#Sintonia: Nova série da Netflix e Kondzilla se destaca por mostrar a realidade da quebrada

agosto 19, 2019

Crédito: Divulgação. 
Mostrar a favela nua e crua. Essa é a proposta da série “Sintonia”, que estreou recentemente na Netflix. Idealizada por KondZilla e produzida pela produtora Los Bragas, da atriz Alice Braga, a série conta a história de três amigos de infância: Nando (Christian Malheiros), Doni (MC Jottapê) e Rita (Bruna Mascarenhas). Ao chegarem à fase adulta, eles percebem que cada um trilhou caminhos diferentes, mas a união é o motor para superar os muitos desafios que podem aparecer na vida da quebrada.

“Sintonia” se passa na fictícia favela da Vila Áurea, em São Paulo, mas é possível criar uma identificação logo de cara, porque ela se parece com as muitas vilas e favelas que existem pelo Brasil. Sem medo de expor essa realidade brasileira, a série é ousada ao levar para as telas o linguajar, os costumes, as roupas, enfim a cultura da favela que é tão rica, quanto a cultura do outro lado do asfalto, da nossa elite. Confira o trailer:


Com apenas seis episódios na primeira temporada, “Sintonia” já é de longe a melhor série nacional autoral que a Netflix já colocou até hoje no seu catálogo, por ser diferente de tudo do que estamos acostumados a ver nas plataformas de streaming

Pela primeira vez, foi feito um produto pensado e idealizado para quem vive na quebrada, rompendo o padrão de apenas mostrar a favela carioca que é tão retratada internacionalmente por meio dos filmes e novelas. Desta vez é a efervescência cultural de uma favela paulista, reduto do funk ostentação e dos moleques chavosos. No vídeo abaixo, confira como foi o processo de construção dos personagens na visão dos atores e do idealizador da série:


Vidas cruzadas

Com uma filha pequena e recém-casado, Nando largou os estudos e viu no tráfico de drogas uma forma de crescer profissionalmente, coisa que dificilmente iria conseguir em um trabalho formal no asfalto. Nando é gerenciador, estrategista e mediador de conflito e não tem medo de trabalho. 

Ao mesmo tempo que consegue elevar o nível de organização da boca (local onde vende droga), ele ajuda a alavancar a carreira do amigo Mc Doni como empresário. Talentoso e imaturo, Doni tem facilidade de criar sucessos de funk e, logo no início da série, tem a letra roubada por uma outra artista que reconhece o potencial hit maker do garoto. 

Em paralelo a isso, está a terceira integrante, a Rita. Uma menina empreendedora que ganha a vida vendendo produtos de beleza na rua como sacoleira e teve a mãe assassinada pelo pai violento. Por um desarranjo do destino, Rita encontra na igreja pentecostal uma forma de explorar ainda mais o seu lado empreendedora e comunicativa, algo que com toda certeza deve ser mais explorado na segunda temporada.

Veja também:
- Quem é você na série "Sintonia"?

O mais bonito da série é a sintonia entre esses três amigos tão diferentes entre si que, mesmo levando vidas completamente opostas, encontram um tempo para se ajudar como uma família. Doni, por ter a família mais bem estruturada do trio, acaba tendo a sua casa como uma espécie de rede de apoio emocional para os demais, talvez um dos motivos para que o elo entre os três fosse ficando cada vez mais forte. 

Já Rita, mesmo não tendo uma referência familiar sólida, possui uma garra fora de série para superar os problemas e encontrar um caminho onde parecia não ter uma solução, enquanto Nando assume um papel de “irmão mais velho” do trio, e não mede esforços para resolver os problemas dos amigos, mesmo que ele tenha que sacrificar os seus próprios sonhos. 

Em um momento em que os noticiários mostram a favela apenas na parte do crime e dos inúmeros problemas sociais, a série “Sintonia” nos mostra que é possível ver beleza e sentimento na quebrada, e não apenas desgraça e sofrimento. Abaixo, confira o clipe da música original composta para a série:


Divulgação

Para a divulgação da série, a Netflix fez algo totalmente diferente: liberou no canal do Youtube do Kondzilla o primeiro dos seis episódios da primeira temporada como forma de chamar a atenção do público. O resultado não poderia ter sido melhor: em menos de três horas mais de 100 milhões de pessoas assistiram o episódio e contribuiu para que a série ficasse entre os assuntos mais comentados nas redes sociais.

Outra ação interessante foi a divulgação da possibilidade de se fazer a assinatura da Netflix com cartão pré-pago (que pode ser comprado em qualquer loja, supermercado ou farmácia, por exemplo), já que muitas pessoas que vivem nas favelas não têm conta no banco, muito menos cartão de crédito. Olha só o vídeo que foi feito ensinando o passo-a-passo:


Linguagem

O que mais chama a atenção do público em “Sintonia” é a linguagem dos personagens que usaram e abusaram do uso de gírias típicas de uma favela paulista. Mesmo com esse regionalismo, o público que escuta funk ou rap já está acostumado com essas palavras e não teve muita dificuldade de entendimento. Por outro lado, o público que não é da quebrada, pode estranhar as gírias ou ter muita dificuldade para entender a série, o que mostra o quanto a nossa língua está em constante transformação. Para ajudar nesse glossário de novas palavras, a Netflix fez uma ação bem bacana no Instagram. Confira:



Reflexão

“Sintonia” traz uma reflexão que poucos produtos no audiovisual já conseguiram: mostrar como a criminalidade (por meio do tráfico de drogas), a igreja pentecostal e o funk (como manifestação artística) caminham juntas no recrutamento de pessoas para movimentar uma indústria da qual elas mesmas nem fazem ideia que exista. 

Se por um lado a bandidagem consegue dar ao jovem uma colocação que permite ele ascender socialmente (não só de cargo dentro do tráfico, mas com a possibilidade de ter bens materiais que um emprego formal não dá e ainda oferece más condições de crescimento pessoal), conseguimos perceber na série que a Igreja também pode ser tão sedutora, quanto o crime ou a possibilidade de ser famoso (e rico) cantando funk.
Crédito: Divulgação. 
Não é à toa que os três protagonistas representam movimentos distintos de crescimento social/financeiro pelo crime, religião ou pela a arte, no caso o funk, mas que poderia ser o samba ou pagode, por exemplo. Talvez essa seja a crítica social mais profunda que “Sintonia” traz ao público: que a vulnerabilidade social da favela é também uma forma de ganhar dinheiro em meio ao desespero da sobrevivência diária.




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