Colocar uma das músicas mais famosas
do rock nacional nas telonas não seria uma tarefa fácil. E realmente não foi.
Abusando da liberdade poética e carregando a mão na crítica social, o filme Faroeste Caboclo –
baseado na música da banda Legião Urbana,
criada por Renato Russo, foge um pouco da história original, omite cenas,
aprofunda outros pontos, homenageia de forma explícita Quentin Tarantino e, por incrível que pareça, mostra um roteiro
seguro e verossímil.
A saga de João de Santo Cristo que saiu da miséria do interior da Bahia e foi para Brasília-DF atravessou gerações e mostra que, apesar de vivermos em
contexto completamente diferente, as drogas, a rebeldia e a gritante diferença
social (e cultural) da nossa sociedade continuam. Chega a ser perturbador ver
tanta cena de consumo explícito de drogas e o quanto burguesia faz questão de “tampar
o sol com a peneira” diante dos problemas, da sua juventude sem limite e
alienada. Assista o trailer:
O diretor René Sampaio foi ousado em
trazer elementos de Tarantino para um filme nacional, tais como a vingança, os
filtros nas cenas, as cores e o realismo visceral das obras do diretor
norte-americano. É interessante ver nas telonas a capital federal sendo
retratada de maneira urbana, reflexiva e o quanto o seu planejamento deixou a
sua população tão segmentada entre as classes. Tudo bem que o filme se passa no
final da década de 1970 e início dos anos 1980, mas é possível perceber
elementos atuais e de crítica à nossa juventude que viveu o “boom” da sua fase
sexo, drogas e rock in roll.
As referências colocadas no filme Faroeste Caboclo – e até
pelo fato do protagonista ser um anti-herói negro, lembram muito o filme Django, de Tarantino, lançado no início
deste ano e vencedor do Oscar. João de
Santo Cristo é um anti-herói negro brasileiro, alguém que saiu da pobreza
extrema do interior, que viu o pais morrerem pela desigualdade social e
encontrou na vingança (e porque não dizer no tráfico de drogas) uma espécie de
justiça social.
Isis Valverde interpreta a mocinha Maria Lúcia e Fabrício Boliveira faz o protagonista do filme Faraoeste Caboclo. |
Fabrício Boliveira, Isis Valverde e
Felipe Abib estão muito bem em cena e conseguiram – cada um a sua forma,
construir personagens fortes que em nada lembram trabalhos anteriores. Os
atores Fabrício Boliveira – que vive João
de Santo Cristo, passa tanta verdade nos olhos e no gesticular, que
impressiona; e Isis Valverde faz uma mocinha que se posiciona e não fica apenas
sofrendo diante das situações.
Já Felipe Abib, que interpreta Jeremias,
o antagonista da história, nos surpreende por se mostrar capaz de fazer
personagens densos e dramáticos, se preocupando em construir uma figura
completamente diferente a cada personagem, seja no físico, no gesticular ou até
mesmo na fala. O
ator, que veio da comédia, construiu um Jeremias bem próximo da
realidade, cheio de traços psicóticos, narcisistas e completamente tresloucado.
É, sem dúvida, um dos seus melhores papeis até hoje, diga-se de passagem.
O ator Felipe Abib interpreta o vilão Jeremias no filme Faraoeste Caboclo. |
Os roteiristas Marcos Bernstein e
Victor Atherino fizeram um roteiro bem amarrado. Souberam colocar de forma
correta os flashbacks a ponto do público conseguir entender o passado e o
presente da história. Também conseguiram injetar romance e drama, na forma como
conduziu a apresentação de personagens essencialmente importantes como Pablo,
Maria Lúcia e Jeremias. As referências à Django de Tarantino são tantas que
chega em uma parte do filme que o espectador torce para João tocar fogo na casa
de Jeremias ou pelo menos ter uma passagem digna de revanche.
Mas, “João de Santo
Cristo era santo porque sabia morrer”, já cantava Renato Russo. E o
público já sabe que o final da história não é feliz como em Django. João morreu em um duelo com
todos os elementos possíveis de um bom western. Talvez, o maior equívoco do
filme, foi quando os roteiristas optaram por omitir aquilo que poderia ser uma
das tantas críticas que a letra carrega: o sensacionalismo da cobertura
jornalística.
Os atores César Troncoso e Fabrício Boliveira interpretam Pablo e João de Santo Cristo, respectivamente, no filme. |
João era bandido conhecido na cidade
e o duelo foi televisionado, como canta a letra da música. No filme, não
houve nada disso: nem repórter de TV, nem sorveteiro, nem o povo aplaudindo.
Optou-se por um final shakespeariano onde João, Maria Lúcia e Jeremias morrem,
numa espécie de redenção, sem ninguém ver. Não foi sem sentido, mas fugiu da
letra original. Para quem esperava ver um clipe transformado em filme se
decepcionou ou se entusiasmou. O nível do cinema brasileiro melhorou.
Fotos: Europa Filmes / Divulgação.
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Jornalista