#DireitosHumanos: Oficina em BH debate xenofobia e a situação dos refugiados e migrantes no Brasil

setembro 18, 2019

Segundo a ACNUR, o número de refugiados cresceu mais de 50% nos últimos 10 anos: já são 25,4 milhões em todo o mundo. Crédito: Pixabay / Reprodução. 

Por Sílvia Amâncio


Na última quarta-feira (18/09) foi realizada em Belo Horizonte (MG) a oficina “Imprensa no Combate à Xenofobia contra Refugiados e Migrantes”A atividade teve como objetivo capacitar jornalistas sobre o fenômeno da migração, além de incentivar que a mídia trabalhe com mais sensibilidade as questões ligadas aos direitos humanos, dentro do contexto da nova lei de migração, da lei de refúgio e do combate à exploração de mão de obra de pessoas oriundas de outros países.

A iniciativa foi promovida pela Escola Superior do Ministério Público da União (ESMU), o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e a Conectas Direitos Humanos. Desde 2018, a oficina já passou por onze capitais brasileiras (Belém, Belo Horizonte, Boa Vista, Campo Grande, Curitiba, Florianópolis, João Pessoa, Manaus, Porto Alegre, Recife e São Paulo).

A capacitação na capital mineira, destinada especialmente para profissionais da imprensa, contou com a presença de jornalistas, estudantes de jornalismo, relações internacionais, advogados e assistentes sociais. A ausência dos profissionais da mídia tradicional mineira foi sentida, destacada e lamentada, pois eles também cobrem as histórias dos migrantes e refugiados pelo Estado. Todo o material da oficina pode ser acessado neste link.

Lugar de fala

Para envolver os principais beneficiários de políticas de atendimento a pessoas em situação de migração, os organizadores promoveram uma mesa-redonda e convidaram para o debate uma haitiana, uma peruana e um venezuelano que vivem atualmente em Minas Gerais. 

Em seus testemunhos, eles falaram sobre desafios da mudança de cultura, hábitos e atividades econômicas e como enfrentam a burocracia, o preconceito, a xenofobia e as dificuldades de integração.

Morando no Brasil desde 2002, a peruana Marinela Herrera disse que, apesar de se sentir acolhida por muitas pessoas, sofre com as atitudes racistas e xenofóbicas. “Geralmente, os ataques são vinculados à ideia de que estamos ‘roubando’ trabalho dos brasileiros”, citou. 
Mesa debate sobre migração e refúgio em Belo Horizonte aponta desafios para efetividade de políticas públicas específicas. Crédito: Ascom / ESMPU. 
Essa também é a avaliação da estudante haitiana Dina Therrier. Ela relata que sofre discriminação cotidianamente, inclusive na universidade, por ser migrante e negra. “Dizem que estamos roubando vagas universitárias ou postos de trabalho de brasileiros. Outra questão é o preconceito. Por ter a pele escura, quando ando na rua as pessoas demonstram medo, escondem o celular”, contou.

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Líder estudantil na Venezuela, o refugiado José Miguel Silva Ocanto teve de sair do país ao sofrer perseguição por fazer oposição ao governo. Segundo ele, infelizmente, ainda há muita desinformação na sociedade, até em órgãos de assistência a refugiados e migrantes, o que dificulta a implementação da lei e fomenta a xenofobia. “Por isso é fundamental a representatividade dos migrantes em eventos sobre a temática”.

Desafios da inclusão

Leonardo Medeiros, jornalista da Conectas, apresentou um resumo da legislação nacional e internacional sobre direitos humanos e a participação do Brasil como signatários dos principais tratados sobre migrantes e refugiados. Ele destacou que mesmo o Brasil tendo o histórico em receber pessoas de outras nacionalidades o preconceito e a desinformação ainda resistem. 

“O fluxo migratório de Venezuelanos é o maior visto no Brasil nos últimos anos e nas redes sociais o discurso de origem, de ameaça e de xenofobia (aversão a pessoas de outras nacionalidades) são frequentes, por isso a importância da imprensa criar novas narrativas para tratar o tema, e não apenas notícias de migrantes supostamente envolvidos em crimes ou violências”, diz.

O jornalista mostrou notícias da mídia internacional sobre brasileiros (prostituição, tráfico e outros crimes) e da mídia brasileira, com a mesma narrativa sobre refugiados e migrantes, o que mostra a urgência do jornalismo em abordar a pessoas em deslocamento pelo mundo e não apenas denúncias de crimes supostamente cometidos por migrantes. 

“Não usamos mais a palavra estrangeiro e sim migrante e nessa mudança de narrativa a imprensa pode abordar as contribuições culturais dessas pessoas, ouvir os migrantes e suas histórias. Além, disso, sugerimos atenção com o uso de imagem para não expor, incluir a perspectiva de gênero, não vitimizar os refugiados, não erotizar, estereotipar e nunca usar folclore para abordar o assunto”, explica.
A oficina busca mudar a narrativa da imprensa sobre esses temas para informar a população e desmistificar o olhar sobre o outro. Crédito: Ascom / ESMPU. 
Miguel Pachioni, jornalista do ACNUR, explicou o Projeto Acolhida que atua nas principais fronteiras do país e que, nesse momento, está concentrado na cidade de Pacaraima (RR), primeira cidade brasileira na fronteira com a Venezuela. “Temos que entender que o migrante é um sujeito de direitos e essa é uma situação e não a sua vida. O grande desafio que temos hoje com os venezuelanos é o acesso aos serviços e a integração no Brasil, como documentos, matrículas em escolas”.

Ele explica que existe muita desinformação e mitos sobre migrantes, em especial com os venezuelanos pela grande quantidade hoje em território brasileiro. “É um desafio para nossa sociedade por tudo que envolve, mas a maioria são homens, adultos, em idade produtiva e querem empreender no país. Temos que abandonar essa ideia que deixaram tudo para trás. Eles têm famílias, histórias, pertencimento de onde vieram”, destaca.

Deslocamento

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), mais de 70 milhões de pessoas estão deslocadas de seus territórios, sendo que a cada dois segundos uma pessoa é forçada a deixar sua casa. Os migrantes, em sua maioria, buscam países vizinhos para os deslocamentos. Os sírios, afegãos e sul-sudaneses são os mais deslocados, representando 57% dessa massa humana.

Os países que mais recebem migrantes são Alemanha, Sudão, Uganda, Paquistão e Turquia, o que mostra o mito de grande concentração de migrantes em território europeu e 1/3 dos refugiados são acolhidos em países pobre, 61% vivem em áreas urbanas e 50% são crianças.

Atualmente, cerca de 162 mil pessoas solicitaram ao Governo Brasileiro o reconhecimento de condição de refugiado. A nacionalidade que mais foi reconhecida como refugiado no Brasil é a síria. Para dados de comparação existem mais de três milhões de brasileiros vivendo fora do país espalhados pelos cinco continentes. 

A burocracia e a atual política brasileira, inclusive a postura do Itamaraty, arrasta por até três anos a possibilidade de conseguir o status de pessoa refugiada no Brasil. Em 2018, apenas cinco pessoas conseguiram o Registro Nacional de Imigrante (RNI), o equivalente ao nosso documento de identidade.

Nova casa

De acordo com dados da Organização Internacional de Migração (OIM) e da Casa Civil do Governo Federal, de junho de 2019, Belo Horizonte (MG) recebeu 55% (176) dos venezuelanos interiorizados, dos 320 que chegaram em Minas Gerais. Entre outros municípios mineiros que mais receberam pessoas em situação de migração vindos da Venezuela estão Juiz de Fora (19,7%), Montes Claros (8,4%) e Uberlândia (24).

Já segundo o ACNUR, os países que mais recebem venezuelanos são Brasil e México. No Brasil, os venezuelanos representam 77% dos refugiados no país, seguidos de haitianos (9%) e cubanos (3%). Desses, 80% querem empreender no país e a educação da maioria é mais elevada do que a dos brasileiros. 

Dados do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) do Ministério da Justiça, mostram que São Paulo é o estado com mais refugiados (57,7%) seguido por Rio de Janeiro (17%), Rio Grande do Sul (7,9%), Paraná (6,78%) e Minas Gerais (2,46%). No vídeo abaixo, a chefe do escritório de São Paulo da ACNUR, Maria Beatriz Nogueira, explica a diferença entre imigrantes e refugiados. Assista:





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