas de luz mais altas e pouco isolamento. Brincamos que o nosso antigo apartamento era um Z, até hoje não sabemos qual era a classificação dele.
Vista do meu antigo apartamento em um dia frio e chuvoso de outono na cidade de Porto, em Portugal. Crédito: Arquivo Pessoal. 
Nosso apartamento foi o nosso primeiro pesadelo. Com o excesso de umidade, as paredes mofaram por todos os lados. As roupas molhadas das chuvas não secavam. E o frio… Ah, esse deu trabalho! Não havia isolamento térmico e o frio somado à umidade era como estar dentro de um freezer. 

Compramos um aquecedor à óleo e um edredom extra (dormimos com 3), ligamos termoventiladores em cada cômodo, usamos roupas de malha polar em casa e tomamos muito café e chá para tentar aquecer, e as contas subiram com todo esse esforço em vão.

Como é de se esperar, quanto melhor a classificação energética, mais caro é o apartamento. É um desafio enorme para quem está chegando e com poucos rendimentos encontrar algum que seja bem isolado e quentinho no inverno que caiba no orçamento. Felizmente encontramos uma casa melhor na véspera de ano novo e não pensamos duas vezes em nos mudar. 

Educação Superior

Portugal, assim como a maioria dos países europeus, é reconhecido pela sua educação de qualidade. No ensino superior não é diferente, pois tem universidades nos rankings das melhores do mundo. Mas para quem é do Brasil, pode haver controvérsias.

Enquanto que no Brasil saímos do ensino médio e muitos de nós conciliamos os estudos com o trabalho para conseguirmos pagar a faculdade, começamos cedo a nos virar, fazer estágios e procurar a nossa independência, aqui em Portugal não é bem assim. 

Os estudantes de licenciatura (graduação no Brasil) estudam a tempo integral com bolsas e ajudas dos país. Nos poucos horários livres, aplicam para algum estágio que, na maioria dos casos não é remunerado. Vivenciam pouco do que é a responsabilidade de uma vida adulta comum para muitos de nós, brasileiros.

Em resumo, por causa dessa cultura, senti o ensino superior da Universidade do Porto, mais precisamente do curso de mestrado em Ciências da Comunicação, um pouco engessado e teórico demais, pois pouco vi (até então) de incentivos à conhecimentos práticos e ofertas de estágios que realmente ajudariam na formação. Claro que tem pontos positivos no que diz respeito à pesquisa e produção científica, mas nem todo estudante tem esse objetivo.

Além disso, os horários das aulas não são pensados para estudantes que precisam trabalhar. Cheguei aqui com poucas reservas, assim como muito dos meus colegas. Alguns deles fazem malabares com as ajudas que recebem do Brasil que, ao serem convertidas, mal pagam as contas. Para se ter ideia, há aulas de mestrado durante a semana à tarde, diferente do Brasil que os cursos de pós graduação são, em geral, pós laboral ou nos fins de semana. 

Burocracias

Imigrar é nascer de novo. Nascer de novo implica em tirar novos documentos para “existir” nesse novo país. Documentos aqui é sinônimo de burocracia. Apesar de muitos órgãos trabalharem de forma interligada e com muitas coisas sendo resolvidas na hora e online, outras coisas são morosas e até arcaicas. Alguns órgãos ainda trabalham com envios de cartas e você é obrigado a ficar vigiando a caixa de correio por dias por algo que poderia ser resolvido pessoalmente ou em uma simples ligação.

Não falarei sobre vistos nesta coluna (em breve sairá uma matéria sobre o assunto), mas quero deixar registrado que vir com ou sem visto é a mesma burocracia a se enfrentar. Estou vivenciando a dificuldade de conseguir emitir documentos estando com visto e vendo o meu marido sofrer para emitir os documentos dele sem o visto. 

Quando você acha que já conseguiu resolver todas as suas pendências, aparece algo mais a fazer e parece que nunca tem fim. Todas as vezes em que eu pensei de desistir de tudo e voltar para o Brasil foi quando topei com alguma dificuldade com relação aos processos de legalização. Eu, que sofro de ansiedade, precisei procurar ajuda psicológica para lidar com a espera. E eu achava que o Brasil era demorado, não imaginava que aqui fosse igual ou pior.

Preconceito

Acho que foram poucas as situações em que me senti vítima de preconceito por ser negra ou brasileira em Portugal. Na verdade, sinto que sofria mais preconceito no Brasil que aqui. O que mais me chateia são os anúncios de vagas de emprego apenas para cidadãos portugueses e os anúncios de aluguel que pedem documentos que imigrantes geralmente não têm, justamente para que não seja possível alugar. 

Infelizmente ouvi o relato de uma colega, intercambista do Rio de Janeiro, que foi discriminada por portugueses em sua turma, ao ponto de deixarem ela totalmente isolada. Foi chocante para mim já que, ao contrário, os meus colegas portugueses foram tão acolhedores com todos que quase não há divergência de nacionalidade na minha turma. 

Ouço muitos portugueses reclamarem de imigrantes do leste europeu, julgando pela sua nacionalidade que podem ser criminosos ou não serem de confiança. Fico muito incomodada, pois sei que estão buscando o mesmo que eu e muitos outros, apenas uma vida melhor. 

Saudade

Têm dias que é preciso deixar as lágrimas rolarem para aliviar a dor. Nunca é suficiente ver quem a gente ama apenas pela tela do celular ou apenas a voz. Sentimos falta do calor do abraço, do aconchego, das similaridades. Dói quando percebemos que não vai dar pra pegar um ônibus e chegar na casa daquela pessoa querida, daquele amigo.

A gente precisa se acostumar a perder constantemente. Perder a formatura do afilhado que está crescendo tão longe, perder o natal em família, perder a realização dos amigos, os casamentos, nascimentos, batizados… Até mesmo, simplesmente, perder alguém. Emocionalmente nunca estaremos preparados para isso, mas sabemos no fundo que imigrar é se abdicar das pessoas para pensar mais em si. 

Deixei no Brasil o meu cachorro que é como um filho para mim. Estamos batalhando para trazê-lo o mais rápido possível e lidando com mais essa burocracia, porque não é um processo simples. Assim como o nosso cão, ficou também nossos pais e irmãs, que tentamos abafar a saudade fazendo videochamadas sempre que possível. 

Nosso cão chora quando escuta a nossa voz pelo celular e nosso coração aperta. A tecnologia está a nosso favor, fazendo com que a distância pareça um pouco menor do que realmente é, mas nem sempre é suficiente.
Crédito: Pixabay / Reprodução. 
Imigrar é uma batalha interna constante em que precisamos nos sentir fortes para nós mesmos, pois não temos ninguém por perto para provar isso. É ter que se levantar, mesmo quando a dor da saudade aperta e sufoca. É viver cada dia planejando quando vai ser possível aquele reencontro tão esperado que vai aliviar os sentimentos que pesam tanto a garganta. 

Mas imigrar também é aprender que a saudade pode ser traiçoeira e nos confundir com lembranças distorcidas, nos afastando do nosso propósito maior. Por vezes senti saudade da minha casa no Brasil e da vida que levava lá. Mas percebi depois que era apenas recordação dos momentos bons que vivi, mas que há muito tempo não vivia mais ali. 

Se eu aprendi tudo isso? Não sei nem se algum dia irei aprender, mas sigo tentando conviver com a saudade e com cada desafio que preciso contornar, pois sei que o meu propósito é maior. Cada desafio e superação fazem parte da experiência única de imigrar, de evoluir, de aprender na esperança de tempos melhores em outras terras longe do nosso lar.



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*Perfil: Izabella Fonseca Costa Bueno é jornalista multimídia e mestranda em Ciências da Comunicação na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. É correspondente do blog Café com Notícias em Portugal.







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