#Cinema: 23ª Mostra de Tiradentes resiste ao obscurantismo e homenageia Antônio e Camila Pitanga

dezembro 30, 2019

A Mostra Tiradentes democratiza o acesso ao cinema com exibições gratuitas na praça. Crédito: Leo Lara / Universo Produção. 

Diante de um presente saqueado pelo obscurantismo e pela legitimação da intolerância, a força da imaginação é o norte eleito que permite que algum futuro seja vislumbrado. Esta é a tônica da 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes, que será realizada entre os dias 24 de janeiro a 1º de fevereiro, na cidade histórica de Tiradentes (MG). O festival acontece, justamente, em um ano que o atual Governo Federal reduziu a força do cinema nacional e quer implantar um viés ideológico religioso e segregador no comando da Agência Nacional do Cinema (ANCINE).

“O que emerge na atual produção no país é o desejo de interpretar nossa experiência hoje, de projetar caminhos possíveis, de provocar imagens que nos remetam a uma perspectiva sobre o passado tendo em vista não só um olhar original sobre fraturas sociais e políticas, mas também uma superação destas num desejo de futuro”, explica o curador da Mostra Tiradentes, Francis Vogner dos Reis, que propôs essa temática para reforçar que, mesmo numa época de dúvidas, o cinema brasileiro vive um momento de absoluta efervescência criativa e de recepção.

Veja também:
- Festivais de Cinema democratizam o acesso à Sétima Arte 
Governo veta projeto que concede incentivo ao cinema brasileiro

Mas como o cinema pode ser esse ambiente de preservação de um futuro sabotado? Ora, ficções e documentários, sejam em curta, média ou longa-metragem, têm sido espaço para o testemunho e registro da ação política do presente, reconfigurando formas de olhar e de abordar o que está diante da câmera. 

“Os filmes imaginam outros mundos, outras possibilidades de existência, permitem ver o real transfigurado para além do fatalismo que a mediocridade política insiste em apontar como a única realidade possível. Como arte, o cinema é capaz de inverter as lógicas sociais e de linguagem, de contrapor a beleza à barbárie, a provocação à conciliação. O cinema pode forçar a imaginação nos seus limites”, analisa Francis.

Homenageados

Neste ano, os atores Antônio e Camila Pitanga são os homenageados pela 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes. Pai e filha, homem e mulher, negro e negra, 80 e 42 anos. Ícones de seus próprios tempos, por motivos e trajetórias distintas, Antônio e Camila emulam em seus corpos e suas posturas a brasilidade mais original e singular, o talento e a presença de quem vivencia as contradições do país por dentro. 
Camila e Antônio Pitanga são os homenageados da 23ª Mostra Tiradentes. Crédito: Leo Lara / Universo Produção. 

Para Francis Vogner dos Reis, “homenagear os dois juntos é afirmar não só suas trajetórias, mas também reconhecer suas diferenças – criativa, simbólica e política”Entre a centralidade de @AntônioPitanga na revolução do Cinema Novo, entre o final dos anos 1950 e meados dos anos 1970, e a constância de Camila Pitanga no imaginário da TV e do cinema nas últimas duas décadas, estão a diversidade e a força de duas formas de trabalhar e mapear uma história do audiovisual brasileiro que atravessa ambos.

Pitanga, o pai, nasceu em 1939 em Salvador. Fez teatro e cinema desde muito jovem e estreou nas telas em 1960 com “Bahia de Todos os Santos”, de Trigueirinho Neto. Seguiu numa série de filmes marcantes que remodelaram todo um jeito de fazer cinema no Brasil: “A Grande Feira” (Roberto Pires, 1961), “O Pagador de Promessas” (Anselmo Duarte, 1962), “Barravento” (Glauber Rocha, 1962), “Ganga Zumba” (Carlos Diegues, 1963), “Os Fuzis” (1964) e por aí adiante.

Pitanga, a filha, nasceu em 1977 no Rio de Janeiro. Estreou nos cinemas ainda criança, junto com o irmão Rocco, num filme emblemático: “Quilombo” (1984), de Carlos Diegues, que marcou época por reunir um histórico elenco negro que incluía Grande Otelo, Zezé Motta, Antonio Pompêo, Tony Tornado, Léa Garcia, Milton Gonçalves, Zózimo Bulbul e Antônio, pai de Camila. Dali adiante, a trajetória cinematográfica de @CamilaPitanga transitou por praticamente todos os tipos de filmes realizados do Brasil desde a Retomada nos anos 1990.

Abertura

Para abrir a 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes, o filme escolhido trafega na imaginação libertária do cinema brasileiro e tem Antônio Pitanga no elenco. “Os Escravos de Jó”, do diretor cearense Rosemberg Cariry e filmado em Ouro Preto, estará em pré-estreia mundial na noite de 24 de janeiro, no Cine-Tenda. 

No filme, o 12º longa-metragem de Cariry, os estudantes Samuel e Yasmina se apaixonam na cidade mineira e precisam vencer dificuldades e preconceitos para afirmarem o amor. Personagens do passado e do presente cruzam os caminhos dos jovens, arrastando-os para um inesperado destino.
Cortejo divertido pelas ruas de Tiradentes. Crédito: Leo Lara / Universo Produção. 

No enredo, Pitanga interpreta um livreiro amigo do protagonista e foi especialmente convidado para o papel pelo diretor Rosemberg Cariry. "Ele faz esse velho livreiro de ascendência judaica, chamado Jerémie Valés, imigrante do norte da África com história de vida passada também na França. Um personagem que viveu os horrores da Segunda Guerra Mundial, mas que manteve viva a esperança e a chama da poesia", conta Cariry.

Para o cineasta, ter Antônio Pitanga em “Os Escravos de Jó” foi um privilégio. “Ele é um grande ator, por quem tenho admiração e respeito. Afora o reconhecido talento para o cinema e para o teatro, Pitanga é uma pessoa de alma boa, do bem. Está sempre disposto a colaborar e faz, com a sua criatividade, o filme crescer”, exalta Cariry. “Além do extraordinário artista que é, Pitanga é um cidadão politicamente consciente e de ideias libertárias. Em resumo: é um grande brasileiro, um dos símbolos do nosso povo e do nosso cinema”.

Em tempo

A Mostra de Cinema de Tiradentes é considerado o maior evento dedicado ao cinema brasileiro contemporâneo em formação, reflexão, exibição e difusão realizado no país. O festival apresenta, exibe e debate, em edições anuais, o que há de mais inovador e promissor na produção audiovisual brasileira, em pré-estreias nacionais, de longas e curtas – uma trajetória rica e abrangente que ocupa lugar de destaque no centro da história do audiovisual e no circuito de festivais realizados no Brasil.
Praça principal do centro histórico de Tiradentes. Crédito: Site Viajando na Janela / Reprodução. 

Trata-se de um programa audiovisual que reúne todas as manifestações da arte numa programação cultural abrangente oferecida gratuitamente ao público que prevê a exibição de mais de 100 filmes brasileiros em pré-estreias nacionais, mais de 40 sessões de cinema, homenagens, oficinas, debates, seminário, mostrinha de cinema, exposições, lançamento de livros, teatro de rua, shows musicais, performance audiovisual, encontros e diálogos audiovisuais e  atrações artísticas.

Serviço

23ª Mostra de Cinema de Tiradentes
Data: 24 de janeiro a 1º de fevereiro de 2020
Locais: Centro Cultural Sesiminas Yves Alves / Largo das Fôrras / Largo da Rodoviária
Entrada gratuita.




Gostou do Café com Notícias? Então, siga o blog no Instagram, no Twitter, no Facebook, no LinkedIn e assine a nossa newsletter.






Jornalista

MAIS CAFÉ, POR FAVOR!

0 comentários